Quem são os jovens contemporâneos ?
Juventudes e cidades no Brasil: um estudo de caso sobre os jovens de São Borja (RS)
Victor Nedel é doutorando em Educação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS, Brasil) e doutorando-visitante no ICS-ULisboa.
Quem são os jovens contemporâneos brasileiros? Quais as relações desses jovens com as cidades? Estas são questões amplas que requerem capacidade de busca e análise de dados empíricos, visto que em relação aos jovens contemporâneos não se pode criar uma única designação ou definição de conjunto: as juventudes se configuram em categoria em constante mudança, e sua transitoriedade, diversidade e multiplicidade devem ser tomadas em conta, sempre que se estudam tais sujeitos.
Para que se possa responder às perguntas anteriormente formuladas há-se que, inicialmente, tomar consciência das limitações metodológicas que os estudos sobre, para e com os jovens encontram no campo da investigação em um país de dimensões continentais como o Brasil. Neste sentido, há que considerar que o método utilizado para a realização da pesquisa que será apresentada foi o de estudo de caso, o qual não pretende representar o todo, mas sim uma parte que pode, à sua medida, encontrar ou não correspondências com outras realidades.
Uma canção composta e interpretada por Charlie Brown Jr. e Negra Li (jovens cantores brasileiros) assim inicia: “o que eu vejo na TV o que eles falam sobre o jovem não é sério, o jovem no Brasil nunca é levado a sério”. De fato, ao buscarmos, por exemplo, a palavra “jovem” na seção “notícias” do Google Brasil encontrar-se-ão resultados normalmente associados a temáticas de violência, tráfico de drogas, e outras correspondências de cunho estigmatizante. Esses são os jovens brasileiros? Certamente que não, mas é a imagem vendida de como assim o fosse toda a juventude brasileira.
Em tom de contexto macro, cabe iniciar afirmando que a faixa entre 15 e 29 anos no Brasil encontra-se na porcentagem de 25% da população do país e que a pluralidade, a multiplicidade e a diversidade são elementos de referência para que se possam caracterizar estes sujeitos: são jovens que estudam, que trabalham, que estudam e trabalham e, outros, que nem estudam, nem trabalham, como se observa no infográfico que segue.
São, igualmente, jovens violentados e em sua maioria absoluta mulheres negras; são jovens que expressam e vivem suas sexualidades; são jovens conectados, em quase todas as camadas sociais; são jovens envolvidos com a política, com a religião, com a sociedade como um todo. De um ponto de vista residencial, praticamente 90% de jovens vive em cidades brasileiras, espaço que é tomado, então, como cenário das formas de sociabilidades juvenis.
Ao pesquisador das juventudes que está associado ao campo da educação – normalmente professores que dedicam esforços para investigar e conhecer seus jovens alunos – a principal justificativa que se encontra para a realização de estudo sobre as juventudes é justamente a importância que se encontra ao querer ter ciência de quem são seus interlocutores em sala de aula, no processo pedagógico. A consciência de quem são os jovens-alunos tende a facilitar a construção do conhecimento por parte do docente, uma vez que este sabe com quem está trabalhando, facilitando também, por isso mesmo, o processo de comunicação entre professores e jovens-alunos.
Para compreender a relação dos jovens com suas cidades, comecei por analisar as percepções urbanas a partir do caso de jovens-estudantes de uma instituição pública federal, localizada na cidade de São Borja, no interior do estado do Rio Grande do Sul, estado que se localiza no extremo sul do país, fazendo fronteira com a Argentina e o Uruguai. Esta cidade, situada na fronteira oeste do estado, a uma distância de aproximadamente 600 km da capital, Porto Alegre, é banhada pelo rio Uruguai, que é a divisa natural com a cidade de Santo Tomé, localizada na província de Corrientes, na Argentina. São Borja, em conformidade com o IBGE (2015), possui população de 62.990 habitantes, apresentando uma densidade de 0,02 hab./km², visto que a maior parte do território do município é destinada à agricultura comercial, com destaque para o cultivo de soja.
Foi aplicado um questionário (survey) com os jovens alunos do curso de ensino médio técnico integrado em informática, com uma amostra de, aproximadamente, 90 sujeitos. O questionário foi montado e dividido em 5 partes: uma primeira caracterizando a amostra de pesquisa; outra verificando o grau de concordância ou discordância em relação a algumas frases sobre sua cidade; uma terceira, na qual se apresentavam imagens de diferentes contextos urbanos e os jovens deveriam informar qual primeira palavra tal imagem lhes evocaria; outra ainda verificando questões urbanas com a capital do estado, Porto Alegre; e uma quinta seção verificando questões urbanas com sua própria cidade. Este questionário configurou-se como um pré-teste para ser aplicado, posteriormente, com jovens de cidades de grande porte.
Os resultados indicam que 56,1% dos jovens participantes do estudo estão na faixa de concordância com a frase “São Borja é uma boa cidade para se viver”, o que demonstra, para a maioria dos sujeitos, a identificação positiva com seu espaço urbano. Esta identificação, contudo, não os exime de formular desejos para sua cidade, como por exemplo a construção de um shopping center, de um cinema e de restaurantes de fast food, espaços almejados por grande parte dos pesquisados. A cidade em que vivem foi qualificada por expressões que se podem vincular a um critério positivo, como por exemplo: “casa”, “lar”, “amor”. Outras palavras expressadas, no entanto, demonstram um vínculo negativo dos jovens com seu espaço urbano, ao afirmarem “desinteresse”, “socorro”, “subdesenvolvimento”, “tédio” ou ainda “tristeza”.
Em relação à limpeza urbana de sua cidade, 53,7% dos jovens inquiridos expressam a sua discordância em relação à frase “São Borja é uma cidade limpa” e ainda, 30,5% estão nem na concordância, nem na discordância em relação a este tema. Se somadas as porcentagens, há o número de 84,2% de jovens insatisfeitos com a limpeza de sua cidade. Este percentual significativo indica que o jovem contemporâneo, mesmo residente em cidade do interior de um estado brasileiro, está atento às questões de ordem pública da cidade, o que, de certa forma, manifesta sua reflexão acerca do urbano e sua vivência política, mesmo que em fases principiantes.
Ao referirem-se aos espaços de lazer preferidos na cidade de São Borja, constatou-se uma surpresa. As respostas “minha casa” (29%) e “meu quarto” (14%) ficam em espantosa evidência, evidenciando a falta de espaços públicos de lazer na cidade, ou ainda, a preferência dos jovens sujeitos de permanecerem em seus espaços domésticos.
Como ilustração da técnica de utilização de figuras apresentadas aos jovens sujeitos da pesquisa, a primeira imagem apresentada foi a que segue: a entrada da cidade de São Borja, a partir da rodovia que dá acesso à área urbana da cidade, na confluência de três importantes rodovias: a BR 285, a BR 472 e a BR 287.
O objetivo principal do uso deste recurso foi apreender as principais ideias dos jovens sobre sua própria cidade, através de palavras-chave. Surgiram dezenas de expressões a respeito da imagem anterior. Elencaram-se, portanto as principais palavras apontadas pelos sujeitos, no formato de nuvem de palavras: quanto maior a palavra está representada, mais vezes ela ocorreu nas respostas.
Para além da nomeação da toponímia da cidade de “São Borja”, como palavra em maior evidência na nuvem de palavras, percebe-se uma relação de expressões as quais podem se vincular a um critério positivo, como por exemplo: “casa”, “lar”, “amor”.
Outras palavras expressadas, no entanto, demonstram um vínculo negativo dos jovens sujeitos da pesquisa com seu espaço urbano, ao afirmarem “desinteresse”, “socorro”, “subdesenvolvimento”, “tédio” ou ainda “tristeza”. Embora estas expressões de cunho negativo tenham surgido em menor número de ocorrência, há que se ter igual ou maior atenção, visto que alertam para pertencimentos negativos ou falta de pertencimento desses jovens com seu espaço proximal.
Em relação às demais imagens apresentadas aos jovens e as palavras que foram evocadas pelos mesmos e uma análise deste contexto, recomenda-se a leitura do artigo já publicado nos anais do III Congresso Ibero-Americano de Humanidades, Ciências e Educação.
De modo geral, pode-se afirmar que os jovens que participaram desta fase mais exploratória da pesquisa formam consideráveis percepções urbanas em sua cidade, na medida em que estão atentos para situações relevantes, como o turismo, a limpeza e os equipamentos urbanos presentes ou ausentes em seus espaços. Ao mesmo tempo, há que se levar em conta e retomar a discussão de que um estudo de caso realizado com jovens de uma instituição pública federal de excelência representa o recorte de uma realidade específica e que esta realidade pode ser ou não a mesma em outras partes de um país de dimensões continentais como o Brasil.
Este estudo serviu de grande valia para que, além do estudo com os jovens do Instituto Federal Farroupilha de São Borja, se pudesse testar o uso do questionário como fonte inicial de coleta dos dados para minha pesquisa doutoral, que está sendo realizada em uma cidade de maior porte, Porto Alegre e com jovens provenientes de distintos territórios sócio-econômicos-culturais. Para além da aplicação do questionário, já foram realizadas outras etapas metodológicas, complementares ao mesmo, que dão sequência nas análises das relações dos jovens com sua cidade, a partir de outros objetivos definidos.
Para que se tenha uma ideia da pesquisa como um todo, recomenda-se a leitura do artigo já publicado nos anais do II Simpósio Nacional Aproximações com o Mundo Juvenil.
Como citar este artigo: Nedel, Vítor (2019) Juventudes e cidades no Brasil: um estudo de caso sobre os jovens de São Borja (RS) Life Research Group Blog, ICS-Lisboa, https://liferesearchgroup.wordpress.com/2019/01/24 24 de janeiro (Acedido a xx/xx/xx)