Ranking das fake news anti-vacinas
EUA, Brasil e Índia lideram ranking das fake news anti-vaxx
21 MAI 2021 AUTOR RUTH HELENA BELLINGHINI
Uma pesquisa publicada esta semana pela PLOS One avaliou a disseminação de notícias falsas sobre as vacinas contra COVID-19 em 52 países e em 24 idiomas, publicadas em plataformas online no período de 31 de dezembro de 2019 a 30 de novembro de 2020. Dos 637 textos sobre imunizantes, selecionados a partir de palavras-chave, apenas 5% continham informações verdadeiras (30). Os demais foram classificados como falsos, enganosos ou exagerados: 91% destes se encaixaram na categoria boatos ou "fake news", e 9%, na de teorias conspiratórias. Na amostra, os EUA registraram o maior número de fake news, com 94 (15%), seguidos pela Índia, com 82 (13%), e o Brasil, com 12% (77).
A preocupação dos pesquisadores, a maioria da Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália, é o impacto que essas informações falsas podem ter na procura pelas vacinas, aumentando a relutância de uma população a se vacinar, por exemplo. Caso dos Estados Unidos, onde 50% da população já se vacinou, mas o governo enfrenta o desafio de convencer o restante a se imunizar, especialmente em bolsões conservadores, entre minorias e em áreas rurais. Na tentativa de aumentar o número de vacinados, até uma cervejaria promete uma cerveja grátis para quem apresentar o comprovante de que tomou a vacina. A despeito da boataria no Brasil, pesquisa do DataFolha, também divulgada esta semana, aponta que 91% dos brasileiros consultados vai se vacinar ou já se vacinou.
Entre os brasileiros que não pretendem se vacinar, 21% pertencem ao grupo que não faz isolamento social e vive normalmente, e 14% afirmaram confiar nas declarações do presidente Bolsonaro. E, por falar em Bolsonaro, um estudo do Laboratório de Pesquisa em Mídia, Discurso e Análise de Redes Sociais da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) mostra que, a cada pronunciamento do presidente em rede nacional, aumentam as notícias falsas sobre a pandemia nas redes sociais. De acordo com os pesquisadores, apoiadores do governo federal difundem com rapidez as frases presidenciais com desinformações.
A Índia do primeiro-ministro Narendra Modi é o maior fabricante de vacinas do mundo, mas acumula cerca de 300 mil novos casos diários de COVID-19, segundo números oficiais que podem representar apenas 10% dos reais. Modi, mais preocupado com eleições do que com a pandemia, realizou comícios gigantescos e promoveu o uso de um "kit-covid" com hidroxicloroquina e ivermectina pela módica quantia de US$ 3. O país de 1,3 bilhão de habitantes convive agora com escassez de vacinas, colapso do sistema de saúde e o desespero da população rural que não tem recursos sequer para comprar madeira para cremar seus mortos, que são lançados ao Ganges, o rio sagrado.
Más fontes
Os pesquisadores da Universidade de Nova Gales do Sul afirmam que a maioria das informações falsas disseminadas no período apareceu no Facebook (61%) e Twitter (28,6%), sendo que essas foram compartilhadas, receberam emojis e likes de 103 milhões de pessoas. O estudo subdividiu o que classifica de rumores e boatos em oito categorias.
Na categoria Desenvolvimento, disponibilidade e acesso a vacinas estão fake news como as disseminadas na Indonésia e Bangladesh, de que, como havia falta de macacos para testes de vacinas, os cidadãos dos dois países seriam usados como cobaias. Houve questionamentos e desconfiança também quanto à rapidez com que os imunizantes foram desenvolvidos e testados.
No quesito Segurança, eficácia e aceitação, houve intensa boataria, com alegações de que as vacinas causariam infertilidade – o mesmo boato fez com que Nigéria, Paquistão e Afeganistão registrassem aumento dos casos de poliomielite, porque a população assustada se recusou a vacinar suas crianças –; que seriam ineficazes além de ter graves efeitos colaterais; que a Organização Mundial da Saúde (OMS) teria reconhecido que são ineficazes; que a vacina seria capaz de curar um paciente de COVID-19 em 3 horas; que os imunizantes que usam RNAm poderiam alterar o DNA das pessoas, transformando-as em humanos geneticamente modificados. E, claro, não poderia faltar Bill Gates, com a suposta afirmação de que essas vacinas usam tecnologia experimental capaz de causar mutações permanentes. Na lista está também a incrível fake news de que o infectologista americano Anthony Fauci teria dito que vacinas são tóxicas e podem fazer com que as pessoas piorem.
São apostados ainda como rumores as acusações de que as grandes farmacêuticas americanas teriam segurado as notícias de que já dispunham de vacinas para comprometer as chances de reeleição do ex-presidente Donald Trump, que o atual presidente Joe Biden e sua vice Kamala Harris estariam disseminando mensagens anti-vaxx, que o objetivo da vacinação seria reduzir a população mundial em 1 bilhão de pessoas e que o Canadá pretendia perdoar as dívidas mundiais (!!!) com moradia e alimentação das pessoas que se vacinassem.
Gripe
A vacina contra influenza também entrou na dança das fake news sobre a COVID-19, com alegação de que ela aumentava o risco de alguém contrair a doença; que matava os pacientes de COVID-19; e que torna as crianças mais suscetíveis aos coronavírus. Na categoria Morbidade e Mortalidade, os pesquisadores listam a intensa boataria disseminada durante os testes clínicos fase 3, a maioria sobre supostas mortes de voluntários – esses rumores foram intensos aqui no Brasil, com o “governo”, sem especificar qual governo, escondendo os casos para não deixar a população em pânico.
Sem contar as previsões de mortos: as vacinas vão matar 50 milhões de americanos; a filha de Vladimir Putin teria morrido depois de tomar uma dose da vacina; “uma amiga perdeu os três filhos depois dos testes para a vacina chinesa" (essa circulou por aqui, com o detalhe de que os três filhos seriam crianças, que sequer foram incluídas nos testes); e, claro, o sempre presente Bill Gates, que teria “admitido” que as vacinas iriam matar ou causar sequelas em 700 mil pessoas...
A mais disseminada das teorias conspiratórias é a de que a vacina conteria um microchip, que na verdade seria um instrumento de controle social, permitindo saber qual a localização dos vacinados a cada instante, coisa que qualquer celular já faz com bastante eficiência. E, mais uma vez, o microchip faz parte de um plano maquiavélico de Bill Gates para dominar o mundo. Outra dessas teorias afirma que a vacina está contaminada propositalmente para matar os idosos.
Ingredientes
Um dos boatos mais inusitados é o de que o governo americano não confiava nas vacinas para conter a pandemia, mas sim em práticas da chamada “medicina alternativa”. Questiona-se também a necessidade de vacinação, alegando que praticamente 100% das pessoas com COVID-19 se recuperam. Uma dessas alternativas seria a ingestão de um cubo de açúcar com vacina contra a pólio, o que seria um “tratamento eficaz” contra a doença.
Sobre os componentes das vacinas, a fake news mais disseminada é a de que as vacinas são feitas com células de fetos abortados, com destaque para um boato, bem brasileiro, de que as vacinas testadas aqui são feitas com fetos abortados. Em seguida, o de que as vacinas contêm componentes tóxicos ou genes de macacos e porcos. Quem aparece na lista de boatos sobre "vacinas obrigatórias" é o governador de São Paulo João Doria, acusado de proibir a distribuição de hidroxicloroquina para "forçar a população a tomar a CoronaVac". Alegou-se também que a vacinação viola os direitos humanos e o Código de Nuremberg, que rege a ética nas pesquisas com seres humanos.
Os autores reconhecem que seu estudo tem limitações, entre elas a barreira da diversidade de idiomas, mas alertam para o fato de a exposição constante a essas fake news causa desinformação e desconfiança tanto em relação às vacinas quanto a políticas governamentais para contenção da pandemia. Por isso, seria necessário que os governos desenvolvessem legislação e estratégias para expor e conter a disseminação de informações falsas.
Vale a pena destacar também que essas fake news se disseminam com praticamente o mesmo conteúdo em qualquer país, em qualquer idioma, quando muito alterando o nome de políticos ou pesquisadores. Uma das explicações pode estar numa lista de 12 pessoas que lideram o movimento anti-vaxx em língua inglesa e que constam do mais novo relatório do Center for Countering Digital Hate (CCDH), "The Disinformation Dozen".
Esses anti-vaxx influentes são: Joseph Mercola, Robert F. Kennedy Jr, Ty e Cjarlene Bollinger, Sherri Tenpenny, Rizza Islam, Rashid Buttar, Erin Elizabeth, Sayer Ji, Kelly Brogan, Christiane Northtup, Ben Tapper e Kevin Jenkins, todos figurinhas bem conhecidas pelos anti-vaxx brasileiros, que postam seus textos ou vídeos traduzidos ou legendados. Não é de estranhar, portanto, que essas fake news sejam as mesmas em vários países e idiomas. No início do ano, o CCDH publicou um livro digital esmiuçado as estratégias anti-vaxx para a pandemia: pode conferir porque o CCDH está de olho nesse pessoal.
Ruth Helena Bellinghini é jornalista, especializada em ciências e saúde e editora-assistente da Revista Questão de Ciência. Foi bolsista do Marine Biological Lab (Mass., EUA) na área de Embriologia e Knight Fellow (2002-2003) do Massachusetts Institute of Technology (MIT), onde seguiu programas nas áreas de Genética, Bioquímica e Câncer, entre outros