Recomendações para políticas Escolas básicas

Recomendações para políticas Escolas básicas

Escolas básicas geram recomendações para políticas com apoio da USP

05/10/2022 - Thais Paiva

Os resultados de seus três anos de atuação no programa Escolas2030 geraram um documento que inclui princípios orientadores e exemplos concretos.

*Texto publicado no Jornal da USP

Por Elie Ghanem, professor da Faculdade de Educação da USP

Como as políticas públicas podem favorecer a melhoria do trabalho de profissionais da educação? Algumas das(os) próprias(os) profissionais ofereceram respostas. Trata-se de recomendações para políticas voltadas a condições para a oferta de uma educação de qualidade.

São pessoas de organizações educativas escolares e não escolares integrantes do Escolas2030, um programa global de pesquisa-ação com duração de dez anos (2020 a 2030). A iniciativa se propõe envolver, como “laboratórios de inovação”, mil organizações educativas de quatro continentes (cem em cada país). Participam também Afeganistão, Índia, Paquistão, Portugal, Quênia, Quirguistão, Tajiquistão, Uganda e Tanzânia. As ações brasileiras são coordenadas por especialistas da Faculdade de Educação da USP e da organização de empreendedores sociais Ashoka, mantidas com recursos da Fundação Itaú para Educação e Cultura.

O intento visa a garantir o Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 4, da ONU: educação inclusiva, equitativa e de qualidade, promovendo oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todas e todos.

No Brasil, o programa busca criar novos parâmetros para a avaliação da aprendizagem com base na prática da educação integral e transformadora. A maioria das organizações são escolas públicas de territórios vulneráveis, nas cinco grandes regiões do país. Os resultados de seus três anos de atuação geraram Recomendações para políticas públicas, um documento que inclui princípios orientadores e exemplos concretos.

As ideias servem de subsídio a um amplo debate com a sociedade civil e autoridades do poder público sobre educação. Debate muito permeado por questões sobre eficiência de sistemas educacionais.

Uma das propostas é que o Ministério da Educação e as secretarias responsáveis pela oferta da educação básica forneçam apoio técnico especializado, financeiro e institucional (particularmente horas de trabalho de profissionais) para que se elaborem e realizem projetos de pesquisa de unidades educacionais sobre suas próprias práticas. Dessa forma, as pessoas que as protagonizam terão melhores condições para refletir sobre o que fazem, produzindo coletivamente conhecimento que embase atividades educacionais e processos de avaliação.

Há exemplos como o da rede estadual da Bahia, que cumpre um terço da jornada docente em atividades fora das aulas, necessárias também para se dedicar à pesquisa sobre sua prática educacional. As ações da Secretaria de Educação de Belo Horizonte vão além: uma Semana de Educação com 75 mil participantes, criação de um portal na internet, incentivo ao intercâmbio entre profissionais de suas escolas no diálogo com estudiosas(os) reconhecidas(os) do campo, organização de congressos e uma publicação digital sobre boas práticas no enfrentamento da pandemia de covid-19.

Outra recomendação do documento é que as secretarias responsáveis pela oferta da educação básica mapeiem, apoiem e difundam na sua rede procedimentos e instrumentos de avaliação desenvolvidos pelas unidades educacionais e que abrangem aprendizagens necessárias ao pleno desenvolvimento da pessoa, como empatia, colaboração, autoconhecimento, criatividade e protagonismo. Faces necessárias da educação integral que se almeja. Junto com a difusão desses procedimentos e instrumentos deverá haver processos de formação contínua para a sua qualificada implementação.

As aprendizagens relativas às variadas dimensões do ser humano não constam dos sistemas governamentais de avaliação, embora a Constituição fixe como objetivos da educação o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Metas que não se atingem meramente com jornadas de período integral em escolas.

Além disso, as pessoas que realizam diretamente as práticas educacionais (educandas e educadoras) só casualmente são também sujeitas de sua avaliação, ainda que esse seja um fator decisivo da qualidade da educação. Uma experiência que se empenha nesse sentido é a da Escola Estadual Alan Pinho Tabosa (Pentecoste, CE), cujo Índice de Desempenho Acadêmico e Cooperativo Individual foi criado para avaliar o nível de cooperação de cada estudante, estimular interdependência, empatia e realçar a participação nas aulas para aprender.

O que se propõe vai na direção de dar voz a quem está nas práticas educacionais cotidianas, de modo que orientem o processo e influam nas políticas apontando o que leva a bons resultados. É um alerta quanto à importância de o poder público visibilizar as práticas e as tornar disponíveis para aproveitamento em diferentes lugares.

Note-se que as propostas mostram grande amplitude, abarcando a participação de estudantes e o seu protagonismo, não reduzindo seu foco à atuação unilateral de profissionais e abrindo possibilidades de fomento a uma cultura democrática.

O documento emana da experiência engajada em esforços de pesquisa-ação, uma vertente de investigação ao mesmo tempo rigorosa e mobilizadora, essencialmente realizada por grupos dedicados a “fazer pesquisando” e “pesquisar fazendo”, nos moldes de uma intervenção para a melhoria daquilo que priorizam. No caso de escolas e outras organizações educativas, a pesquisa constitui os próprios trabalhos educacionais. Docentes geralmente fazem isso individualmente, agem e pensam sobre o que dá certo e aquilo em que há dificuldade. Mas encontram muitos obstáculos para que essa atividade de investigação seja coletiva.

Remover esses impedimentos é condição para que soluções de educação localmente formuladas informem mudanças sistêmicas para melhorar os resultados de aprendizagem. Para além do Brasil, os ecossistemas globais de educação necessitam dessa inspiração para produzir conhecimentos novos e exequíveis sobre o que possibilita às crianças e jovens alcançarem os principais resultados de desenvolvimento e aprendizado.

O caminho a ser seguido, portanto, é o de impulsionar processos em que professoras(es), gestoras(es) e estudantes sejam ouvidos pelo poder público e por organismos internacionais, levando ao seu crescente conhecimento a respeito de práticas efetivas para a promoção de uma educação de qualidade.

Colocados como centros irradiadores em vez de alvos das transformações sociais, os estabelecimentos educativos terão agência em reformas educacionais, que poderão contar com evidências de pesquisas voltadas à sua própria melhoria. Substituirão o predomínio de uma narrativa de déficits pela identificação dos aspectos de efetividade e avanço.




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