Recursos para educação básica
De onde devem vir os recursos para educação básica?
Em função do contingenciamento de 30% dos recursos das instituições federais de ensino, realizado pelo Ministério da Educação (MEC), um debate ganhou corpo nas redes sociais: devemos tirar recursos do ensino superior para investir na educação básica? Devo dizer de antemão, se estamos falando exclusivamente do orçamento do MEC, trata-se de uma falsa dicotomia. Digo isso por questões políticas e técnicas. Defender a ideia de que é necessário tirar recursos da educação superior pública para investir na educação básica pública é trabalhar com a premissa de que o orçamento da Educação é suficiente no Brasil. Dá-se a entender, que se houver um redirecionamento do orçamento federal (MEC) para educação básica resolveríamos os problemas educacionais desse nível de ensino (isso é irreal, na parte técnica explicarei). Essa postura invisibiliza o necessário debate sobre a ampliação de recursos para a educação. É aqui que a comparação do Brasil com outros países no que tange ao investimento em educação relativo ao PIB é traiçoeira. Por nossas carências próprias como país: número de crianças e jovens em idade escolar fora da escola; baixa taxa de matrícula na educação infantil, em cursos técnicos de nível médio e mesmo na educação superior; infraestrutura precária de diversas redes de ensino, baixa valorização do magistério da educação básica; dificuldade de garantir a permanência das crianças e jovens mais pobres, entre outras, é que o legislador definiu no Plano Nacional de Educação, que até 2024, o país deveria investir 10% do seu PIB em educação (contando financiamento estudantil, bolsas de pesquisa e isenções fiscais). Ao pensar dentro da caixa (orçamento do MEC), os defensores da ideia de realocação pura e simples, fecham os olhos para impossibilidades de execução e ignoram as fontes de financiamento que realmente fariam a diferença. Falo aqui de uma reforma da previdência justa (tratei aqui e aqui) e da urgente reforma tributária (artigo de Thales Nogueira), por exemplo, que devem ser feitas para dar oxigênio orçamentário para a União, mas em especial para os estados que são protagonistas do financiamento da educação básica junto dos municípios, juntos representam 70% do gasto total em educação. Podemos falar também da renegociação da dívida dos estados e municípios com a União, gastos tributários (artigo de guilherme Tinoco) inócuos de diferentes entes federados e outro amplo conjunto de medidas que realmente teriam impacto significativo no financiamento da educação. Questões técnicas Afirmar que se gasta em demasia com a educação superior e que se reduzíssemos esse gasto poderíamos dar um salto no financiamento da educação básica é vender ilusões. O ensino superior brasileiro é majoritariamente privado, apenas 25% das matrículas estão no setor público. Conforme imagem abaixo, dessas matrículas, 64% estão nas instituições federais e 31,4% nas estaduais. Tratando apenas das instituições federais, sabemos que o gasto do MEC no ensino superior é constituído basicamente de gastos obrigatórios (salários, aposentadorias e outros gastos). Mesmo que se queira, não é possível mexer nesses gastos no curto prazo, a folha de pagamento terá seu crescimento vegetativo contínuo e as aposentadorias também. O investimento de capital (para compra de máquinas, equipamentos e novas obras) federal em educação caiu significativamente nos últimos cinco anos (imagem abaixo), assim como no Brasil como um todo. O que é passível de bloqueio são recursos de custeio (segurança, limpeza, alimentação, materiais básicos, luz, água), assistência estudantil e investimentos de capital. Cortes nesses gastos representam realmente pouco a ponto de ter algum impacto significativo na educação básica. Em março desse ano, cerca de R$ 5 bilhões foram contingenciados no MEC, agora em maio mais R$ 2,4 bilhões, os efeitos deletérios desses cortes (inclusive no ensino médio dos 38 Institutos Federais, 2 Cefets e o Colégio Pedro II) podem ser maiores do que o impacto real que esse montante teria na educação básica, cujo orçamento total é mais de R$ 260 bilhões. Levando em conta a ordem de grandeza, praticamente se “tiraria da educação básica para por na educação básica”. Mesmo que alguma realocação seja feita, quem faria a gestão e a aplicação desses recursos seriam estados e municípios, responsáveis pela educação básica de acordo com a Constituição Federal. Só a elaboração da logística necessária (programas, editais, plataformas) para a redistribuição desse recurso poderia absorver parte da verba. Mesmo os mecanismos de investimento da União na educação básica existentes precisam de reformulação, falo em especial do aperfeiçoamento do Salário Educação e dos programas do FNDE que administram as transferências voluntárias. Levantamento feito pelo Aos Fatos e outras fontes, mostrou que o orçamento geral para educação superior no MEC também vem caindo nos últimos 5 anos (imagem abaixo), de forma mais tímida que o recurso de investimentos. O fato de gastarmos mais com educação superior por aluno é esperado e lógico. A educação superior envolve ensino, pesquisa e extensão, insumos mais caros e corpo docente com maior titulação. Esse gasto maior ocorre em função dos gastos obrigatórios, portanto, qualquer corte adicional significa precarização dos trabalhos e atividades cotidianas em universidades e institutos federais. Apenas com uma plataforma de longo prazo, que envolve reformas na forma como as universidades se financiam e no planejamento do custo de pessoal é que os gastos obrigatórios pode ser modificados. É um desafio sim encontrarmos meios para reduzirmos a diferença entre o investido por aluno na educação básica e na educação superior, mas é importante ter claro as distinções dos níveis de ensino, e não ignorar o caráter imaterial da existência da universidade pública para uma sociedade. Não há espaço, portanto, para realocação de recursos do MEC em grande monta para a educação básica com o atual orçamento e a condição fiscal do país. O que não significa que não se possa ampliar a participação da União no financiamento da educação básica, em especial através do FUNDEB (proposta de renovação), diante, daí sim, da expansão do investimento. Isso está muito ligado a volta da atividade econômica e ao crescimento do país, precisamos arrecadar mais e retomar a capacidade de investimento público. O sucateamento das instituições federais não produz recursos para a educação básica, pelo contrário, afetam a participação das universidades em seu papel de protagonismo na melhoria da qualidade dessa através da formação de professores, pesquisas e parcerias, que, inclusive, também devem ser aperfeiçoadas. Como saliento na parte final desse texto, os contingenciamento promovidos pelo governo afetam basicamente fornecedores, trabalhadores terceirizados e estudantes. Eles não representam um caminho razoável para a necessária ampliação de recursos na educação básica. Afora que devemos ter claro o quão relevantes são para o país as universidades públicas, mais de 90% da pesquisa nacional ocorre nessas instituições. Instaurar uma disputa fratricida entre educação básica e superior públicas apenas acionará mais disputas políticas e conflitos. Não será do disputado e insuficiente orçamento do MEC que virá os recursos que precisamos. Sou adepto a ideia de priorizarmos a educação básica, quando elenquei 7 pontos para um projeto educacional a dei prioridade, todavia, tenho claro que não é retirando recursos da educação superior pública deliberadamente e sem critério que o faremos. Sobre o complexo tema do financiamento educacional brasileiro, sugiro essa excelente reportagem da Ana Carolina Monteiro. É fundamental termos noção da ordem de grandeza, ainda mais quando tratamos de orçamento público.Questões políticas