Redução do bullyng
Redução do bullyng e mais atenção nas matérias são resultados positivos da lei que proíbe celular nas salas de aula
Os alunos estão ouvindo mais os professores e falando mais entre si, conforme atestam pesquisas no país e no estado
01.out.2025 - Porto Alegre (RS) - Eugênio Bortolon

A percepção de impacto positivo é maior nos anos iniciais do Ensino Fundamental I, com 88% afirmando prestar mais atenção nas aulas - Foto: Divulgação / Escola de Ensino Médio Presidente Kennedy
O avanço tem sido significativo no primeiro ano de proibição do uso de celulares durante as aulas nas escolas brasileiras e gaúchas. Os alunos têm prestado mais atenção nos professores e nos livros e cadernos. As telas dos notebooks e tablets também estão fora de circulação. No Rio Grande do Sul, a aplicação da lei tem sido considerada positiva e benéfica, contribuindo para uma relação mais eficiente entre estudantes e educadores.
Conforme pesquisa realizada pela Equidade.info para a Frente Parlamentar Mista da Educação, da Câmara Federal, iniciativa do Lemann Center da Stanford Graduate School of Education, revelou que 83% dos estudantes brasileiros têm prestado mais atenção nas aulas depois da restrição ao uso de celulares. A lei que proíbe o uso do aparelho dentro das escolas pelos alunos foi sancionada em janeiro de 2025 após aprovação no Congresso Nacional. No RS, a portaria sobre o assunto foi divulgada em fevereiro e entrou em vigor em março.
A nova legislação estabeleceu que cada rede de ensino, sejam elas públicas ou privadas, estabelecesse suas próprias estratégias. O objetivo da medida foi minimizar os impactos negativos do uso excessivo dos dispositivos tecnológicos no aprendizado, na concentração e na saúde mental dos estudantes.
A Equidade.com atesta que a medida vem colaborando para tirar os alunos das redes sociais e das “abobrinhas” e discussões sem ligação com as aulas, além de reduzir o bullyng. Pela pesquisa, 77% dos gestores e 65% dos professores revelam que há maior concentração nas matérias pedagógicas, maior rendimento e menos brigas virtuais ou perseguição deliberada de colegas.

Impactos
A percepção de impacto positivo é maior nos anos iniciais do Ensino Fundamental I, com 88% afirmando prestar mais atenção nas aulas. No Ensino Médio, 70% disseram perceber mudanças para melhor sem os celulares. Entre os alunos, entretanto, apenas 41% afirmaram sentir essa mudança, o que sugere que parte dos conflitos pode não estar sendo reportado pelos estudantes ou percebido por professores e gestores escolares.
Os dados do levantamento mostram que 44% dos alunos disseram sentir mais tédio durante os intervalos e os recreios. Esses números são mais elevados entre estudantes do Ensino Fundamental I (47%) e do período matutino (46%). Além disso, 49% dos professores relataram aumento de ansiedade entre os alunos com a ausência do uso do celular.
Em relação ao comportamento dos estudantes brasileiros, o Nordeste aparece como destaque positivo, representando 87% de avanços. O Centro-Oeste e o Sudeste são as regiões com o menor índice de melhora no ambiente escolar, com 82% indicando que a eficácia das medidas tende a variar segundo fatores regionais.
“Proteger nossos estudantes do uso do celular em sala de aula é garantir um ambiente mais saudável e focado no aprendizado. O resultado que vemos hoje é a confirmação de que a educação precisa ser prioridade, com políticas que cuidem do presente e preparem o futuro dos nossos jovens”, disse o presidente da Frente Parlamentar Mista da Educação da Câmara Federal, deputado Rafael Brito (MDB-AL).
A presidente do Equidade.info, Claudia Costin, ex-ministra no governo de Fernando Henrique Cardoso, ressaltou que a pesquisa mostra avanços positivos no foco e na atenção dos alunos, mas as questões como tédio, ansiedade e bullying, muito presentes entre os estudantes, indicam que ainda há desafios a serem enfrentados. “Mas a redução é notável”, afirmou.
“Houve uma queda significativa no bullying virtual na visão dos gestores, mas é crucial ouvirmos os estudantes que ainda sentem o problema. Ou seja, a conclusão é que a restrição foi positiva, mas sozinha não basta: as escolas precisam criar alternativas de interação e estratégias específicas para cada idade”, avalia.

fica disponível para isso – Foto: Divulgação / Escola de Ensino Médio Presidente Kennedy
Estratégias
Conforme o coordenador do Equidade.info e docente da Stanford Graduate School of Education, responsável pela pesquisa, Guilherme Lichand, os dados reforçam a necessidade de estratégias diferenciadas por faixa etária e rede de ensino, além do desenvolvimento de práticas pedagógicas que mantenham os estudantes engajados e promovam seu bem-estar mesmo sem o celular em sala de aula.
“Os resultados confirmam que a regulação do uso dos aparelhos trouxe ganhos importantes para o aprendizado. Mais do que limitar o uso do telefone celular, a lei abre espaço para repensarmos como a escola se conecta com os alunos. O próximo passo é garantir que a aplicação da lei seja efetiva em todas as etapas, respeitando as particularidades de cada contexto escolar. Assim, conseguiremos transformar a medida em uma política duradoura, que una foco acadêmico e bem-estar dos estudantes”, enfatiza Lichand.
O estudo ouviu 2.840 alunos, 348 professores e 201 gestores em escolas públicas municipais, estaduais e privadas de todas as regiões do país, entre maio e julho de 2025.
Estado
As diretrizes para as escolas gaúchas foram publicadas no Diário Oficial do Estado (DOE) de fevereiro e entraram em vigor imediatamente para 2.320 escolas estaduais. Conforme a portaria, o uso de celulares e de dispositivos eletrônicos foram vedados em todas as escolas estaduais durante aulas, intervalos, recreios e atividades escolares. As exceções envolvem momentos em que haja uma intencionalidade pedagógica, ou seja, em atividades planejadas e supervisionadas pelos professores, além de casos que demandam os aparelhos para fins de acessibilidade ou inclusão.
O uso dos equipamentos também está permitido para atender casos de saúde dos estudantes, desde que devidamente justificados e comunicados previamente à escola. Os professores também foram orientados a evitar o uso dos dispositivos em sala de aula, salvo para finalidades pedagógicas ou de gestão. As equipes diretivas das escolas definiram procedimentos de proteção e guarda dos aparelhos, estabelecendo sanções pedagógicas para os casos de descumprimentos das normas.
Muitas escolas gaúchas, segundo a Secretaria de Educação (Seduc) incluíram em seus Projetos Políticos-Pedagógicos ações que promovam a cidadania digital, abordando temas como segurança online, privacidade, combate à desinformação e equilíbrio no uso das telas. A Seduc oferece formação continuada e cursos específicos para os professores, de forma a capacitá-los para o uso pedagógico das tecnologias digitais. Os cursos serão ofertados semestralmente, com abertura e encerramento de turmas a cada trimestre. As escolas devem informar as famílias e responsáveis pelos estudantes, de modo a assegurar o alinhamento sobre essas diretrizes.
A assessoria de Comunicação da Secretaria informa que há nas escolas públicas estaduais diversos cases de sucesso na aplicação das regras e que a Seduc pretende organizar uma pesquisa para dezembro sobre o primeiro ano da aplicação da portaria.
Um exemplo interessante aqui no RS também é contado por Rita Contreira, professora e vice-diretora da Secretaria de Educação e Cultura na Escola Municipal de Ensino Fundamental Profª Wanda Rocha Martins, no Balneário Cassino em Rio Grande. Para ela, os avanços percebidos nesses primeiros meses de aplicação da lei federal e portaria estadual têm incentivado os alunos a interagirem mais entre si e a procurarem alternativas de entretenimento, como a leitura e atividades recreativas. “A restrição aumentou também a procura por livros e melhorou o diálogo entre alunos, professores e funcionários”, afirmou. Além disso, destacou um impacto significativo na forma como os jovens se relacionam com o ambiente ao redor: “Eles passaram a se enxergar, a se observar”.
A adesão à nova norma ocorreu sem grandes dificuldades, segundo Rita Contreira, que atribui esse sucesso ao apoio das famílias. “Desde a primeira reunião, explicamos às famílias sobre a proibição do uso dos celulares e contamos com esse apoio para que os estudantes não os trouxessem para a sala de aula. Eles entenderam que é uma lei, e a lei tem que ser obedecida”, enfatizou.
Outro ponto de destaque foi a transformação dos momentos de recreio. Sem os celulares, os estudantes passaram a se envolver mais em atividades físicas e interativas. “O recreio se tornou mais dinâmico, com jogos como vôlei e basquete. A biblioteca está sendo muito mais utilizada, e a equipe pedagógica tem acompanhado os alunos no pátio, o que fortaleceu nossa relação com eles”, relatou Rita.
O desafio agora é encontrar um equilíbrio entre a tecnologia e um ambiente educacional saudável, relata a Secretaria Municipal de Educação de Rio Grande. Algumas escolas já estudam maneiras de integrar o uso de dispositivos de forma controlada, permitindo que sejam utilizados em momentos específicos para fins pedagógicos. “O ideal não é eliminar completamente o celular da rotina escolar, mas ensinar seu uso responsável. Se soubermos aliar tecnologia e ensino, podemos potencializar ainda mais os benefícios para os alunos”, afirma a psicopedagoga Mariana Ferraz, de Rio Grande.
Porto Alegre
Nas escolas municipais da Capital, segundo a Secretaria Municipal de Educação (Smed), já havia legislação anterior à lei federal tratando da proibição do uso de celulares em escolas. Trata-se da lei Lei Nº 11.067, de 10 de maio de 2011, sancionada pelo prefeito José Fortunati. Desde então, escolas municipais já realizam essa fiscalização. Com a sanção da lei federal em 2025 essa fiscalização foi reforçada. A Prefeitura, através da Smed, diz que durante o ano trabalhou intensamente para operacionalizar melhorias no atendimento à lei.
O Sindicato de Estabelecimentos de Ensino Privado (Sinepe/RS), por exemplo, criou um guia completo com orientações essenciais aos colégios. Neste guia, constam um resumo da legislação e informações sobre as responsabilidades das escolas e as possíveis consequências legais e reputacionais caso haja descumprimentos. Também traz orientações para implementação, com aspectos jurídicos e administrativos, e a abordagem pedagógica mais adequada.
O assessor de imprensa do Sindicato dos Professores (Sinpro/RS), Gilson Camargo, editor do jornal Extra Classe, diz que a publicação vem realizando um acompanhamento direto das questões do uso de tecnologia pelos alunos na Sala de Aula.
Orientado pelos princípios éticos e técnicos do jornalismo,o veículo tem como objetivo contribuir para o debate sobre questões importantes da atualidade como meio ambiente, direitos humanos, cultura, educação, política, economia e, em especial, movimentos sociais e de trabalhadores. Durante o ano, o jornal produziu uma série sobre o tema, abordando vários aspectos como: “O que a tele não ensina (Desligando o celular)”, “O trabalho pode ser em dupla: eu e meu celular” e “Violência na palma da mão”.
De março de 1996 a dezembro de 2022, a edição impressa teve periodicidade mensal. A partir de 2024, as edições impressas passaram a ser bimestrais, com tiragem de 23 mil exemplares. Em 2025, a tiragem foi ampliada para 24 mil exemplares por edição. A distribuição é centrada nos professores do ensino privado do Rio Grande do Sul, associados ao Sinpro/RS, que recebem as edições em casa.
O site extraclasse.org.br foi lançado em março de 2014, em comemoração aos 18 anos de publicação mensal ininterrupta do Extra Classe, e traz em destaque a íntegra da edição do respectivo mensal e conteúdo produzido especialmente para a web. Mantém ainda todo o arquivo das edições mensais.
Exemplo
A Escola de Ensino Médio Presidente Kennedy, localizada na Rua Décio Martins Costa, 312, em Cachoeirinha, com mais de mil alunos, é um dos melhores exemplos na adoção das medidas proibitivas do uso de tecnologias em salas de aula, segundo a Seduc. “Em nossa escola, antes mesmo da Legislação, não permitíamos o uso do celular. O aparelho só poderia ser usado com finalidade pedagógica e com orientação dos professores. Agora não é usado nem para essa finalidade, pois a escola tem chromeboock (tipo de computador -notebook, tablet ou laptop – projetado para ser rápido, simples e seguro, com foco em armazenamento na nuvem e aplicativos web) para esse fim”, diz a diretora Marta Veiga de Oliveira.
Para ela, os estudantes, ao entrarem na sala de aula, colocam os aparelhos numa caixinha que fica disponível para isso. “Na nossa escola, são os estudantes que trocam de salas, pois temos salas ambiente. Na troca de local também não pode fazer uso do equipamento, colocado na mochila”, conta.
Para o recreio a escola providenciou vários jogos e espaços onde possam conversar e interagir entre eles. “Percebe-se um resultado positivo, pois estão conversando mais entre eles e até criando projetos para desenvolver com os colegas, como oficinas de escrita criativa, capoeira, teatro e dança. Descobrimos vários talentos e eles se sentem realizados por poder dividir com os demais, destaca.