Regulamentação do novo Fundeb
OS DESAFIOS NA REGULAMENTAÇÃO DO NOVO FUNDEB
O fundo foi constitucionalizado, mas ainda precisa ser regulamentado. Tramitação define pontos como fatores de ponderação e vinculação de recursos
Após anos de luta e mobilização de organizações, profissionais do campo e membros da sociedade civil, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) finalmente tornou-se permanente. Desde o dia 26 de agosto, o novo texto consta na Constituição Federal. E com garantias importantes, como o aumento da complementação da União de 10% para 23% e a inclusão de mecanismos como o Custo Aluno-Qualidade (CAQ) e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb), conquistas de movimentos sociais e da sociedade civil organizada.
No entanto, a promulgação da Emenda Constitucional 108/2020 (EC 108) não significa que as discussões acabaram. A etapa de regulamentação, que deve se estender por ao menos dois anos, detalha vários pontos previstos no texto. Além disso, há mecanismos – como o Sinaeb e o Sistema Nacional de Educação (SNE) – que estão no texto da EC 108 mas precisam de leis complementares.
A deputada Professora Dorinha (DEM-TO) já protocolou o projeto de lei (PL) de regulamentação do Fundo. Isso porque algumas questões precisam de discussão imediata para que o Fundeb seja colocado em funcionamento em 2021. Entre os pontos mais urgentes estão a vinculação do CAQ ao Fundeb, a utilização dos recursos públicos para educação pública, o aprimoramento do controle social e os fatores de ponderação. A vinculação de parte dos recursos a indicadores de aprendizagem e de enfrentamento das desigualdades educacionais será discutida a médio prazo. O CAQ não aparece no PL.
Assim como na tramitação da PEC principal, não faltam pontos de disputa nesta etapa, tanto a curto quanto a médio prazo – já que as leis complementares devem ser discutidas posteriormente. A Campanha Nacional pelo Direito à Educação elencou ao menos 7 pontos de atenção:
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CAQ: é preciso delimitar quais os critérios considerados no cálculo do CAQ. Ou seja, quais os fatores imprescindíveis que irão garantir as condições adequadas para a efetivação dos processos de ensino e aprendizagem com qualidade. Embora não conste no primeiro projeto e precise de lei complementar, a Campanha defende que o CAQ seja ao menos mencionado como parâmetro de qualidade e financiamento, já que é previsto pela EC 108;
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Fatores de ponderação: Quanto será o investimento por aluno em diferentes etapas e modalidades de ensino (Educação infantil, Ensino Médio urbano, Ensino Médio rural, Educação Escolar Indígena, Educação Quilombola, etc);
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Financiamento de escolas privadas: Há instituições privadas que recebem recursos do Fundeb, como entidades filantrópicas ou associações que atendem a Educação Especial. A Campanha defende que os recursos do Fundeb sejam destinados exclusivamente a escolas públicas;
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Controle social, exigindo maior participação da sociedade nos órgãos de controle correspondentes como, por exemplo, nos Conselhos Municipais de Educação;
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Distribuição dos recursos e vinculação por resultados: A EC determina que parte dos recursos (2,5% da complementação da União) esteja vinculada a indicadores de aprendizagem que garantam equidade, e é na regulação que se delimita o que se considera nesta avaliação. O texto utiliza o Sinaeb como base, mas este ainda precisa ser regulamentado;
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Valorização das e dos profissionais da educação: será discutida a atualização da regulamentação do Piso Nacional do Magistério a partir de mudanças de critérios no novo Fundeb;
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Adicionalmente, o Sistema Nacional de Educação também precisa ser regulamentado e implementado em tramitação a parte. Ele organiza o regime de colaboração entre os diferentes níveis de governo.
CAQ e fator de ponderação
Embora previsto no Plano Nacional de Educação (PNE), o Custo Aluno-Qualidade (CaQ) não foi consenso na tramitação do Fundeb. Ele traduz quanto custa garantir educação pública de qualidade por etapa, modalidade e localidade.
“Não é possível ter uma escola que não possa ser identificada como tal. É preciso garantir itens como biblioteca, laboratório, água potável, energia elétrica, quadra de esporte, acessibilidade, a valorização dos professores e demais profissionais da educação (o que inclui formação, remuneração e condições de trabalho). Em suma, condições para que a escola cumpra sua função”, diz Catarina de Almeida Santos, dirigente da Campanha. Ela lembra também da alimentação escolar, material didático e número de alunos adequado por turma. Na avaliação de Catarina, o CAQ foi disputado exatamente porque estabelece o que precisa ser investido – ao invés de ater-se ao que está disponível.
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Agora, na fase de regulamentação, é necessário atrelar o CAQ ao Fundeb e delimitar quais elementos serão incluídos no cálculo considerando que a complementação da União ao Fundo é, no mínimo, 23% e deve ser adicionada pela complementação necessária para que em cada município e em cada estado o CAQi e depois o CAQ sejam realizados para garantir condição de efetivação do direito à educação.
Para Andressa Pellanda, Coordenadora-Geral da Campanha, a exclusão do CAQ nesse PL indica uma resistência ao mecanismo. No entanto, como agora ele está previsto na Constituição, deve ser utilizado como parâmetro para o Fundeb e efetivamente posto em prática. “Quais parâmetros são os pontos em disputa”, resume ela.
A regulamentação também vai delimitar os fatores de ponderação, já que diferentes etapas e modalidades de ensino têm demandas – e portanto, custos – distintos. Na Educação Infantil, por exemplo, as áreas de recreação são diferenciadas, há brinquedoteca e o número de estudantes por turma deve ser menor. Na mesma linha, as escolas do campo, indígenas e quilombolas, têm menos alunos por turma e podem demandar materiais didáticos bilíngues. Ou seja, também precisam de mais recursos. Essas especificidades devem ser contempladas na regulamentação.
Educação escolar indígena e quilombola
Em 2019, um estudo do Capítulo Brasil da Rede Internacional Gulmakai analisou o impacto do novo Fundeb para a educação escolar indígena, quilombola e em territórios de vulnerabilidade social. O documento, apresentado no Congresso, defende um Fundeb com maior participação financeira da União e traz recomendações para que o financiamento aja no sentido de reparar desigualdades estruturais históricas, como as étnico-raciais. Entre as recomendações, a de que os fatores de ponderação destas modalidades sejam de 50%. Ou seja, que o valor por matrícula seja 50% maior do que valor aluno-ano de referência, até ficar compatível com os que é estabelecido pelo CAQ.
Givânia Silva, liderança quilombola que participou da audiência no Congresso, defende a ideia e justifica: “Não se pode pensar que um CAQ para o aluno da cidade é igual ao de um quilombo em que se chega depois de 8 ou 10 horas de barco”.
Na mesma linha, regiões com grande concentração de populações negras ou indígenas devem ser entendidas como historicamente em desvantagem em termos de acesso à educação. “A regulamentação deve observar desigualdades étnico-raciais. O [fator] 50% parte de uma realidade onde as dificuldades já estão postas”, diz Givânia, fundadora da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas. Recomendou-se também fortalecer a transparência e o controle social da aplicação destes recursos.
Garantida a maior participação financeira da União, a etapa de regulamentação é o espaço para pautar essas demandas. Gersen Baniwa, professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), enfatiza que aplicar mais recursos e melhorar a infraestrutura é urgente. Muitas escolas indígenas, por exemplo, estão em situação de extrema precariedade, não tendo base própria, com aulas em espaços comunitários ou abertos. Há ainda a urgência de produzir materiais didáticos adequados e que contemplem as realidades indígenas, além de aumentar a oferta do Ensino Médio, hoje um grande gargalo da modalidade.
No entanto, o mero repasse de recursos da União, ainda que com o fator de ponderação ajustado, não garante que eles de fato vão chegar nestas comunidades. Por isso, fortalecer o controle social e a participação nos conselhos e comitês locais é urgente. Nesse sentido, Gersen lembra a importância de estabelecer um Sistema Nacional de Educação (SNE) que coordene essas ações. “Na área da saúde, temos um bom exemplo, pois a existência de um programa nacional e que assegura conselhos distritais de saúde indígena traz maior controle”, diz.
Médio Prazo
Para a plena efetivação do novo Fundeb, é preciso que o Sistema Nacional de Educação (SNE) também seja posto em prática. Isso porque o Fundeb é, em termos de financiamento, um “sistema de colaboração”, como definiu Andressa Pellanda, Coordenadora-Geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. E coordenação entre diferentes níveis de governo é a tarefa central do que deve ser o SNE. O sistema, previsto no Plano Nacional de Educação, ainda não foi regulamentado. “O CAQ se insere dentro do SNE dado seu caráter de redutor de desigualdades interfederativas. É preciso colaboração para isso acontecer”, explica Andressa.
O SNE, portanto, é essencial para destinar os recursos adequadamente e com eficiência. Luis Miguel Martins Garcia, presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), lembra que esse mecanismo, aliado à constitucionalização do Fundeb (que assegura a permanência do repasse), auxilia imensamente na implementação de planos regionais ou municipais de Educação e permite pensar a longo prazo. Especialmente para aumentar a oferta de Educação Infantil, um grande desafio do Brasil e que fica a cargo dos municípios.
A preocupação do presidente da Undime é construir uma regulamentação – incluindo o SNE – efetiva, mas sem demora. “Inclusive porque a pandemia deixou muito explícita a falta que um sistema coordenado faz. Não podemos abrir mão de colaboração efetiva e horizontal, um sistema que ouça os municípios e delimite papéis claros para cada nível. Se tivéssemos tido isso, teríamos oferecido alternativas mais eficazes e em menos tempo”, justificou o dirigente.
Sinaeb e a vinculação por resultados
O novo Fundeb estabelece também que 2,5% da complementação da União deve ser distribuída de acordo com o resultado escolar assegurando equidade, mas os indicadores deste resultado ainda não estão definidos. A distribuição deverá ser feita conforme indicadores de aprendizagem e de enfrentamento das desigualdades articulados à regulamentação do Sinaeb até 2023.
Esse Sistema amplia o conceito de qualidade na educação para além das avaliações externas de larga escala (como o Ideb), que tendem a marginalizar ainda mais algumas redes, como as indígenas e quilombolas. “Os sistemas de avaliação são pensados baseando-se em uma falsa igualdade de acesso à educação. Chega a ser contraditório, pois reforçamos que nossos conhecimentos [quilombolas e indígenas] devem estar presentes na educação, mas avaliações como o Ideb nos ignoram completamente”, diz Givânia Silva.
Assim como o CAQ, o Sinaeb está previsto no PNE, mas não foi implementado. Em 2016, a Portaria que o estabelecia foi revogada sem consulta prévia. Ela previa processos avaliativos mais amplos, participativos e diversificados. Eram 5 as diretrizes que baseavam a avaliação: universalização do atendimento escolar; melhoria da qualidade do aprendizado; valorização dos profissionais de educação; gestão democrática e superação das desigualdades educacionais. O modelo considerava também a comunidade escolar nos processos de avaliação e autoavaliação participativa da escola.
No texto constitucionalizado a distribuição dos 2,5% e a ponderação sobre o cumprimento dos indicadores não estão definidos. Por isso, a EC 108 adia por dois anos a implementação deste mecanismo adicional de complementação, que só passa a valer em 2023 quando uma nova lei de regulamentação terá que ser editada. Andressa Pellanda, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, lembra que a preocupação não deve ser apenas com o resultado obtido em avaliações de larga escala, mas sim em garantir equidade e a melhoria de condições de ensino e aprendizagem.
Alexandre André dos Santos, pesquisador do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) classifica o Sinaeb como um avanço justamente por ampliar as dimensões consideradas. Para ele, a autoavaliação participativa da escola deve ser mantida. A Portaria que tratava do Sinaeb e que foi revogada em 2016, citava os Indicadores da Qualidade na Educação como um exemplo de instrumento metodológico para este processo. Desenvolvidos por iniciativa da Ação Educativa, a construção da proposta dos Indicadores contou com a colaboração de diversos órgãos e profissionais da educação.
Na regulamentação do Sinaeb, Alexandre preocupa-se com a governança do sistema. Para ele, criar espaços de controle social é crucial para dar mais legitimidade às decisões – inclusive, o pesquisador defende que a lei complementar não precisa delimitar todos os aspectos técnicos do processo, mas sim estabelecer marcos gerais e gestão democrática.
Nesse sentido, debates não faltarão durante, ao menos, os próximos dois anos. Não apenas a regulamentação da EC 108, como leis complementares que a tangenciam e posteriores leis estaduais e municipais vão exigir discussões e muita mobilização para garantir que o debate de anos que culminou na EC 108 não tenha sido em vão.
Reportagem: Nana Soares | Edição: Claudia Bandeira
2 - FATORES DE PONDERAÇÃO
PL 4372/2020 (Deputada Prfa Dorinha): Propõe manter os fatores de ponderação atualmente em vigor até atualização da lei em em 2022.
PL 4519/2020 (Senador Randolfe Rodrigues): Corrige os fatores de ponderação já em 2021, a fim de ajustar a distância entre o custo real e o repassado pelo Fundeb em algumas modalidades e etapas. Uma vez que o CAQ for definido na regulamentação do Sistema Nacional de Educação, os fatores de ponderação serão ajustados novamente.
O fator sugerido para educação escolar indígena, quilombola e educação no campo é o que recomendava a nota técnica “O Novo Fundeb e a Educação Escolar Indígena, Quilombola e em Territórios de Vulnerabilidade Social”, apresentado pelo Capítulo Brasil da Rede Internacional Gulmakai, apoiado pelo Fundo Malala.
“A ideia do fator de ponderação é equilibrar o custo efetivo por aluno ao que é repassado via Fundeb. O problema é que, hoje, os fatores não correspondem ao custo real das matrículas, sobretudo no caso da creche, educação indígena, do campo, quilombola e educação de jovens e adultos. Por isso, a necessidade de alteracão é urgente, inclusive como forma de impulsionar o aumento das matriculas nessas etapas e modalidades. Nossa interpretação é que essa desvalorização relativa tem funcionado como fator inibidor do reconhecimento e ampliação de matrícula nas etapas e modalidades em que os fatores de ponderação são mais distantes do custo real.” – Salomão Ximenes, Professor de Direito e Políticas Públicas da UFABC.
3 - RECURSOS PÚBLICOS EXCLUSIVAMENTE PARA ESCOLAS PÚBLICAS
PL 4372/2020 (Deputada Prfa Dorinha): Permanece a possibilidade de que instituições privadas sem fins lucrativos e conveniadas recebam recursos do Fundeb. Estas valem para educação infantil (creches para crianças de até três anos), educação do campo oferecida em instituições reconhecidas como centros familiares de formação por alternância e educação especial. Também podem receber por até seis anos as pré-escolas que atendam às crianças de 4 e 5 anos.
PL 4519/2020 (Senador Randolfe Rodrigues): Estabelece prazo de 6 anos para que os recursos do Fundeb não sejam mais repassados a instituições privadas sem fins lucrativos e conveniadas com o poder público. Esses repasses passam a ser, portanto, excepcionais e serão progressivamente direcionados a instituições públicas de ensino. Nesse intervalo, estão autorizadas a receber o repasse excepcional as instituições que oferecem educação infantil (creches para crianças de até três anos), atendimento educacional especializado na modalidade educação especial e educação do campo oferecida em instituições reconhecidas como centros familiares de formação por alternância. Exclui-se o custeio de matrículas privadas conveniadas de pré-escola. Entre as condições que tais instituições devem cumprir, adiciona-se atenção à função pública, atender a condicionalidades de gestão democrática e respeitar o princípio da laicidade da educação pública.
“Se estamos definindo uma política de caráter permanente de fortalecimento da educação pública, não faz sentido perpetuar as parcerias e convênios entre poder público e instituições sem fins lucrativos. Por isso, o cômputo de matrículas de instituições sem fins lucrativos deve ser tratado como algo excepcional, enquanto se implementa o CAQ e, com novos recursos, se expande a rede pública. No entanto, o PL 4372 estabelece um prazo apenas para a pré-escola.” – Nalú Farenzena, presidenta da Associação Nacional de Pesquisadores em Financiamento da Educação (Fineduca).
4 - AUMENTO DO CONTROLE SOCIAL
PL 4372/2020 (Deputada Prfa Dorinha): Estabelece que os conselhos instituídos para acompanhamento e o controle social sobre a distribuição, a transferência e a aplicação dos recursos dos Fundos serão criados por legislação específica. Em âmbito federal, devem ser compostos por no mínimo 13 membros, sendo 1 representante do Conselho Nacional de Educação; um do Conselho Nacional de Secretários de Estado da Educação, um da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, um da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação – UNDIME, dois de pais de alunos da educação básica pública; e dois representantes dos estudantes da educação básica pública, sendo um deles indicado pela União Brasileira de Estudantes Secundaristas.
No âmbito estadual, são 12 membros, sendo um representante do Conselho Estadual de Educação; um da seccional da UNDIME; um da seccional da CNTE; dois pais de alunos da educação básica pública; e dois representantes dos estudantes da educação básica pública, sendo um indicado pela entidade estadual de estudantes secundaristas. Já em âmbito municipal os conselhos terão 9 membros, sendo um representante dos professores da educação básica pública; um dos diretores das escolas básicas públicas; um dos servidores técnico-administrativos das escolas básicas públicas; dois representantes dos pais de alunos da educação básica pública e dois representantes dos estudantes da educação básica pública, um dos quais indicado pela entidade de estudantes secundaristas. Quando houver um representante do Conselho Municipal de Educação e do Conselho Tutelar, eles também podem compor os Conselhos municipais.
PL 4519/2020 (Senador Randolfe Rodrigues): Os Conselhos têm mais membros em sua composição mínima (16 em âmbito federal, 13 em âmbito estadual e 10 em âmbito municipal) com inclusão de representação de organizações civis – excluídas entidades religiosas e partidos políticos. Há a previsão do dever de garantir, em regime de colaboração, programas de apoio e formação aos conselheiros.
“O desenho adequado do controle não se resume a controle social, mas passa pela dimensão ampla do próprio CAQ e do dever de aderência ao planejamento educacional. Temo que isso não saia do papel.”- Elida Graziane, procuradora do Ministério Público de Contas de São Paulo
“Os projetos de lei reforçam a importância da transparência no uso dos recursos e do controle social. Detalham a composição e a atuação dos conselhos de acompanhamento. São aspectos bastante contemplados, mas ainda incompletos. No PL 4372, é preciso reforçar a representação da sociedade civil na composição dos conselhos. E ambos os projetos [4519 e 4372] poderiam reforçar as atribuições dos conselhos e a garantia de que tenham infraestrutura, acesso automático e direto a prestações de contas. Também é importante especificar quais são as atribuições desses conselhos em relação a outros programas.” – Nalú Farenzena, presidenta da Associação Nacional de Pesquisadores em Financiamento da Educação (Fineduca).
5 - REFERENCIAL PARA DISTRIBUIÇÃO
PL 4372/2020 (Deputada Prfa Dorinha): O repasse da complementação da União se divide em 10% via VAAF (atual modelo de repasse, destinado a estados e Distrito Federal), 10.5% via VAAT (destinado a rede municipal, estadual ou distrital) e 2.5% via VAAR, destinado a redes públicas que alcançarem evolução de indicadores de atendimento e melhoria da aprendizagem. Este último referencial deve valer a partir de 2023 – por isso, a Lei deve ser atualizada até 2022 com a definição desses indicadores de melhoria. O projeto menciona que a melhoria da aprendizagem deve ir na direção de reduzir desigualdades nos termos do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb).
PL 4519/2020 (Senador Randolfe Rodrigues): A divisão do repasse de complementação dos recursos por parte da União segue a mesma lógica do PL da Deputada Prfa Dorinha, só que VAAR foi redenominado “VAAE”, com o E significando “equidade”, ressaltando o objetivo equitativo do Fundo e explicitando que a qualidade na educação não se restringe a resultados obtidos em avaliações de larga escala, como o Ideb. Também incluiu e definiu a complementação adicional Custo Aluno Qualidade (CAQ) – com o repasse necessário para atingir o índice – , a ser regulamentada em lei complementar.
“Entendendo que a discussão sobre a distribuição de 2.5% da complementação da União ainda vai acontecer, defendemos que considere a relação raça/cor, um VAAR em que o “R” é de raça. A ideia de políticas afirmativas na distribuição de recursos não é nova, e a EC 108 respalda a discussão ao afirmar que é preciso assegurar equidade no ensino obrigatório. Equidade abrange várias diferenças, mas entendemos que a raça as contempla, visto que no Brasil as relações raciais são estruturantes. Basta lembrar que no estado de São Paulo a inclusão da população negra na educação pública marcou também a queda no custo investido por aluno.” – Eduardo Januario, doutor em História Econômica, especialista em finanças públicas e professor da Faculdade de Educação da USP.
6 - VALORIZAÇÃO DAS E DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO
PL 4372/2020 (Deputada Prfa Dorinha): Menciona a necessidade de implantar Plano de Carreira e remuneração digna dos profissionais da educação básica. Estabelece também que os Planos de Carreira deverão contemplar capacitação profissional especialmente voltada à formação continuada com vistas na melhoria da qualidade do ensino. Não menciona o piso salarial nacional do magistério.
PL 4519/2020 (Senador Randolfe Rodrigues): Adiciona outros elementos a serem implantados por meio dos Planos de Carreira e remuneração dos profissionais da educação básica, como: valorização real do piso salarial profissional nacional, com o vencimento inicial das carreira e licenças remuneradas; incentivos para qualificação profissional; consideração das especificidades socioculturais das escolas do campo e das comunidades indígenas e quilombolas no provimento de cargos efetivos para essas escolas. Detalha a vedação ao pagamento de aposentadorias e pensões com recursos vinculados ao ensino a fim de dar maior segurança jurídica aos gestores.
“O artigo 44 do PL 4372 é muito genérico e marcado pela ausência do piso salarial profissional nacional para profissionais da educação. Já há uma lei sobre isso, é preciso reforçá-la, mencionar o piso.” Nalú Farenzena, presidenta da Associação Nacional de Pesquisadores em Financiamento da Educação (Fineduca).
7 - SISTEMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO
A regulamentação do Sistema Nacional de Educação é necessária para operacionalizar todo o Fundeb, principalmente por conta do Custo Aluno-Qualidade (CAQ).
PL 4372/2020 (Deputada Prfa Dorinha): Não menciona a regulamentação do SNE.
PL 4519/2020 (Senador Randolfe Rodrigues): Aproveita a proposta de regulamentação estendida do Fundeb para vincular as regulamentações de Fundeb, SNE e CAQ. Em um primeiro momento, o Fundeb estabelece a complementação do CAQ. De acordo com o PL, caberia então à lei do SNE regulamentar o CAQ, para este ser então incorporado via complementação adicional e fatores de ponderação.
8 - ENFRENTAMENTO AO RACISMO
PL 4372/2020 (Deputada Prfa Dorinha): Não menciona o tema, apenas explicita que a União desenvolverá e apoiará políticas de estímulo às iniciativas de melhoria de qualidade do ensino, acesso e permanência na escola “em especial aquelas voltadas para a inclusão de crianças e adolescentes em situação de risco social”.
PL 4519/2020 (Senador Randolfe Rodrigues): Prevê a inclusão de mecanismos complementares de correção de desigualdades voltados a assegurar recursos adicionais para escolas situadas em territórios de alta vulnerabilidade social, e em territórios indígenas ou quilombolas, ou com significativa matrícula dessas populações.
Incorpora recomendações da Nota Técnica “A importância do Novo Fundeb para a garantia do Direito à Educação Escolar Indígena e Quilombola e em Territórios de Vulnerabilidade Social”. Estabelece o Adicional CAQ para os territórios de alta vulnerabilidade social com predomínio de população negra e indígena. Prevê aumento do fator de ponderação para as modalidades de educação escolar indígena e quilombola e que territórios etnoeducacionais indígenas e consórcios intermunicipais quilombolas poderão acessar recursos do Fundeb. Estabelece mecanismo para o controle social de execução de gastos, visibilizando se o dinheiro do Fundeb será usado para fortalecer a educação escolar indígena, quilombola e outras modalidades. Estabelece a implementação da LDB alterada pelas leis 10.639/2003 e 11.645/2008 como critério para aprovação de contas de municípios e estados referentes ao Fundeb.
“A ideia do adicional CAQ é investir mais recursos em territórios marcados por desigualdades raciais. É uma medida de ação afirmativa na política educacional com foco no enfrentamento ao racismo. As propostas da Nota Técnica visam fortalecer o Fundeb como política de ação afirmativa, garantindo mais recursos pras escolas e territórios com predomínio de população negra.” – Denise Carreira, coordenadora da Ação Educativa.
9 - LAICIDADE
Reportagem: Nana Soares || Edição: Claudia Bandeira
https://www.deolhonosplanos.org.br/propostas-regulamentacao-fundeb/