Relatos, drama do endividamento
Professores e servidores de escolas relatam drama do endividamento e do baixo salário
Diretora do Cpers selecionou casos representativos da situação dos magistério
Rosane de Oliveira

Christofer Dalla Lana / Divulgação
São raros os professores estaduais e servidores de escola que nunca precisaram tomar um empréstimo consignado para fazer frente a despesas extras ou mesmo para quitar cartão de crédito ou dívidas de luz, condomínio ou crediário em lojas. Dirigente do 39º Núcleo do Cpers, a professora aposentada Neiva Lazarotto selecionou um grupo de colegas dispostos a contar suas histórias de penúria.
Em mais de uma hora de conversa com a coluna, três professores em atividade, uma servidora e uma professora aposentada relataram o malabarismo que fazem para complementar a renda diante do encolhimento do salário líquido pelo pagamento de empréstimos consignados.
— Não é por acaso que tantos professores adoecem. A Síndrome de Burnout atinge a maioria dos professores. Temos colegas que estão vendendo eletrodomésticos para sobreviver ou fazendo pão para vender — detalha Neiva.
Confira a síntese das cinco histórias:
Jornada de 60 horas, 25 turmas e bico como cuidadora de cães

Christofer Dalla Lana / Divulgação
Contratada em caráter emergencial pelo governo do Estado em 2017, a professora Silvana de Souza e Sá foi aos poucos aumentando a carga horária semanal, para elevar a renda. Passou de 20 para 40 horas e, depois, para 60. Trabalha em duas escolas do bairro Restinga, lecionando Química, Física e Biologia em 25 turmas de cerca de 40 alunos cada uma.
Seu drama de endividamento no Banrisul começou no governo de José Ivo Sartori, quando os servidores recebiam os salários com atraso e as contas tinham de ser pagas em dia. Veio o governo de Eduardo Leite, que colocou os salários em dia, mas cortou o adicional de difícil acesso e o salário líquido de Silvana encolheu. Para piorar a situação, ela se divorciou, a situação financeira se agravou e ela precisou se endividar. Chegou a ficar com R$ 3 mil negativos no cheque especial.
O Banrisul a chamou para fazer uma recomposição da dívida, somando todos os débitos e refinanciando com juro de 1,78% ao mês, em prazo mais longo. Mesmo assim, o que resta não cobre suas despesas e Silvana aumenta a renda fazendo bico aos fins de semana como cuidadora de cães.
Silvana conta que depois de anos estimulando os alunos a participarem de feiras de ciência, perdeu o ânimo para fazer projetos científicos:
_ Não tem material, não tem laboratório, não tem estrutura _ suspira e conta que toma remédio para a depressão.
Três escolas, dois filhos e IPE Saúde que não cobre terapias

Com formação em Letras, Gustavo Oscar Vieira Monteiro tem contrato emergencial de 40 horas com o Estado desde 2018. Trabalha em três escolas, uma distante da outra (Cascata, Lomba do Pinheiro e Caminho do Meio), atende a 19 turmas, dando aulas de Língua Portuguesa, Literatura, Redação, Artes, Religião e Projeto de Vida, mais a trilha de linguagens e suas tecnologias.
Seu calvário com o crédito consignado começou quando descobriu que o filho de nove anos era autista grau 1 e a filha de 14 anos foi diagnosticada com esclerose múltipla. A esposa precisou parar de trabalhar para cuidar dos filhos e ele gastou as economias com terapias que o IPE Saúde não cobre.
De empréstimo em empréstimo, viu sua dívida chegar a R$ 69 mil. O banco propôs uma recomposição que elevaria o débito para R$ 215 mil, a serem pagos em 120 parcelas. Gustavo não assinou. A maior parte do que ganha fica no Banrisul. Este mês, recebeu somente R$ 2 mil. Para complementar a renda, trabalha como Uber aos fins de semana.
Atingida pela enchente, 24 turmas e inscrição para mais 20 horas

Christofer Dalla Lana / Divulgação
A professora Carolina Tavares dá graças a Deus por não ter tido filhos. Se os tivesse, acredita que não conseguiria sustentá-los com o que ganha com o contrato temporário de 40 horas para lecionar na Escola Estadual Padre Reus, no Bairro Tristeza. Para não gastar com transporte, pedala 10 quilômetros para ir de casa até a escola.
Na enchente de 2024 ela teve a casa alagada na Cidade Baixa. Por seis dias, ficou abrigada na casa da diretora. Depois, foi morar na escola para não precisar ficar em um abrigo com seus gatos.
Sem poder contar com a ajuda da família, Carolina está inscrita para mais um contrato de 20 horas, o que significará uma carga semanal de 60 horas. Formada em Geografia, leciona essa disciplina e mais as trilhas de aprofundamento em relações humanas e de relações de gênero.
— Amo o que eu faço. Amo a escola e os alunos, mas com o que ganho não consigo pagar o aluguel e recuperar o que perdi — desabafa.
A esperança da professora é receber a casa própria no bairro Chapéu do Sol, que deve ficar pronta no final de 2027.
Insalubridade paga e estornada sem justificativa convincente

Christofer Dalla Lana / Divulgação
Servidora de escola desde 2008, Marta Iza da Cunha Ramos começou no Colégio Tiradentes e hoje é uma das três responsáveis pela limpeza do Colégio Inácio Montanha, escola de 1,5 mil alunos em Porto Alegre. Em junho do ano passado, depois de uma longa luta pelo pagamento do adicional de insalubridade devido a quem trabalha na limpeza, Marta teve uma alegria que durou pouco.
Recebeu a informação de que o Estado pagaria R$ 10.864,93 do adicional, mas quando foi conferir o extrato o líquido era de R$ 1.176. O que ocorreu com a maior parte do valor? A própria Marta explica, desolada:
— Como nós ganhamos menos do que o mínimo regional, o governo paga um completivo. Descontaram a a parcela desse completivo e não sobrou nada.
Hoje, a servidora recebe R$ 2 mil de subsídio e mais R$ 1.335,60 de adicional de periculosidade, mas precisa fazer bolos para complementar a renda. Aos fins de semana, atua como fiscal de concursos para garantir um dinheirinho a mais.
Onze anos depois, salário nominal ficou menor

Christofer Dalla Lana / Divulgação
Depois de 33 anos trabalhando em sala de aula, a professora Leonor Eugênia Soares Ferreira se aposentou em 2018 com a certeza de que teria uma velhice digna. Poderia ter ido para a inatividade antes, mas quis garantir os adicionais a que tinha direito como alfabetizadora, com 20 horas como professora nomeada e mais 20 como convocada por necessidade de serviço.
_ Fiquei até o último minuto, com unidocência, triênios, difícil acesso. Um ano depois veio a mudança no plano de carreira e levei uma pancada. O resultado é que não tenho um centavo de aumento há 11 anos e hoje recebo um líquido menor do que em 2014.
Todos os reajustes recebidos pelos professores em atividade são descontados da parcela ironicamente chamada de “irredutibilidade”. Significa que o subsídio de Leonor aumenta, mas o que ela tem a receber fica congelado. Nem se pose dizer que tenha sido congelado, porque nesse período os aposentados passaram a contribuir para a previdência e aumentou o valor que ela paga ao IPE Saúde.
_ Meu líquido era de R$ 3.400. Hoje é de 3.040. Com tudo o que a inflação subiu nesses 11 anos, às vezes não tenho para comprar remédio. Este mês não vou conseguir _ lamenta Leonor, que é divorciada e tem um filho de 22 anos.
A situação só não é pior porque ela mora na casa que herdou dos pais, no Bairro Glória. Mesmo assim, faz crochê para complementar a renda _ o casaco que está usando na foto é criação dela.
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