Retrocesso aos direitos adquiridos
Carta à Sociedade Brasileira | Decreto Nº 10.502/2020 que institui a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida
Consideramos que tal decreto representa um retrocesso aos direitos adquiridos como disposto na Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência da ONU e na Constituição Federal de 1988
2 de Outubro de 2020
Carta à Sociedade Brasileira
Decreto Nº 10.502/2020 que Institui a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida
Brasil, 2 de outubro de 2020.
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação – maior, mais ampla e mais plural rede em defesa do direito à educação no Brasil – vem alertar a sociedade brasileira acerca do Decreto Nº 10.502 de 30 de setembro de 2020 que Institui a “Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida”.
Consideramos que tal decreto representa um retrocesso aos direitos adquiridos como disposto na Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência da ONU e na Constituição Federal de 1988.
Em relação às pessoas com deficiência, o consenso atual está escrito na Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, apresentada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em dezembro de 2006, e já assinada por mais de 158 países. No Brasil, como em outros 147 países, esse documento foi ratificado. Aqui, ele tem status de emenda constitucional, conforme o procedimento do § 3o do art. 5º da nossa Constituição Federal de 1988.
Isso significa que todas as outras leis nacionais devem seguir o que está na Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e seu Protocolo Facultativo. Essa Convenção traz a ideia de que a a não participação de uma pessoa com deficiência é determinada pelo ambiente. Desse modo, define que “[...] pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas” (ONU, Art. 1, 2006).
Nesse momento é importante qualificar o que vem a ser um sistema educacional inclusivo como aquele que não deixa ninguém de fora. Para referendar o que está estabelecido na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em 2016, o Comitê da Organização das Nações Unidas responsável pelo monitoramento de sua implementação expediu o Comentário Geral nº 4 sobre o artigo 24. No final das discussões, a demanda sobre a continuidade dessas escolas segregadas foi rejeitada tanto em termos de princípio como em termos pragmáticos Na prática, portanto, o investimento em escolas especiais milita contra o princípio da inclusão.
O Brasil, mais uma vez, desonra, descumpre e ignora seus compromissos internacionais, visto que o país é signatário de documentos que pugnam pela inclusão, incondicionalmente.
Faz o mesmo com seus compromissos constitucionais.
A Constituição Federal de 1988, define educação em seu artigo 205: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
No inciso I do art. 206 apresenta como um dos princípios do ensino a “igualdade de condições e permanência na escola”.
Por fim, em seu art. 208, afirma ser dever do Estado o “atendimento educacional aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”.
O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4, que integra a Agenda 2030, da ONU, prevê que seja assegurada a educação inclusiva e equitativa e de qualidade e sejam promovidas oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todas e todos. Assim, garante a inclusão das pessoas com deficiência em todas as metas do ODS 4. Os adjetivos “equitativo” e “inclusivo” são utilizados de maneira diferente do proposto pela ONU. A equidade é o movimento de diferenciar estratégias para gerar inclusão e participação nos espaços comuns de convívio, o oposto da proposta que se apresenta no interior do Decreto.
Diferenciar para excluir é discriminação.
Diante do exposto, defendemos:
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que o Estado brasileiro qualifique a oferta para que ninguém seja excluído, de acordo com as convenções e tratados internacionais dos quais é signatário e também em consonância com os preceitos constitucionais;
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a aprovação, na Lei de regulamentação do Fundo Nacional de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), prazo para que as instituições filantrópicas encerrem suas atividades substitutivas à escolarização e passem a atuar como apoio às escolas comuns, dentro da perspectiva inclusiva; e
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a revogação por inconstitucionalidade do Decreto por ofertar escolas segregadas, exclusivas.
Assino,
Andressa Pellanda,
coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação,
Em nome da Rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação