Riscos no projeto de municipalização e PPP
Escolas estaduais denunciam riscos de projeto de municipalização e implantação de PPP no Rio Grande do Sul
Direções afirmam que decisão foi tomada sem diálogo com a comunidade escolar e representa retrocesso
Evento organizado pelo 39º núcleo do Cpers, que representa as escolas da Zona Sul de
Porto Alegre, contou com representantes de 22 escolas - Foto: Christopher Dalla Lana
O auditório do Colégio Estadual Júlio de Castilhos ficou lotado na tarde desta quinta-feira (14) com a reunião de equipes diretivas, professores e comunidade escolar, dispostos a avaliar riscos e propor alternativas ao projeto de municipalização das escolas no Rio Grande do Sul. Com a participação de representantes de 22 escolas da Capital, o encontro sintetizou as principais críticas à proposta do governador Eduardo Leite (PSDB), considerada um perigo diante da possibilidade de cedência da administração de prédios públicos para a iniciativa privada por um período de até 30 anos.
O evento organizado pelo 39º núcleo do Cpers Sindicato, que representa as escolas da Zona Sul de Porto Alegre, também contou com a presença das deputadas Luciana Genro (PSOL) e a presidente da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa do RS, Sofia Cavedon (PT). A falta de diálogo na elaboração do projeto de municipalização pela Secretaria Estadual de Educação (Seduc) pautou o encontro.
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Das oito escolas estaduais de ensino fundamental da Capital que fazem parte do plano inicial de municipalização, seis delas são da área de abrangência do 39º núcleo. O projeto prevê a cedência dos anos iniciais do Ensino Fundamental para os municípios até o final de 2026, quando encerra a gestão de Eduardo Leite no governo. A medida também estipula que sejam instaladas Parcerias Público Privadas (PPPs) em 100 escolas estaduais, 33 delas em Porto Alegre.
São sete cidades na região Metropolitana que poderiam ser afetadas: Porto Alegre, Novo Hamburgo, Taquara, Montenegro, São Leopoldo, Sapucaia do Sul e Gravataí. Em Porto Alegre, são mais de 6 mil vagas do Ensino Fundamental que seriam assumidas pela prefeitura.
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Segundo a avaliação de docentes, a união de forças entre a comunidade escolar e os agentes políticos e sociais é um elemento fundamental para mobilizar a sociedade em torno da necessidade de aprofundamento das discussões sobre a medida. Incluindo aqueles que lidam diariamente com as necessidades dos alunos e das suas famílias nas comunidades afetadas.
Para a diretora-geral da 39º núcleo, Neiva Lazzarotto, a decisão do governo do estado é unilateral e mais um reflexo da postura autoritária adotada pelo governador. Na sua avaliação, Leite não considera a opinião dos professores e das direções de escolas e pretende impor um projeto neoliberal que não atende às necessidades das regiões nas quais estão instaladas.
“Certamente existe dinheiro. O governo do estado abriu mão de mais R$ 70 bilhões de ICMS do agronegócio e as mineradoras. Além disso, também deixou de cobrar R$ 84 bilhões através da concessão de incentivos fiscais a grandes empresas entre 2015 e 2022. Ele jogou pela janela esse dinheiro. Nesse contexto, os funcionários de escola e demais servidores estão com salários congelados há nove anos”, destaca Neiva.
"Retira a autonomia dos professores"
A presidente da Comissão de Educação, Cultura, Desporto e Turismo da Assembleia Legislativa, Sofia Cavedon, alertou os docentes sobre os riscos de precarização do modelo de ensino a partir do processo de municipalização. Para ela, a postura do governador não é legítima porque desconsidera as contribuições que devem ser feitas para a construção coletiva de alternativas para o setor.
“A gente sabe que esse não é um projeto para melhorar a educação. Ao contrário, destrói esse segmento e retira a autonomia dos professores. Nós queremos que o Conselho Estadual de Educação faça valer a lei. Nós não podemos abrir mão da rede, e temos muitas propostas para defender a rede estadual”, destaca
A deputada Luciana Genro se colocou à disposição para contribuir com as mobilizações contrárias à medida. Ela afirmou que a luta dos direitos dos trabalhadores da educação nos últimos anos tem sido alvo de ataques que fazem parte do mesmo projeto neoliberal contido na ideia da municipalização, buscando enfraquecer as organizações de professores no estado.
“É um projeto de desestruturar a categoria dos educadores aqui no Rio Grande porque tem a ver especialmente com a força das lutas e greves do Cpers, que estão em contato diário com as comunidades. Municipalizar é ‘quebrar a perna’ dessa categoria que, sendo numerosa e unida, tem muito mais força”, avalia.
“Desapegarem de escolas”
Uma das manifestações mais contundentes foi feita pela diretora da Escola Estadual de Ensino Fundamental Anita Garibaldi, Laura Vey. Emocionada, ela relatou declaração dada pela atual secretária da Educação, Raquel Teixeira, em encontro recente com as direções de escolas, que provocou indignação dentre os docentes. Segundo ela, o encontro foi agendado pela Seduc um dia antes com a finalidade de apenas comunicar as escolas da medida, sem nenhuma abertura para sugestões e encaminhamentos.
Conforme relata a diretora, a secretária Raquel afirmou nessa reunião que os professores “teriam que se desapegar das escolas”. Laura destaca que esse posicionamento contraria o próprio parecer do Conselho Estadual de Educação, que aponta que as direções de escolas têm que ser obrigatoriamente consultadas para a implantação de projeto de municipalização.
“Desapegar hoje é desapegar de todo o trabalho. Romper vínculos e projetos pedagógicos é algo sério e muito grave. Foi uma luta da comunidade para que essa escola existisse e temos o respaldo do parecer do Conselho Estadual de Educação, que determina que as comunidades sejam ouvidas. Mas não é isso que está acontecendo. Lançamos um abaixo-assinado junto para mobilizar a comunidade”, afirma Laura.
Os próximos passos da mobilização encampada pelo 39º Núcleo abrangem reuniões com escolas para esclarecimento e mobilização em torno da defesa dos projetos das escolas.
O que diz o governo
Em entrevista ao Gaúcha Atualidade em agosto, a secretária de Educação do Rio Grande do Sul, Raquel Teixeira, disse que “nada será feito de cima para baixo, obrigatoriamente". Na ocasião, contrariando o que contam as direções escolares, ela afirmou que a municipalização seria por adesão, com escola e comunidade participando voluntariamente.
Com relação às PPP, durante assinatura do contrato de estruturação, também em agosto, Eduardo Leite justificou que a medida tem como objetivo atrair e manter os jovens na escola e afastá-los das criminalidade em escolas em vulnerabilidade. "Não basta apenas entregarmos uma escola bonita, ela precisa ser mantida nessa condição. É aí que a parceria com o setor privado mais ajudará”, disse.
Edição: Marcelo Ferreira
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