Sacrifício aos servidores
“Não admito sacrifício aos servidores”, diz Eduardo Leite
Governador conversou com Zero Hora sobre a situação fiscal do Estado, a posição da base governista na discussão do ICMS e promessas de campanha descumpridas
22/12/2023
Eduardo Leite vai passar 2024 monitorando o caixa do Rio Grande do Sul. Após fazer do equilíbrio das finanças a marca do primeiro mandato, o governador termina o ano desafiado por perdas de arrecadação que projetam um déficit de R$ 2,7 bilhões no próximo orçamento. O tucano, porém, afasta qualquer crise fiscal para o restante do governo e, diante das pressões por benefícios tributários aos empresários e aumentos aos servidores, já fez sua escolha:
— O servidor não deixou de atuar mesmo diante de reformas amargas. Não admito pedir sacrifício adicional.
Nesta conversa com Zero Hora, que teve duração de 54 minutos e foi realizada na quinta-feira (21), o governador falou sobre a situação fiscal do Estado, as defecções na base governista na discussão do ICMS, promessas descumpridas, investimentos, saúde e educação. Confira a seguir.
Entrevista com Eduardo Leite
O que deu errado na articulação política para o aumento do ICMS?
Imposto é assunto sensível, mesmo que tenhamos reduzido. Energia, combustível e comunicações pagavam 30%, a alíquota básica era 18% e nem assim o Estado pagava as contas. Reduzimos o custo da máquina a ponto de, mesmo com alíquotas menores, pagar em dia. Houve necessidade de ajustar a alíquota em função da perda de arrecadação e da reforma tributária. Talvez exista um trauma porque no passado o Rio Grande do Sul precisou fazer aumentos de alíquotas para suprir a sua crise fiscal. Não estamos em crise agora, mas o Estado vai precisar dessas receitas. Vamos buscar outros caminhos.
Não estamos em crise agora, mas o Estado vai precisar dessas receitas. Vamos buscar outros caminhos
EDUARDO LEITE
Sobre rejeição ao aumento do ICMS
Faltou solidariedade ao governo?
Não posso responder pelas motivações de cada um, mas veja o principal partido de oposição, o PT. O (ministro da Fazenda, Fernando) Haddad acaba de aprovar medidas para aumentar a arrecadação. Outros quatro governadores do PT fizeram ajustes na alíquota. Não é questão ideológica, mas para gerar dificuldades ao governo. Do outro lado, a base do governo é heterogênea. Existe quem é contra o aumento por convicção e aqueles que têm receio da repercussão política. Algumas entidades empresariais usam mecanismos semelhantes aos dos sindicatos dos servidores, buscando constranger deputados.
Em 2020, a base tinha 40 deputados e o senhor só aprovou a medida com os votos do PT. Agora o senhor tinha 33 deputados e de novo eles lhe viraram as costas. Incomoda esse governismo de ocasião de alguns parlamentares?
Não acho que a função da base seja carimbar os projetos do governo. É claro que existem contradições, deputados que estão sempre demandando investimentos, serviços e no momento que a gente precisa acabam não aderindo. Respeito, mas isso tem efeitos na relação política.
Essa postura pode mudar o secretariado?
Como qualquer família que tem divergência, vamos dialogar, melhorar essa relação. Não vejo efeito imediato.
Sem o aumento do ICMS, o senhor teme voltar a atrasar salários dos servidores?
Não tenho nenhum temor de atrasar salários no meu governo. Temo pelo futuro do Rio Grande do Sul. Nós reduzimos impostos, abrimos mão de muita receita, tudo com responsabilidade. Mas fomos atingidos pela decisão do Congresso Nacional, que nos tirou boa parte da arrecadação. Agora o Estado tem menos recursos e volta a pagar a dívida com a União, uma conta que vai chegar a R$ 5 bilhões por ano. Vou revisar os benefícios fiscais, mas eles não geram efeitos imediatos na mesma proporção que o ICMS.
Nesse cenário, o senhor pode discutir a venda do Banrisul?
Não, isso não haverá. Nesse governo não haverá.
Leite diz que será preciso buscar outras fontes de receita, com a rejeição ao aumento do ICMS. Anselmo Cunha / Agencia RBS
O senhor vê ameaça ao ajuste nas finanças do Estado?
No curto prazo, não. Estamos no regime de recuperação fiscal e tenho receitas extraordinárias a que, se necessário, iremos recorrer. Mas no médio e longo prazo, sim, o Estado terá dificuldades.
Não tenho nenhum temor de atrasar salários no meu governo. Temo pelo futuro do Rio Grande do Sul
EDUARDO LEITE
Sobre situação fiscal
A partir de quando?
Vamos lutar para que isso não aconteça, mas no final da década o Estado estará com dificuldades novamente.
A marca do seu primeiro governo foi a equalização das finanças, e agora surgiram alguns fantasmas, como a tentativa de renegociação do regime de recuperação fiscal e de aumentar impostos. O ajuste desandou?
Não. Vamos lá, do ponto de vista histórico do Estado, a carga tributária se manteria abaixo do que sempre se tributou. Propusemos um ajuste em função da insegurança que o Brasil proporciona. No meio do jogo mudaram as regras, e a gente tem que fazer ajustes de rota. O regime de recuperação fiscal era a solução possível, mas não significa que o Estado não tenha que negociar condições melhores em relação à dívida com a União. Outras regiões do país têm fundos constitucionais, são dezenas de bilhões de reais que todos os anos vão financiando com juros baixíssimos investimentos privados. Nós não temos isso. Não temos incentivo como tem o Nordeste, como a Zona Franca de Manaus, não temos royalties do petróleo, nada que turbine a arrecadação ou gere condição diferenciada econômica ou fiscal para o Estado. E ainda temos que pagar até 12% ou 15% da nossa receita para a União.
Ou seja, não nos dão e ainda nos tiram mais do que de outros Estados. Não parece ser justo.
O ministro Fernando Haddad está lutando para zerar o déficit federal. O senhor acredita numa negociação com a União?
Vejo boa vontade do ministro. Vamos ver. Esse primeiro ano é difícil, entrada no governo, déficit, muitas inseguranças sobre a condução da política fiscal e econômica no governo federal. Mas vamos retomar essas discussões, porque, se não vão nos dar nada, pelo menos não nos tirem.
O senhor usará os R$ 4 bilhões da venda da Corsan para pagar contas?
É o que nós lutamos para evitar. Esse recurso está aplicado e já teve algum rendimento, mas usamos uma parte nas obras rodoviárias, alguma coisa na saúde e na educação. Como foi um ano de muitas incertezas na arrecadação, não há possibilidade de avançar na aplicação dos recursos de uma maneira mais forte, mas o que a gente deseja fazer são investimentos estratégicos para o Estado.
Quanto ainda tem e quanto pretende deixar parado?
Temos perto dos R$ 4 bilhões. Não vou deixar parado, mas não seria correto sair gastando.
Não admito pedir sacrifício adicional aos servidores. Eles já deram sua cota
EDUARDO LEITE
Sobre reajuste para o funcionalismo
O senhor vai dar aumento aos servidores?
Quero viabilizar. Não há nada definido. Vai depender das contas, mas estou trabalhando para fazer a revisão da inflação. Já tiramos o desconto que existia no vale-alimentação e aumentamos o valor para R$ 400 ano que vem. No primeiro governo, chamamos os servidores a fazer um esforço através de reformas que tiraram vantagens e benefícios, mais recentemente houve a reforma do IPE Saúde. Os sindicatos atacam, mas o servidor não deixou de atuar mesmo diante de reformas amargas. Não admito pedir sacrifício adicional aos servidores. Eles já deram sua cota e temos que manter seu poder de compra.
Na segurança pública há uma pressão muito grande por aumento. Haverá reajuste para categorias específicas?
Fica complicado dar para um e não dar para outro, tem que dar para todo mundo. Vamos analisar caso a caso. Na segurança é mais difícil porque essa categoria recentemente passou por ajustes.
O senhor quebrou algumas promessas de campanha. Para todos deu extensas explicações, mas não teme ficar marcado como um governante que não cumpre promessa?
Fale de todas as promessas que eu cumpri também. Só gostam de pegar os problemas. Vivemos uma guerra de narrativas. Há opositores que tentam aproveitar momentos como este para fustigar. Mas a imensa maioria da população percebe as entregas que o Estado faz. A segurança melhorou, estão acontecendo investimentos na saúde, a atuação que o Estado é capaz de fazer nas enchentes.
O senhor inaugurou no mês passado um presídio modelo em Charqueadas, mas já há pedido de interdição. Faltou planejamento?
Não. O Estado está retomando o controle do sistema prisional. Quando assumi, o domínio era das facções. Agora as pessoas estão nas celas, saem para o sol, para as refeições e retornam. Não se permite interação livre entre os presos. Há disciplina, uniforme, muito mais regras. Há reclamação de calor, mas não há tomadas em função dos celulares, o que gera reações. Já determinei que se veja possibilidade do uso de ventiladores, com controle e equipamentos do Estado.
Professores reclamam de suposta pressão para aprovar os alunos e melhorar os índices. Há essa orientação?
Não há nenhuma pressão para aprovar alunos, mas combatemos a cultura de reprovação. Somos um dos Estados que mais reprovam e isso tem efeitos muito negativos, compromete o fluxo escolar. Às vezes há o sentimento de que professor bom é o exigente. Precisamos fazer com que as crianças aprendam. Criamos estudos de aprendizagem contínua que dão oportunidade de recuperação e acompanhamento, porque se a gente forçar demais e reprovar demais pode fazer a escola perder sentido para o aluno, passar a ser um fardo.
Alguns sinais podem aparecer desde já, mas a gente sabe que os grandes resultados levam tempo para aparecer
EDUARDO LEITE
Sobre ações na educação
O senhor colocou a educação como prioridade, lançou vários programas. Quando esses ganhos se tornarão visíveis?
Tenho a expectativa de que possamos ter bons resultados nessa última avaliação que foi feita. A gente vai saber o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) só no ano que vem. Aliás, estamos buscando algumas parcerias para ter avaliações mais rápidas. É como na saúde, não dá para fazer um exame e saber o resultado daqui a um ano, a doença já pode ter matado alguém. Precisamos ter um diagnóstico mais rápido para poder fazer ajustes nas metodologias, no ensino. Estados que se destacaram, como Ceará, Pernambuco, Espírito Santo ou Goiás tiveram trabalhos de 20 anos. Alguns sinais podem aparecer desde já, mas a gente sabe que os grandes resultados levam tempo para aparecer.
O programa Assistir, da saúde, tem gerado muita reclamação dos prefeitos da Região Metropolitana. Pretende fazer algum ajuste?
A maior parte dos hospitais ganhou recursos. O que aparece são as reclamações de alguns.
E os que ganharam fazem elogios que não têm a mesma reverberação dos que perderam. Estabelecemos critérios técnicos de remuneração, de acordo com a produção dos hospitais. Havia hospital que ganhava R$ 50 milhões, e outro que produzia mais ganhando R$ 5 milhões. Isso estava gerando ações judiciais com um passivo impossível de pagar. Alguns hospitais que tiveram redução de valores, veja a coincidência, foram denunciados por corrupção, como em Rio Pardo e Canoas. É necessário fazer ajustes, mas limitados à capacidade orçamentária do governo.
O senhor acabou de entregar a presidência do PSDB nacional sem conseguir devolver musculatura e ideário ao partido. Qual o futuro do PSDB?
O caminho do PSDB não é fácil. Fiz esforço para que o partido se reconectasse aos seus ideais. O PSDB nasce na centro-esquerda, depois vai para a centro-direita. Mas se forjou sofrendo oposição e se opondo ao PT. Quando essa oposição passa a ser exercida pelo bolsonarismo, gera confusão dentro do partido, fazendo com que alguns flertem com o bolsonarismo, um equívoco absurdo. É uma operação difícil, mas essa polarização haverá de passar, e é necessário ter um partido ao centro que não seja Centrão, com ideal, propósito, visão de gestão pública e de economia.
Preciso reforçar a estrutura da minha agência de regulação, o que vou fazer ano que vem
EDUARDO LEITE.
Sobre prioridades para 2024
Qual é sua prioridade para o próximo ano?
Não há nada na dimensão do que já foi feito. Quero melhorar a performance dos serviços. Claro, terei que continuar trabalhando para manter as contas em dia.
A gente avançou muito em concessões e privatizações, então preciso reforçar a estrutura da minha agência de regulação, o que vou fazer ano que vem.
O que o senhor pediu para o Papai Noel?
Não tive nem tempo, ainda, de pedir algo para o Papai Noel. Se fosse pedir uma coisa, seria que, por favor, esse clima se torne mais equilibrado. É só isso o que desejo: condições climáticas melhores. Depois de ter passado a parte fiscal e uma pandemia, nosso especial desafio tem sido do ponto de vista climático.
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