Saeb, provas e o planejamento pedagógico
É preciso articular a matriz de referência da avaliação ao currículo, com propostas conectadas à realidade dos alunos e que trabalhem diferentes competências e habilidades
Por Paula Medeiros 04/09/2025

A avaliação é feita por meio da aplicação, a cada dois anos, de testes de Língua Portuguesa e Matemática para alunos do 5º e 9º anos do Ensino Fundamental e da 3ª e 4ª séries do Ensino Médio, de forma censitária para as escolas públicas e amostral para as escolas privadas. Também há a realização de testes amostrais de Ciências da Natureza e Ciências Humanas para estudantes do 5º e 9º anos do Fundamental e de Língua Portuguesa e Matemática para alunos do 2º ano do Fundamental.
Além dos testes, o Saeb aplica questionários para coletar informações sobre fatores que podem influenciar o desempenho dos alunos, como as condições de trabalho dos professores e o ambiente escolar. Os resultados dão um panorama da Educação brasileira e fornecem dados para produzir indicadores educacionais e subsidiar a criação, o acompanhamento e o aprimoramento de políticas públicas.
Em 2025, o Saeb será realizado entre os dias 20 e 31 de outubro. A proximidade da data costuma gerar certa apreensão ou mesmo alterar a rotina das escolas, já que os professores dedicam parte do tempo para preparar as turmas para as provas. Para que essa pressão não impacte o andamento das aulas, o trabalho com os outros conteúdos e componentes e o desenvolvimento de novas habilidades e competências, são necessárias estratégias que alinhem a revisão ao planejamento pedagógico, interagindo com outras propostas curriculares e considerando o contexto da sala de aula.
Revisões integradas ao currículo
Nessa perspectiva, a professora Eliane Zanin, do time de autores da NOVA ESCOLA e com experiência de mais de 30 anos na rede municipal de Apucarana (PR), indica usar a matriz de referência do Saeb para planejar aulas e desenvolver projetos que contemplem as habilidades listadas, mas em situações significativas e contextualizadas, articuladas ao currículo.
Ela também sugere que o professor elabore um plano de ação a partir de avaliações internas. “Uma ideia é aplicar simulados curtos ou testes diagnósticos nas turmas. Em seguida, comparar os resultados obtidos com os descritores do Saeb. Isso vai permitir identificar as habilidades em que os alunos apresentam mais dificuldade e que, portanto, necessitam de intervenção imediata.” Com base nessas informações, o professor pode criar planos de recuperação paralela ou apoio pedagógico, direcionados às necessidades específicas da turma.
A professora acredita ser possível criar um plano de ensino dinâmico e eficaz, integrando diferentes habilidades. “Uma boa estratégia é incluir rotinas de leitura e interpretação de diversos gêneros textuais em outras disciplinas", aponta.
Marina Rezende, formadora de professores na rede pública, autora de material de preparação para o Saeb e professora de Geografia do 3º ano do Ensino Médio na rede particular de São Paulo (SP), reforça essa ideia. “Usar a matriz integra o desenvolvimento de habilidades, como interpretação de texto e raciocínio lógico, em todos os componentes curriculares. Em qualquer um deles é possível inferir informações a partir de um gênero textual específico." Ela dá alguns exemplos: “Em Geografia para o 5° ano, a leitura de mapas simples podem abordar conceitos espaciais (direita, esquerda, próximo), que são cobrados no Saeb em Matemática. Em História, a comparação entre o modo de vida de uma aldeia indígena e uma cidade pode trabalhar o raciocínio lógico comparativo e a interpretação de texto. Em Geografia, para o 9o ano ou para o Ensino Médio, a análise de dados de população, como pirâmides etárias, trabalham a leitura e a compreensão de dados representados graficamente.”
Outras sugestões são propor trabalhos em pares ou pequenos grupos, o que estimula a argumentação e a linguagem oral, e desenvolver projetos temáticos para que os alunos possam aplicar o que aprenderam em contextos reais. Assim, o ensino se torna mais coeso e as habilidades são trabalhadas de forma integrada. “Para garantir foco no currículo integral, o ideal é planejar revisões integradas às sequências já previstas, como releitura dos conteúdos do currículo, não algo paralelo", recomenda Eliane.
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Aprendizado conectado ao contexto real dos alunos
Assim como a professora Eliane, Audray Silveira, que leciona Matemática para turmas de 9º ano na EMEF Iraci Rodrigues de Farias Melo, em Mogeiro (PB), considera que as avaliações internas permitem identificar os pontos fortes e as dificuldades dos alunos em cada habilidade da matriz do Saeb. “A partir desses dados, é possível definir metas claras, planejar intervenções direcionadas — como exercícios contextualizados e reforço para alunos com dificuldade — e organizar um cronograma de acompanhamento.”
Como exemplo de estratégias contextualizadas, ela cita a revisão das frações, em que o professor pode trabalhar porcentagens aplicadas a situações do dia a dia, como descontos ou receitas. “Em geometria, pode-se revisar perímetro trabalhando áreas em escala, integrando conteúdos, por exemplo, com Geografia, usando cartografia. Além disso, problemas contextualizados com números racionais ou álgebra básica ajudam os alunos a aplicar conceitos revisados em novas situações.” Ela diz que essa abordagem mantém o aprendizado ativo, reforça conteúdos essenciais e desenvolve competências exigidas pelo Saeb.
Para garantir que o período preparatório não comprometa o currículo, Audray ressalta que é fundamental planejar atividades que integrem conteúdos essenciais do ano com os objetivos do Saeb, evitando focar apenas em exercícios da prova. “A interdisciplinaridade é aliada nesse processo. Por exemplo, problemas de Matemática podem envolver dados de Ciências ou Geografia, e projetos de leitura podem trabalhar interpretação textual ligada a Matemática e Português. Dessa forma, revisamos habilidades específicas, mas mantendo o aprendizado conectado ao currículo completo e ao contexto real dos alunos.”
Alinhamento curricular e atividades interdisciplinares
Em Uberaba (MG), Wagno da Silva Santos, coordenador pedagógico, professor do 5° ano da EM Uberaba e coordenador do núcleo da Conectando Saberes no município, considera que o alinhamento curricular é essencial para garantir que o foco do currículo integral não seja perdido, mesmo durante os períodos preparatórios. “Ele proporciona um direcionamento claro e primordial para o trabalho pedagógico e deve ser realizado desde o início do ano letivo. Com o currículo alinhado, o foco é mantido inclusive nos períodos preparatórios.”
Wagno trabalha com literatura em sala de aula e, neste trimestre, o livro escolhido foi O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, para uma abordagem interdisciplinar acerca das habilidades do Saeb. Ele conta que, em vez de apenas ler o livro e propor que os alunos respondam questões sobre a obra, o processo envolve várias etapas: o texto é lido com os estudantes, e os conceitos de cada habilidade do Saeb são explicados de forma clara. “Os estudantes também participam de atividades práticas, como jogos, quizzes, rodas de leitura e até a criação de peças de teatro. O objetivo é que eles explorem suas hipóteses de forma ativa e colaborativa.”
Somente depois de toda essa preparação, são apresentadas questões no modelo Saeb, que servem para avaliar a consolidação das habilidades. “Mas a ideia é que, antes de responder a uma questão de múltipla escolha, o aluno tenha tido a oportunidade de desenvolver e aplicar as habilidades necessárias de forma completa, por meio de um trabalho que vai muito além de ‘marcar um X’." Para Wagno, quando o professor coloca a matriz de referência no contexto da sala de aula, interagindo com outras propostas e com diversidade de ações, ele dá uma aula mais produtiva, prazerosa, e os resultados são positivos.
O coordenador e professor também acredita na viabilidade de atividades interdisciplinares que combinam diferentes áreas de conhecimento e habilidades específicas. “Escolhemos um tema, como Festa Junina, por exemplo, para desenvolver diversas habilidades. E não focamos apenas em Língua Portuguesa e Matemática. Qualquer disciplina pode usar um texto ou tema para discussões, desde que as perguntas sejam focadas em habilidades específicas.”
Apoio da gestão escolar para organizar as demandas
Em todo esse processo, a gestão escolar é fundamental para a preparação de alunos e professores para o Saeb, garantindo um ambiente de apoio e planejamento estratégico. Para Eliane, a chave para o sucesso está em equilibrar a rotina pedagógica sem sobrecarregar a equipe. “Uma das principais ações é dedicar tempo na formação continuada para o estudo aprofundado da matriz do Saeb. Isso permite que os professores entendam as competências e habilidades cobradas na avaliação.”
Além disso, a gestão deve assegurar uma carga horária adequada para o planejamento coletivo, garantindo que as equipes possam se preparar de maneira eficaz, mas sem que isso prejudique outros projetos pedagógicos importantes. “A preparação para o Saeb deve ser vista como um diagnóstico para identificar pontos fortes e fracos, e não como um objetivo final. Dessa forma, a avaliação se torna uma ferramenta para aprimorar o ensino, beneficiando a todos na escola”, completa Eliane.
Na mesma linha, a professora Naomi Calgaro, que dá aulas de reforço de Língua Portuguesa para alunos do 9º ano da rede municipal de Joinville (SC), defende que a gestão escolar e a Secretaria de Educação devem ajudar os professores a gerenciar melhor suas tarefas. Ela acredita que um curso de gerenciamento do tempo seria muito útil, pois os educadores se sentem sobrecarregados e perdidos com tantas atividades. “Às vezes você não sabe se planeja, se lança nota no sistema, se preenche planilha ou se corrige as atividades. Então, acho que deveria ter, por parte da Secretaria da Educação, uma organização sobre essa rotina e a boa gestão do tempo.”
Ambiente colaborativo e pertencimento
Além do gerenciamento do tempo, uma abordagem colaborativa por parte da gestão pode auxiliar no equilíbrio entre a preparação para o Saeb e o cumprimento do projeto pedagógico mais amplo. “Em vez de focar apenas nos anos de prova, a escola deve mostrar que os resultados são um reflexo de toda a jornada educacional, envolvendo todos os professores, desde a Educação Infantil”, diz Wagno. Ele conta que, em sua escola, é usada a análise dos resultados do Saeb para envolver a equipe. “Estudamos a trajetória da instituição desde 2005, analisando as escalas de proficiência e identificando as habilidades em que os alunos tiveram mais dificuldade ou facilidade.”
Essa análise serve não apenas para ajustar o planejamento, mas também para fazer com que os professores se sintam pertencentes ao processo. A gestão deixou claro que o resultado não é apenas dos Anos Finais, mas de um esforço coletivo de toda a equipe e das famílias. “Esse apoio mútuo, com a equipe pedagógica oferecendo suporte e auxílio constante aos professores e pais, cria um ambiente de trabalho cooperativo, onde o Saeb é visto como parte da rotina escolar e não como um evento isolado", afirma o professor e coordenador pedagógico.
Na opinião da professora Marina, em vez de se preocupar apenas com a nota da prova, a gestão deve garantir que os professores tenham os recursos e o apoio necessários para trabalhar as habilidades previstas, incluindo apoio emocional. “Isso significa ir além de fornecer materiais e infraestrutura. É preciso criar um ambiente de ‘estamos juntos’ em vez de uma cobrança por resultados. Se o professor se sentir apoiado, ele terá mais condições de focar no desenvolvimento dos alunos, o que naturalmente leva a bons resultados nas avaliações.”
Uma estratégia eficaz, de acordo com ela, é promover a colaboração e a troca de experiências entre os professores. “A gestão pode utilizar as Horas de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC) para incentivar o estudo de planos de aula, como os da NOVA ESCOLA, e para que os próprios educadores compartilhem o que funcionou ou não em suas turmas”, indica. “Esse espaço de diálogo faz com que o professor se sinta parte de uma equipe, e não apenas um indivíduo cobrado por resultados, o que torna o processo muito mais eficaz e motivador."
Os resultados dos alunos em avaliações externas, como o Saeb, também estão relacionados a fatores socioemocionais. A ansiedade e a falta de motivação podem comprometer o desempenho. Para evitar essa situação, os educadores defendem a promoção de um ambiente escolar mais acolhedor.
Segundo a professora Audray, é essencial trabalhar estratégias de regulação emocional e promover atividades que aumentem a autoconfiança. "Dessa forma, os estudantes se sentem mais seguros e preparados para enfrentar avaliações", explica.
Eliane reforça a importância dessas ações. "Alunos mais confiantes e com autocontrole lidam melhor com avaliações externas", afirma. Ela sugere rodas de conversa e dinâmicas de relaxamento como ferramentas para reduzir a tensão, enfatizando que uma relação de confiança entre professor e aluno é fundamental.
Para Marina, a segurança emocional é a base para o aprendizado. "Um aluno que não se sente seguro, pertencente e apoiado em seu ambiente escolar terá seu desempenho comprometido", pontua. Ela destaca que dificuldades pessoais, como insegurança alimentar ou problemas familiares, afetam diretamente a capacidade de raciocínio. “O mesmo vale para os professores, que precisam de apoio para oferecer um ensino de qualidade.”
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