Sala de Aula e Embarcações
Sala de Aula e Embarcações: por onde navegamos?
26/07/2025
Por PLINIO MELGARÉ*
Entre cruzeiros, navios mercantes e jangadas, que modelos educacionais (re)produzimos?
À primeira vista, uma sala de aula parece apenas um espaço fixo, delimitado por paredes, preso à rigidez de regras, horários e hierarquias. Mas, ao se entrar em uma sala de aula, percebe-se, ainda que simbolicamente, sua semelhança com uma embarcação. O início do ano ou do semestre letivo, então, torna-se o início de uma viagem que, ao fim e ao cabo, espera conduzir ao porto — nem sempre tão seguro, porque feito de dúvidas — da aprendizagem.
Que tipo de embarcação conduzimos?
O ponto é: que tipo de embarcação é a sua sala de aula? Um navio tipo cruzeiro? Onde há um comandante, responsável pleno pela condução, que exerce verticalmente funções de liderança e estabelece a gestão a bordo com indiferença em relação aos passageiros?
E os alunos, nesse cruzeiro, seriam passageiros que compram um bilhete e embarcam em uma viagem como consumidores ou turistas? E passivamente, viajam, observando a paisagem, sem envolvimento com a carta hidrográfica (o plano da disciplina) e as latitudes e longitudes do conhecimento? E haveria, nessa sala de aula tipo navio cruzeiro, estudantes de primeira classe, que se sentem confortáveis com a falta de reflexão sobre as reais condições das águas do país em que vivem e sobre seu papel na manutenção de privilégios? Que sequer percebem quantas mãos e corpos os sustentam?
Educação como carga: o navio mercante
Ou sua sala de aula é um navio mercante, que cruza os mares da sociedade transportando pacotes padronizados de conhecimento — embalados, empilhados e distribuídos atendendo unicamente às demandas do mercado?
Nessa sala de aula, o professor é o operador técnico de uma logística curricular, por vezes obtusa. E os estudantes, tal qual contêineres vazios, são receptores de um conteúdo estocado, catalogado e frequentemente descontextualizado, alheio ao seu tempo e à sua vivência. O conhecimento, transformado em mercadoria, não se destina à emancipação, mas ao consumo rápido, acrítico, descartável.
O conteúdo é avaliado utilitariamente, diante de uma valia econômica imediata. Forma-se, assim, uma educação voltada para as métricas, para a certificação e para os rankings — e não para a prática reflexiva ou para o protagonismo do sujeito. A sala de aula tipo navio mercante é própria de uma educação em que as rotas são traçadas pelas exigências do mercado, e não pelos ventos da autonomia intelectual e da constituição de um sujeito que compreenda o mundo como um sistema interconectado, ativo na construção do conhecimento, capaz de problematizar, refletir e dialogar com o saber. É uma travessia onde a lógica econômica substitui o sentido coletivo da aprendizagem — e o oceano da experiência humana é reduzido a uma planilha de competências.
A jangada e o saber construído coletivamente
Mas a sala de aula pode ser outro tipo de embarcação. Pode ser uma jangada que, em sua provisoriedade, sem portas e janelas, está aberta ao horizonte da aprendizagem. Uma jangada é só convés — sem porões, sem escotilhas, sem cabines — e navega na horizontalidade das relações humanas. O equilíbrio é um desafio constante, onde os tripulantes — alunos, alunas, professor, professora — cooperam para a navegação. Uma navegação que não promete a estabilidade da permanência de um saber dogmaticamente constituído, mas provoca o constante desequilíbrio, agitado pelas águas do pensar e do diálogo.
Afinal, a jangada impõe a troca de olhares e o reconhecimento do outro, que está ao seu lado e se torna corresponsável pelo seu destino. A jangada exige adaptação, diálogo, reflexão. Impõe a escuta do vento, é movida por perguntas, por olhares trocados, por escuta mútua. Não carrega o peso das certezas, mas a leveza das inquietudes. É a embarcação do encontro, onde o saber é construído coletivamente, a partir das diferenças da tripulação e dos nós que a sustentam.
E você, em qual embarcação navega?
Enfim, a vida de um professor, de uma professora, constitui-se e reconstitui-se por ciclos. Cada novo semestre, cada novo ano, uma nova turma, uma nova sala de aula, um novo navegar. De cada turma que nos despedimos, um pouco de nós permanece e um pouco de nós segue. E novas embarcações partem.
Em qual você embarca?
*Plinio Melgaré é Advogado e Professor Universitário.
Foto de capa: IA
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