Sala de aula vira campo de batalha
Indisciplina escolar: quando a sala de aula vira campo de batalha
Os comportamentos desafiadores que surgem na escola, muitas vezes, são ecos do que não vai bem em casa
10/10/2025
Geana Taisa Machado Krause (*)
A nova pesquisa da OCDE (Talis 2024) confirmou o que os professores brasileiros já vivem no cotidiano: quase um quarto do tempo de aula é gasto tentando manter a ordem. No Brasil, 21% do tempo se perde com tentativas de silenciar barulhos, resolver conflitos ou conquistar a atenção dos alunos. Quase metade dos docentes relatam interrupções constantes, e 47% dizem sofrer intimidação verbal em sala.
Mais do que números sobre indisciplina, esses dados revelam o adoecimento da escola um espaço que reflete as tensões sociais, a desigualdade e a falta de estrutura que também atravessam a vida das famílias. A escola é parte da sociedade, e carrega suas dores.
Ao longo dos anos, aprendi que a indisciplina não é o problema em si. Ela é um espelho que reflete como estamos nos relacionando com nossos alunos e com o próprio sentido de ensinar. Acreditar que basta “endurecer” regras para resolver tudo é um engano. O controle cria medo, mas não ensina responsabilidade. O silêncio imposto pode até parecer disciplina, mas não constrói autonomia.
E é nesse ponto que o papel da família se torna essencial. Muito se fala que ela é a base da formação da criança e é verdade. É em casa que a criança aprende o que é respeito, empatia e convivência. É ali que se ensinam os primeiros “combinados” da vida. Quando há afeto, escuta e limites coerentes, a escola se torna extensão desse cuidado. Mas quando falta diálogo, acolhimento ou presença, o reflexo aparece em sala de aula.
Os comportamentos desafiadores que surgem na escola, muitas vezes, são ecos do que não vai bem em casa — e não se trata de apontar culpados, mas de reconhecer que a educação é uma tarefa compartilhada. Não há escola que dê conta sozinha. Os pais precisam participar, comparecer às reuniões, ouvir os professores, buscar parceria, e não apenas aparecer quando há conflito. Quando família e escola caminham juntas, o aluno se sente seguro e apoiado.
Por outro lado, quando há distanciamento e desconfiança, todos perdem e quem mais sofre é o estudante. A educação é um projeto coletivo, e ninguém educa ninguém sozinho.
As Assembleias de Classe e as Rodas de Conversa são caminhos potentes para repensar o sentido da disciplina na escola. São momentos em que o diálogo substitui o controle, e a escuta se torna uma prática de aprendizado. Quando há tempo para ouvir e verdadeira disposição para acolher o que o outro têm a dizer, a convivência se fortalece muito mais do que por meio de qualquer regra afixada na parede.
Nesses espaços, os alunos aprendem a argumentar, escutar, propor soluções e assumir responsabilidades. Ao participarem da construção das regras, sentem-se pertencentes ao grupo e passam a cuidar do espaço e uns dos outros.
Agora, chegando ao fim de mais um ano letivo, é tempo de refletir sobre o que esses desafios nos ensinam. A indisciplina, no fundo, é um chamado à escuta: ela denuncia as fragilidades das nossas relações e exige coerência entre o que ensinamos e o que praticamos.
Se quisermos uma escola e uma sociedade mais humana, precisamos reaprender a ouvir, dialogar e caminhar juntos. Porque o respeito, assim como a educação, começa em casa e se fortalece na escola.
(*) Mestre em Educação UFRGS, jornalista, psicopedagoga institucional e clínica, especialista em educação especial e Inclusiva e neuropsicóloga.
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