Sem dinheiro não tem Ciência

Sem dinheiro não tem Ciência

SEM DINHEIRO NÃO TEM CIÊNCIA

Em documento entregue aos presidenciáveis, cientistas cobram investimento no setor; orçamento do MCTI passou de 9 bilhões de reais em 2018 para menos de 3 bilhões

Helena B. Nader|25 jul 2022

Sem dinheiro não tem ciência

 


No entanto, décadas de construção sólida de conhecimento e de iniciativas concretas pró-ambientais têm sido rapidamente desmontadas. Nos últimos anos, observamos retrocessos alarmantes, com o avanço do desmatamento e do garimpo ilegal na região amazônica e o aumento na vulnerabilidade dos povos originários, quilombolas e ribeirinhos. Involuções que não apenas afetam negativamente nossa imagem junto ao resto do mundo, provocando repercussões econômicas de curto e longo prazo, como prejudicam diretamente as metas acordadas no âmbito da Agenda 2030.

Para que o Brasil possa recuperar seu protagonismo global na implementação dos ODS, é necessário estabelecer um fluxo contínuo de financiamento para permitir a execução de projetos de pesquisa capazes de gerar resultados e soluções inovadoras na conservação dos biomas nacionais, na segurança alimentar e na redução da pobreza.

E isso só será possível mediante uma política de Estado que garanta um orçamento para a CT&I digno deste nome. Dados da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) mostram que o orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) vinha caindo desde 2016 – mas diminuiu ainda mais nos últimos três anos. Passou da ordem de 9 bilhões de reais em 2018 para menos de 3 bilhões de reais em 2021. Nós, enquanto representantes e defensores da ciência, não podemos aceitar essa situação. 

Além de reduzido, o orçamento é constantemente exposto a contingenciamentos. Conforme revela estudo de Fernanda de Negri e Priscila Koeller, do Ipea, realizado em agosto de 2019, o MCTI tem executado, nos últimos vinte anos, uma média de cerca de 60% do orçamento previsto em lei. As pesquisadoras ressaltam que o baixo nível de gasto liquidado é devido a contingenciamentos, e não à capacidade do órgão de executar seu orçamento.

Uma das consequências mais nefastas dessa não execução é o desvirtuamento do papel do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Criado no final da década de 1960 e reestruturado durante o governo Fernando Henrique Cardoso, o FNDCT deveria ser destinado ao que costumo chamar de “extra”: os programas e projetos prioritários definidos no Plano Básico de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Um complemento, portanto, ao orçamento oficial do setor. Mas na prática é o FNDCT que sustenta CT&I no Brasil, sendo sua principal fonte de recursos.

O Fundo vive, no entanto, sob ataque permanente, apesar de, desde o ano passado, existir uma lei proibindo seu contingenciamento. A lei complementar 177/2021 determina que não podem ser objeto de limitação “despesas relativas à inovação e ao desenvolvimento científico e tecnológico custeadas por fundo criado para tal finalidade”. Ao arrepio do texto legal, em junho, o governo anunciou o bloqueio de 2,5 bilhões de reais do Fundo até o final de 2022. O valor representa 55% do total de recursos.

Deputados e senadores quase permitiram que se institucionalizasse a violação à lei que eles próprios haviam votado meses antes. A Comissão Mista de Orçamento chegou a aprovar, no início de julho, um projeto que permitiria o bloqueio de recursos do FNDCT. Por uma apertadíssima margem de apenas dez votos, no entanto, o plenário do Congresso Nacional conseguiu, dias atrás, derrubar o texto. Foi por pouco.

Enquanto estivermos assim tão à mercê de quem segura a caneta, não haverá desenvolvimento social, econômico e sustentável do país. Por isso insistimos tanto, desde o título do relatório que endereçamos aos candidatos à Presidência da República, na necessidade de uma verdadeira política de Estado para CT&I. Na base desse projeto de nação, devem estar não somente fontes estáveis e invioláveis de financiamento, mas principalmente o foco em educação. Há anos, a ABC vem alertando que o Brasil precisa de uma “revolução na educação”. Na temática educacional, as propostas da Academia encontram novamente os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Garantir o acesso à educação inclusiva e de qualidade é o quarto ODS, que se desdobra em dez metas – entre elas, assegurar que todas as crianças possam ter um desenvolvimento de qualidade, desde a primeira infância.

Os países desenvolvidos investiram em toda a cadeia do conhecimento, que se inicia na educação básica, para chegar à inovação. As nações que deram um salto qualitativo nas últimas décadas, como a China, prosperaram a partir de um projeto de Estado que levou a sério o aperfeiçoamento das escolas, desde os primeiros anos de vida. Enquanto aqui no Brasil ainda brigamos para pagar salário digno aos professores dos ensinos fundamental e médio, na Coreia do Sul, a profissão de educador é uma das mais concorridas e prestigiadas. Lá, como em tantos outros países, reconheceu-se que a educação está na base de tudo.

A ciência brasileira é, sim, extremamente carente de recursos. Mas é carente, sobretudo, de constância e de continuidade, que só serão conquistadas quando uma política de Estado, nos moldes do que a ABC propõe em seu documento, for de fato pensada para o setor. Um plano cujo horizonte de aplicação não seja de apenas quatro anos, mas de longo prazo. Um projeto de nação soberana, verdadeiramente independente a partir da educação e da ciência. 

Helena B. Nader

Biomédica, é presidente da Academia Brasileira de Ciências. Em 2020, recebeu o prêmio Almirante Álvaro Alberto de Ciência e Tecnologia, do CNPq. Membro da Academia Mundial de Ciências e professora titular da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

 

https://piaui.folha.uol.com.br/sem-dinheiro-nao-tem-ciencia/?fbclid=IwAR29tyy7c4gndK_HAyfD-3lzILNRrF0Yi3Km4sgTPX-bb6Rm1F2ofgznbiU 




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