Ser professor no Brasil

Ser professor no Brasil

O professor no país dos muitos “Brasis” e das muitas reformas

Transformar a realidade em um Brasil tão diverso, pode ser algo incômodo 

Em um cenário de escassez, vaidades e descaso, educar torna-se ato de coragem e, ensinar um exercício diário de transformação, resistência e reexistência. Paulo Freire já defendia a educação como um ato político e de resistência à opressão, pois o conhecimento tem o poder de empoderar as pessoas e permitir que transformem a realidade. E, transformar a realidade em um Brasil tão diverso, pode ser algo incômodo, especialmente para determinadas elites econômicas que, ao longo de gerações, se mantêm no poder. 

Iniciar um novo caminho já representa um avanço significativo para profissionais que buscam se reerguer diante dos desafios impostos por uma virada geracional. Um movimento contemporâneo que tem colocado em xeque o papel tradicional do educador, antes visto como figura central na “suposta transmissão de conhecimentos” e, na também “suposta, transformação social”. 

O ato de educar, de iluminar caminhos e promover mudanças é confrontado por uma sociedade que, além de questionar antigos modelos, enfrenta um processo de adoecimento coletivo. Tal cenário reflete, em grande parte, a dificuldade generalizada de compreender o próprio propósito da existência. 

Atualmente, o Ministério da Educação promove um programa de governo para a valorização dos/as professores/as no Brasil. Em conformidade com o site O Censo Escolar 2023, o Brasil possui um total de 2.354.194 professores, sendo 1.861.118 na rede pública de ensino e 566.858 na rede privada. Na rede pública, 37.787 professores atuam na esfera federal, 668.470 na rede estadual e 1.250.795 na municipal. “Valorizar os professores significa não apenas melhorar suas condições de trabalho e remuneração, mas, também, reconhecer sua importância e valor social”.  

Percebe-se que o programa, embora louvável, passa por incentivos a créditos facilitados. Mas, não queremos, somente, créditos, mas a valorização das nossas horas de trabalho. A ação pedagógica é inerente à essência daqueles que se doam. 

Ensinar nunca foi transmitir conhecimentos, mas, sobretudo, desvelar caminhos individuais e coletivos, que se desenham ao longo do tempo, movidos pelos anseios de uma sociedade em constante transformação. Ser professor, em um país cada vez mais dominado pela miséria da hiperconectividade e pelo esvaziamento de sentido, é lutar, diuturnamente contra a alienação, no sentido mais profundo do termo. 

É comum ouvir-se que pela educação transforma-se o mundo. Mas, poucos reconhecem que essa transformação começa no cotidiano silencioso de quem educa e, também, se deixa educar. Em um tempo de hiperconectividade, onde tudo parece descartável, inclusive o próprio ensino, o verdadeiro privilégio de ensinar é aprender sobre novos contextos, significados e realidades, que insistem em emergir das margens de pequenas, médias e grandes cidades. 

Entretanto, verifica-se que o caminho opcional do “ser professor/a” é árduo e, muitas vezes, solitário. Assim como no mundo corporativo, o universo educacional abriga seus guetos, rivalidades, vaidades e deslumbramentos. A lógica da escassez impera, pois onde há menos recursos cresce a competição. E, nesse jogo, até quem poderia auxiliar vira adversário. 

Constata-se uma miopia cruel e, quase generalizada, no modo como o Brasil enxerga a educação. Ignora-se que o país é feito de muitos “Brasis”. Os/as professores/as das periferias, das cidades do interior, das escolas distantes dos centros, são esquecidos nas disputas de visibilidade. Lutam por reconhecimento, por investimento, por condições mínimas de trabalho e dignidade. 

A universidade, em sua essência, deveria ser o lugar da “união das diversidades”. Mas, o que se vê, muitas vezes, é a busca por um status de “academia”, que assusta, afasta, elitiza, e exclui muita gente. A universidade, que deveria incluir, acolher e representar, torna-se símbolo de distinção e elitismo. Parece uma simplificação? Talvez. Mas, é no cotidiano de quem ensina que essa distinção ganha forma e machuca… exclui. 

Afinal, qual o valor do professor em um país que questiona, cada vez mais “estudar para quê?”. Em tempos de ataques constantes, ideológicos ou não, e de desvalorização estrutural da profissão, resta-nos uma única saída: resistir. Valorizar o próprio trabalho, contar nossa história. 

 

Fotografia de Paulo Freire, ícone da educação brasileira. A fotografia está em preto e branco.
Crédito: Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação

 

A resignação cresce quando se percebe que a sociedade, muitas vezes, vira as costas para nós, professores/as. Somos a base estrutural de qualquer nação que se pretenda séria e respeitável. Ainda assim, prosseguimos desvalorizados/as. 

Por que a população não luta pela escola do seu próprio bairro? Pelos/as professores/as que ensinam seus filhos, netos e vizinhos? Por que é tão difícil compreender que a desvalorização do/a professor/a é, na verdade, o reflexo da degradação de todo um tecido social? 

Ignorar o papel central do/a educador/a é aceitar um futuro de exclusão, ignorância e desigualdade. Valorizar o/a professor/a não é, apenas, uma questão de justiça é uma urgência nacional e coletiva. 

Ser professor/a, hoje, não é, apenas, ensinar, mas afirmar o direito de existir e coexistir. É um gesto político. É um ato de fé no coletivo. E, sobretudo, é uma escolha diuturna por um futuro que, ainda, vale a pena construir. 

Precisamos de valorização, respeito e dignidade salarial. 

Por quê se fala tanto em reforma da Educação? 

Reforma do Plano de Educação…Reforma da carga horária. Reforma dos currículos. Acrescenta-se Ordem e Estudos sociais. Retira-se. Amplia-se Sociologia e Filosofia. Reforma da Universidade (REUNI). Certamente, você já ouviu o termo reforma quando falamos em Educação. Não importa em qual modalidade ou nível de ensino, esse assunto volta a ser comentado pelo governo de turno. É igual aos personagens de Gabriel García Marquéz em Cien años de soledad, volta-se sempre ao ponto de partida dos Buendía, mudando um ou outro personagem, mas mantendo a essência da história. 

Mas, por quê, fala-se tanto em “Reforma” na Educação? Em primeiro lugar, é porque algo não está funcionando há muito tempo, e precisa de um reparo do governo de turno para voltar aos trilhos. Entretanto, isso não explica o problema exatamente, apenas evidencia uma realidade que está a olhos nus de qualquer pessoa que visitar uma escola de educação básica ou universidade/faculdade no ensino superior. 

Porém, se olharmos com certa atenção, há uma explicação mais profunda para essa percepção constante de “reforma” da educação. Esse diagnóstico normalmente é feito pelo governo (federal, estadual ou municipal) transferindo responsabilidade para as escolas e os professores (SCHON, 1992). 

É como se a escola e os professores fossem as crianças e adolescentes, que estavam tomando atitudes equivocadas, e precisam ser repreendidas ou consertadas pelo adulto na sala (governo). É uma tentativa de controle de comportamento, seja ele no quesito currículo, carga horária, salário, conteúdos.  

Essa dinâmica do governo para com a escola e os professores camufla duas questões importantes. Primeiro, o governo é responsável pela Educação não conseguir atingir as transformações almejadas, bem como as metas/objetivos elencados por outros governos anteriores. Segundo a escola e os professores não são crianças, e, portanto, não seguem exatamente as diretrizes de reforma (conserto) indicadas de cima para baixo.  

Basta fazer um exercício simples na cabeça. O Brasil possui 178,5 mil escolas. Você acha que todas as escolas vão cumprir a carga horária? Acredita que todas elas vão proibir celulares? Ou ainda, que todas irão conseguir dar conta de receber planejamento dos quase 2,5 milhões de professores pelos rincões desses país continental? Talvez, você imagina que todas as escolas possuam professores em suas disciplinas? Ou ainda que o número de professores dá conta de cobrir o número de matrículas dos alunos? Todas as escolas possuem rede de internet, laboratório de informática, biblioteca e estrutura adequadas? 

Essas perguntas voltam. Vem. Correm. Retornam. Como qualquer Buendía fez em Macondo. Qual será a próxima reforma da educação? 

   

Danilo Sorato é professor de História e Relações Internacionais. Doutor em Estudos Estratégicos pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Pesquisador do Laboratório de Política Externa Brasileira (LEPEB/UFF) e Pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos e do Planejamento Espacial Marinho (CEDEPEM/UFF/UFPel).  Escreveu diversos artigos acadêmicos e jornalísticos sobre as relações internacionais do Brasil, em especial os governos Temer, Bolsonaro e Lula. 

 

Etiene Villela Marroni é professora do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política (PPGCPol/UFPel). Doutora em Ciência Política (UFPel). Coordenadora do Centro de Estudos Estratégicos e do Planejamento Espacial Marinho (CEDEPEM/UFF/UFPel). É autora de vários livros, dentre os quais, “Governança Oceânica e o Planejamento Espacial Marinho”.   

 

Referências 

SCHON, Donald A. Formar professores como profissionais reflexivos. In.: NÓVOA, A. 

(Org.) Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote. 1992, p. 77-91. 

 

FONTE

https://diplomatique.org.br/o-professor-no-pais-dos-muitos-brasis-e-das-muitas-reformas-na-educacao/ 




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