Ser professor
Ser professor sempre foi um ato de resistência
Destruição de carreiras, precarização das relações, desvalorização, ataques à autonomia e à liberdade de ensinar e aprender. Nunca foi tão difícil ser professor
Por Gabriel Grabowski / Publicado em 2 de outubro de 2025

“Os profissionais da educação são impactados e atravessados pelas transformações porque são desafiados a educar para mudanças, para incertezas e, principalmente, para desenvolver a humanidade e a ética”
Arte: Jornal da USP/ Divulgação
Não tenho um caminho novo.
O que eu tenho de novo é um jeito de caminhar
Thiago de Melo
Tanto Caetano Veloso como Clarice Lispector nos dizem e alertam que a vida é um sopro. Verdade, o tempo hoje parece estar mais acelerado, sempre ocupado e intenso. Nossa passagem por ele se resume a realizar ações, tarefas e entregas que possam nos dar satisfação e o sentido de que, ao vivenciarmos este tempo, deixamos nossa marca e colaboração para com as pessoas com quem convivemos e, até, para com o mundo.
Neste mês de outubro, quando celebramos o Dia do Professor estou completando quatro décadas de profissão docente. Foram mais de 15 anos de trabalho na educação básica, outros 25 anos no ensino superior (ensino e pesquisa) e alguns outros em experiências de gestão educacional. Independente das dificuldades, ser professor é uma das formas de dar sentido a nossa existência, realizar uma obra social e uma oportunidade de compartilhar aprendizagens com os colegas e estudantes.
Todavia, vivemos em um tempo e um mundo de grandes mudanças, tensões, riscos e incertezas que geram muitas angústias e ansiedades. A educação e os sistemas escolares, de modo especial, vivem e sentem mais profundamente estas transformações sociais, econômicas e tecnológicas que atravessam os processos de formação das novas gerações.
Neste contexto, os profissionais da educação também são impactados e atravessados, justamente porque somos educadores com um grande desafio: educar para mudanças, para incertezas e, principalmente, para desenvolver a humanidade dos seres humanos e a ética. Sim, é necessário relembrar que a função principal da educação é a humanização e o desenvolvimento pessoal e moral dos educandos, ou seja, nossa capacidade de viver juntos, estudar junto e aprender juntos. Como educadores, temos autoridade e somos, se não os melhores, os maiores influenciadores das novas gerações. Grandiosa responsabilidade.
É neste contexto que temos a responsabilidade histórica e ontológica de acreditar, sonhar e esperançar junto com os estudantes. Jamais podemos desistir de acreditar na formação integral e na humanização das pessoas. Somos seres sociais e seres de relação, com a grande finalidade de preservarmos e viabilizarmos as condições necessária para existir e ser feliz.
Atualmente está sendo mais desafiador ser professor, a nível global e no Brasil. Enfrentamos em nossos estudantes desmotivação para os cursos de licenciatura e maiores dificuldades ainda para permanecer na profissão por parte dos futuros professores, tempo e disposição para estudar. Dificuldades que estão associadas pela falta de tempo disponível (pois trabalham e estão ocupados), porque 80% das matrículas no ensino superior no país precisam ser pagas (em instituições privadas), em cursos de EaD e de baixa qualidade, com carreiras pouco atrativas e ameaças constantes de gestores e familiares ao trabalho docente.
Resistência e valorização do professor
Ser docente é acreditar e investir numa causa: a educação. Educação desprestigiada ao longo dos 525 anos do Brasil pela sua elite e grande parcela da sociedade. Por esta razão e outras mais que “Ser professor sempre foi um ato de resistência”, afirma um jovem que cursa licenciatura em Letras na PUC-RS.
“Quando escolhemos um curso de licenciatura, é comum ouvirmos comentários como: ‘tem que ter muito amor para seguir nessa carreira’ ou ‘só louco escolhe ser professor’. Essas afirmações só provam o quanto a profissão de educador ainda precisa ser valorizada no Brasil e no mundo” complementa o acadêmico de licenciatura.
Para ser professor é necessário, além de uma certa vocação, uma responsabilidade para com o futuro do país. “A educação salva vidas e escolher ser professor é fazer parte de algo maior que nós mesmos”, acredita o jovem estudante. “Quanto mais eu evoluo como profissional da educação, sei que escolhi algo que vai muito além da sala de aula. Estou formando gerações futuras”.
O Brasil é um dos países que mais tem alunos em cursos de formação de professores, mas, em contrapartida, o país tem uma das menores taxas de permanência nessa profissão. Segundo o Censo do ensino Superior 2024, temos mais de 1,7 milhão matriculados nos cursos de licenciatura.
Para a psicóloga Ana Cecília Petersen (PUC-RS) a valorização e o reconhecimento do papel docente dependem da atuação de diferentes atores, e precisaria um olhar mais cuidadoso sobre este papel. O poder público em suas diferentes esferas, deve implementar, por exemplo, a qualificação das estruturas escolares presentes em nosso sistema educacional, assim como desenvolver políticas de valorização e estímulo à formação de novos docentes.
Os poderes públicos e privados na contramão
Na contramão de todas as expectativas dos professores e estudantes, o modelo de empresariamento neoliberal e de mercado adotados pelos poderes públicos (União, estados, municípios e mantenedoras privadas) e gestores públicos, o que mais está em curso é uma crescente desvalorização justamente da profissão docente e da carreira.
Por esta e outras razões é que está cada vez mais difícil ser professor no Brasil. Além da destruição das carreiras docentes, seja pela precarização das relações de trabalho e da desvalorização sistemática, sucedem-se patrulhamentos, críticas e ataques à autonomia e à liberdade de ensinar e aprender.
São inúmeras e variadas estratégias de intimidação e cerceamento da ação docente: sistemáticas avaliações de desempenho de estudantes e professores, gestão escolar baseada em metas quantitativas, diretores de escolas escolhidos pelos governantes em detrimento da eleição pela comunidade escolar e, secretários de educação, do meio empresarial.
Destacamos, na sequência, mais algumas evidências recentemente apontadas no Anuário Brasileiro da Educação Básica 2025, publicado em setembro:
– em dez anos, o percentual de concluintes de cursos voltados à docência no ensino superior, na modalidade EaD, saltou de 31% para 64%;
– apenas 68,5% de municípios pagam o piso para os professores com jornada de trabalho de 40 horas semanais;
– nenhum estado brasileiro cumpre o piso nacional para professores temporários, apesar do crescimento de 42% desta modalidade entre 2017 e 2023;
– as redes estaduais são responsáveis por 30% das matrículas da educação básica do país. No ensino médio, etapa com piores indicadores de qualidade no país, elas têm 83,6% dos estudantes;
– a proporção de estudantes com aprendizagem adequada em Língua Portuguesa e Matemática caiu de 8,3% em 2013 para 7,7% em 2023 e,
– segundo o Censo Escolar 2023, 51.6% dos professores que atuam nas redes estaduais são contratados de forma temporária.
Para Fernando Cássio, Professor da USP, a militarização das escolas com a criação de uma corregedoria interna controlada por militares na Seeduc-RJ já abriu centenas de sindicâncias para intimidar professores.
Segundo Cássio, lecionar deixou de ser a prioridade dos educadores nas escolas públicas, sobretudo após a implementação da reforma do Ensino Médio. Professores dão aula quando sobra tempo para isso. A autonomia pedagógica, ainda em vias de se realizar, foi substituída por plataformas educacionais sem eficácia comprovada e pela obrigação de cumprir uma miríade de tarefas estranhas à docência. Os educadores também precisam mediar conflitos graves e lidar com episódios de violência dentro das escolas vivo e acessível a todos.
Resistindo e acreditando na educação pública e laica, continuaremos firmes na luta pela educação e pelo direito da aprendizagem de todos. Ser professor é ser persistente e uma atitude resistência, estando sempre ao lado da educação e compartilhando sonhos com os estudantes por uma Brasil mais justo e melhor para viver.
Feliz dia dos professores e uma boa resistência!
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