Setor privado na educação
“O ENVOLVIMENTO DO SETOR PRIVADO NA EDUCAÇÃO DEVE SER ESTRITAMENTE CONTROLADO”, DIZ RELATORA DA ONU
Investimentos para desenvolvimento devem priorizar o fortalecimento dos sistemas de educação pública, afirmou Boly Barry em relatório.
A relatora da ONU para o direito à educação, Koumbou Boly Barry, apresentou ontem, 26/6, seu mais recente relatório sobre a implementação do direito à educação e ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4 trazendo o contexto do crescimento de atores privados na educação. Ela indica que “o envolvimento do setor privado na educação deve ser estritamente controlado”.
A base de referência de seu relatório é o documento lançado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação e inúmeras entidades internacionais que atuam com direitos humanos e direito à educação, os Princípios de Abidjan, um conjunto de orientações aos governos, educadores e toda a comunidade interessada em assegurar o direito humano à educação pública e gratuita de qualidade.
Formulado após três anos de consultas, documentação e elaboração e adotado em 13 de fevereiro de 2019, no Encontro do Consórcio Global sobre Privatização da Educação e Direitos Humanos, na Costa do Marfim, por um comitê de especialistas e cerca de 50 organizações da sociedade civil – entre elas a Campanha Nacional pelo Direito à Educação -, o documento se torna um novo marco de referência no debate sobre a regulamentação do setor privado na educação no atual contexto global.
“Em primeiro lugar, a educação é um direito humano, um bem público e uma obrigação dos Estados”, disse Boly Barry. O objetivo do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4 (SDG 4) é garantir que até 2030 “todas as meninas e meninos recebam um ciclo completo de educação primária e secundária gratuita e de qualidade em pé de igualdade”.
Nas últimas duas décadas, ocorreram mudanças maciças e sem precedentes na estrutura dos sistemas educacionais, em que atores privados assumiram um papel mais forte em todos os países, disse a Relatora Especial. “Essas mudanças criam um fenômeno de privatização na educação e na educação, ameaçando o direito à educação e a realização do ODS 4. Peço a todos os Estados que regulem com firmeza esse setor”, disse ela.
“Eu lamento que o recurso ao setor privado agora se torne uma parte integral das estratégias de assistência ao desenvolvimento dos doadores”, disse a especialista. “Recorrer ao setor privado, em particular o setor comercial, na tentativa de resolver os problemas encontrados pelos sistemas públicos de ensino é um passo na direção errada e não deve ser visto como inelutável”.
Boly Barry advertiu que, embora a educação privada às vezes possa ser necessária para alcançar temporariamente o maior número de estudantes, assim como garantir a liberdade de educação e oferecer aos pais e alunos liberdade de escolha, o uso de atores privados com fins lucrativos leva a muitos abusos.
“Com demasiada frequência, buscando maximizar os lucros, esses atores o fazem através do recrutamento de professores não qualificados, da exclusão de alunos que não podem pagar propinas, infra-estrutura inadequada e classes superlotadas. Ao contrário do que alegam os atores comerciais, em muitos casos, a educação de baixa qualidade resulta da privatização da educação”.
“Os Estados-Membros, bem como as agências e organizações que fornecem ajuda ao desenvolvimento, não devem fornecer apoio financeiro às instituições de ensino comercial. O foco de qualquer assistência deveria ser o fortalecimento dos setores de educação pública ”, disse a Relatora Especial, acrescentando que esse princípio é destacado pelas Diretrizes sobre Participação do Setor Privado na Educação, recentemente adotadas em Abidjan.
Boly Barry disse que recentemente havia contatado a Parceria Global de Educação para expressar sua preocupação com a discussão sobre a possibilidade de financiar atores comerciais que trabalham no campo da educação, e que pretende continuar a discussão com eles sobre essa questão.
Contexto brasileiro
No Brasil, o avanço da privatização da educação tem tomado diversos contextos e tem se aprofundado nos últimos anos. O principal debate hoje em voga no país sobre educação discute o novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica – Fundeb e também é alvo de propostas de privatização da educação.
A EMC 3/2019, oferecida pelo deputado federal Tiago Mitraud (NOVO-MG) e pelo deputado federal Marcelo Calero (CIDADANIA-RJ), expressamente propõe o abandono da política de expansão de vagas no segmento público para adoção do modelo de parcerias com organizações da sociedade civil, texto cuja técnica abre o campo, inclusive, para a opção explícita pelo modelo de vouchers.
Nota Técnica da Campanha publicada nesta semana demonstra estudos em que os convênios com organizações da sociedade civil têm contribuído para a precarização da prestação dos serviços de ensino, da carreira e condições de trabalho dos profissionais do magistério e, por conseguinte, do próprio direito à educação, já que esse modelo conflita frontalmente com a diretriz de qualidade (art. 206, inciso VI da Constituição Federal de 1988). Neste sentido, a Campanha recomenda a rejeição da EMC 3/2019.
“Os recursos do Fundeb devem ser dirigidos exclusivamente às escolas públicas e a uma política de Estado comprometida com a expansão das vagas no segmento público, como prevê o art. 213 da Constituição Federal de 1988, que fez uma opção explícita pela transitoriedade das parcerias com a iniciativa privada, exclusivamente para atender os déficits de vaga nas escolas públicas no curso da implementação desta expansão”, afirma a nota.
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