Síndrome de Sinhá/Sinhô

Síndrome de Sinhá/Sinhô

A síndrome de Sinhá/Sinhô: fragilidade branca elevada à (pre)potência

O sentimento de superioridade nutrido no âmago da branquitude, consciente ou inconscientemente, está cravado na sua memória ancestral

Na esfera das relações raciais que se desenrolam em uma sociedade marcada pelo racismo como sistema de dominação e opressão, há entraves que, quando não entendidos e combatidos, perpetuam as práticas que alimentam as desigualdades. Quando criticamos as condições sociais o intento é trazer caminhos que levem ao equilíbrio social e à ruptura do padrão excludente que vigora em nossa sociedade e que transformam direitos em privilégios, uma vez que não são distribuídos de maneira justa e homogênea entre todas as camadas sociais.

Pois bem, um desses entraves podemos seguramente chamar de Síndrome de Sinhô/Sinhá, que acomete pessoas brancas de ambos os gêneros. É a continuidade do comportamento e pensamento colonial que habita no cerne emocional das pessoas brancas, alimentando sua noção de supremacia, de superioridade humana, herdada quase que geneticamente de seus antepassados violentos e gananciosos. Esse comportamento fomenta a reprodução de ações contraditórias que mostram claramente que há uma questão entendida pelo raciocínio, no caso o desejo de não ser racista, mas não pelo emocional, que domina o impulso inconsciente de extravasar a postura supremacista.

Os mais atentos ou os que estão em processo sincero de entendimento e questionamento das relações raciais no Brasil, enxergam de longe essa prática. Alerto que nem sempre é consciente, é verdade. Mas não ter consciência da reprodução de um comportamento pode ser sinal de desinteresse ou pouca autocrítica na resolução das sombras humanas que precisamos trabalhar, isso em todo e qualquer assunto.

Aliás, ainda que estejamos tratando de uma questão política, pois o racismo é uma disputa política pela hegemonia branca do poder, penso cada vez mais que observar nossas sombras humanas também é necessário nesse processo, afinal, uma das práticas mais bem-sucedidas do racismo é a projeção daquilo que a branquitude rejeita (em si mesma e no mundo que a cerca) em cima do outro, nesse caso, negritude e indígenas, dois grupos cuja trajetória social é terrivelmente atrasada pela desigualdade racial (Kilomba, 2015).

A branquitude precisa identificar o que rejeita em si mesma e o quanto isso é nocivo a ponto de projetar no outro a sua incapacidade de lidar com suas amarras emocionais. Isto posto, voltemos à reflexão que direciona o texto.

Esse sentimento de superioridade nutrido no âmago da personalidade social da branquitude, consciente ou inconscientemente, está cravado na sua memória ancestral.

E a ancestralidade branca é bastante comprometida por maldades e covardias direcionadas aos povos africanos em situação de escravidão. A prática colonial de dominação se estabelecia para além da restrição do espaço físico, representado pela senzala. Podemos afirmar que criou-se uma estratégia de confinamento mental das pessoas negras, uma senzala emocional, onde a força do açoite era o instrumento utilizado para inibir e coagir qualquer mobilidade, também do pensamento.

Partindo do princípio da projeção das sombras brancas nas existências negras, o mecanismo complementar era se enxergar como alguém biologicamente superior, com mais capacidade e mais merecimento que o seu “outro” projetado. Ou seja, desumaniza-se sujeitos negros para poder crer que a superioridade branca é real e legítima.

Essa mentalidade jamais foi questionada e segue sendo o motor das relações raciais no Brasil.

Como isso se manifesta em um país onde o mito da democracia racial criou ao menos três gerações de pessoas brancas encobrindo, até de si mesmas, essas ilusões de superioridade e uma geração de descendentes de africanos escravizados que, grosso modo, de alguma forma e em algum momento acabaram sendo convencidos de que essa “superioridade” existia.

Bem, nenhum brasileiro/a se pensa como racista, ainda que o racismo esteja por trás das estatísticas que apontam um plano de extermínio físico da população negra no país e que, ao colocarmos esses dados pesquisados e comprovados nas mesas de discussão, a grande maioria de pessoas brancas que ocupam espaços de poder e decisão negam que pretos morrem mais nas mãos da polícia do que brancos.

Mas ainda assim, existem aquelas pessoas brancas que pensam no racismo como um elemento do âmbito da moralidade e se sentem responsáveis em algum nível, por mais que precário status social que a população negra vivencia, sendo maioria absoluta em todos os índices de vulnerabilidade social.

Esses se propõem a lutar contra o racismo, gritam palavras de ordem, se colocam como “aliados na luta”( o que por si só já é difícil, já que os seus privilégios são o alvo da luta…). E óbvio que muitos têm a intenção real de acabar com esse problema social, até porque suas inteligências já os fizeram concluir que os efeitos das desigualdades não são unilaterais, ao contrário, em menor ou maior escala, atinge a todos. Mas esses aliados, em geral, não se questionam, não se auto-analisam, não fazem a autocrítica de suas ações, necessária para entender onde exatamente ele se encaixa na estrutura que não criou, mas se vale dos privilégios que ela construiu para pessoas com as suas características humanas.

 

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