Situação jurídica do ensino domiciliar

Situação jurídica do ensino domiciliar

Situação jurídica do ensino domiciliar no Brasil

Por Ana Luiza de Araujo Souza e Leonardo Barreto Ferraz Gominho

LEONARDO BARRETO FERRAZ GOMINHO

RESUMO

O presente trabalho aborda a situação jurídica da educação domiciliar no Brasil, bem como os aspectos jurídicos e sociais à cerca dos limites impostos pela legislação pátria sobre a autonomia dos pais na escolha da metodologia utilizada no processo educacional de seus filhos. Este trabalho também sublinha a importância da Escola como local para desenvolvimento dos valores sociais e da cidadania, visto que é através dela que o educando é orientado a entender e respeitar as ideias e concepções diversas da sua. A instituição escolar tanto é responsável pelo ensino formal, quanto pelo informal. Este trabalho tem por objetivo basilar, analisar à luz da Constituição Federal, da Lei de Diretrizes e Bases da Educacao Nacional, do Estatuto da Criança e do Adolescente, do Código Civil e do Código Penal Brasileiro se a prática do homeschooling possui ou não subsídios que permitam às famílias simpatizantes desse movimento aderir a essa metodologia de ensino. Para tanto, discorre-se primeiramente o contexto histórico da educação nacional, desde o Brasil Colônia até os dias atuais. Analisam o direito à educação antes as sete Constituições Federais que vigoraram no Brasil, bem como a legislação infraconstitucional que trata da obrigatoriedade da matrícula e frequência escolar no ensino básico. Aborda os casos e decisões judiciais das famílias que praticam a educação domiciliar no país. Menciona os projetos de lei e a proposta de emenda à constituição com o escopo de legalizar essa modalidade de ensino no país, que até então não foi recepcionada pelo ordenamento jurídico pátrio.

Palavras-chave: Direito Fundamental. Educação. Família. Estado.

ABSTRACT

This paper discusses the legal status of home education in Brazil, and the legal and social aspects about the limits imposed by the Brazilian legislation on the autonomy of parents in the choice of the methodology used in the educational process of their children. This work also highlights the importance of school as a place for development of social values ​​and citizenship, since it is through it that the student is guided to understand and respect the ideas and different ideas from yours. The school is responsible for both formal education and by informal. This work has the basic objective to analyze the light of the Constitution, the Law of Guidelines and Bases of National Education, the Statute of Children and Adolescents, the Civil Code and the Brazilian Penal Code if the practice of homeschooling or not the subsidies enable families supporters of this movement adhere to this teaching methodology. Therefore, it talks-first the historical context of national education from Colonial Brazil to the present day. View rights to education before the seven Federal Constitutions prevailing in Brazil and the constitutional legislation dealing with compulsory enrollment and attendance in primary education. Deals with the cases and judicial decisions of families practicing home education in the country. Mentions the bills and the proposed amendment to the constitution with the aim of legalizing this type of education in the country, which until then was not hosted by Brazilian legal system.

Keywords: Fundamental Right. Education. Family. State.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa à contribuição do conhecimento a respeito da situação jurídica do ensino domiciliar, embasado nos enfoques históricos, legais, doutrinários e jurisprudenciais à cerca dessa metodologia até então não recepcionada no ordenamento jurídico pátrio. Abordando a ligação entre a prática do homeschooling com abandono intelectual, conduta esta que se encontra tipificada no art. 246 do Código Penal Brasileiro, entendida por parte da jurisprudência, como algo inerente nesta modalidade de ensino.

Abre-se um espaço neste trabalho para apresentar as vantagens e desvantagens da educação domiciliar, bem como analisar até onde vai o poder familiar e o dever do Estado na garantia de não se deixar negligenciar o direito à educação de crianças e adolescentes, ramificando-se nas diversas vertentes do direito na busca de entender os posicionamentos, até então adotados pela legislação brasileira, como os casos trazidos à mídia de famílias que optaram em retirar seus filhos da escola para educá-los em casa e as respectivas decisões judiciais que trata da matéria.

Aborda-se no primeiro capítulo o direito fundamental à educação, a interpretação dos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais sobre o tema, discutindo a responsabilidade do Estado e da família em zelar pela educação da criança e do adolescente, frisando o papel de cada um destes como contribuintes para a formação do cidadão.

A argumentação a respeito da licitude ou ilicitude do homeschooling será apresentada no terceiro capítulo mediante análise das decisões judiciais dos casos que vieram à mídia das famílias que ilegalmente praticam a educação domiciliar, bem como os projetos de lei que visam legalizar dessa modalidade de ensino no país.

1. A ORIGEM DA EDUCAÇÃO DOMICILIAR

Considerada por muitos como uma nova modalidade de ensino, inovadora e moderna, a educação domiciliar foi à primeira forma utilizada para a transmissão de conteúdos de uma geração para a outra, através dos pais ou dos tutores que em seus domicílios ensinavam inicialmente as atividades essenciais e depois adentravam no campo de outras habilidades como a leitura, astronomia e a filosofia, que eram tidos como pressupostos para uma determinada função, logo esses assuntos só eram abordados por quem necessitasse desse conhecimento para desenvolver sua profissão.

Até o século XIX, mesmo com o surgimento das escolas, as famílias mais abastadas optavam pela educação domiciliar para seus filhos, logo grande personalidades da história mundial como Alberth Einstein e Leonardo da Vinci foram alfabetizados através dessa modalidade de ensino.

Chegando ao contexto contemporâneo, no qual, ocorre uma mudança social, alterando assim várias instituições e dentre elas, a família, tendo a educação institucional se transformado em regra, o que se pode ver é uma inversão de valores quanto a pratica do ensino domiciliar.

Em países como os Estados Unidos da América, o conceito de homeschooling foi difundido por Jonh Holt, o qual buscava solucionar problemas advindos das escolas norte americanas e até mesmo de outros países. Para Holt, o que existiam nas escolas era uma forma ríspida de obrigar as crianças a aprenderem, tornando-os artificialmente autoconscientes e paparicadores de professores, dando-lhes as respostas mais aceitas. Em seu livro “Freedom and Beyond”, ele alega que os problemas das escolas não estão na ceara do campo técnico, mas sim no socialEm meados dos anos 70, Holt passa a defender hipóteses de ensino domiciliar, evitando que as crianças não passassem por problemas e vícios que estão contidos nas instituições de ensino.

homeschooling, metodologia difundida nos Estados Unidos, cuja expressão pode ser entendida da seguinte forma: home que equivale a casa, lar e schooling, que significa escolarização. Logo adequando ao nosso idioma obtemos “educação domiciliar”, “ensino em casa”, “educação doméstica”, são termos usados para fazer referência ao ensino domiciliar, que é praticado principalmente por grupos religiosos, os quais se utilizam dessa prática, com o escopo de manter convicções e valores, considerados fundamentais para esse grupo, bem como é adotado para evitar o risco de assédio moral intitulado de bullyng.

Propagado por Holt, o homeschooling, ainda causa muitas discussões entre os adeptos e os não adeptos, sendo que nos Estados Unidos o número de famílias adeptas vem crescendo constantemente. Para tanto, é preciso que os interessados inscrevam-se no departamento de homeschooling da Secretaria de Educação do país para que assim os filhos sejam submetidos a provas trimestrais, bem como, receberem sugestões de materiais e leituras adequadas. Hoje esse método de ensino movimenta um mercado que se especializou na confecção de materiais próprios para os adeptos ao ensino no lar.

Países como Canadá, Inglaterra, México, Alemanha, Espanha, França, Austrália, África do Sul, Reino Unido, Nova Zelândia e Japão também adotam essa modalidade de ensino que se consolidou apenas em meados dos anos de 1980.

1.1. HOMESCHOOLING E A LEGISLAÇÃO NACIONAL

1.1.1 CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Nos dizeres do artigo 227 da Lei Maior[1], é dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar à criança e ao adolescente, dentre outros direitos, o direito à educação. O que evidencia uma responsabilidade compartilhada, um tríplice dever, no qual, cada instituição é insubstituível, devendo realizar um papel fundamental na formação dessas crianças e adolescentes.

Ainda no texto constitucional é oportuno examinar o artigo 206, no qual pugna que “o ensino será ministrado com base nos seguintes princípios” dentre eles “I- igualdade de condições para o sucesso e permanência na escola” (grifo nosso) (BRASIL, 2014, p.72).

O artigo 208 trata dos deveres do Estado em relação ao direito à educação, ou seja, especifica que parte do direito “de todos”, amplamente proclamado no artigo 205, como dever da família, da sociedade e do Estado, deve necessariamente ser assegurado por este último, através de políticas públicas específicas nas diferentes esferas político-administrativas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios).

Nesse sentido, modificar qualquer dos incisos do artigo 208, implica em alterar o conteúdo do direito à educação que pode ser exigido pela população perante o poder público. A Emenda Constitucional nº 59/2009[2] tanto amplia o dever constitucional do Estado em relação à educação como modifica a faixa de escolarização obrigatória.

A Convenção Sobre os Direitos da Criança e do Adolescente, adotada pela ONU no ano de 1989 e vigente desde 1990, define que toda criança terá direito à educação e o Estado deve oferecer compulsoriamente a educação primária de forma gratuita.

Nas tenazes do artigo 209, da Constituição Federal de 1988, “o ensino é livre à iniciativa privada”, porém deve-se atender aos requisitos impostos pelos legisladores nos incisos do mesmo dispositivo, quais sejam, “cumprimento das normas gerais da educação nacional”, ou seja, as normas contidas na LDB e “autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público” isso quer dizer que a educação deve ser provida em instituições de ensino autorizadas e avaliadas pelo Poder Público.

1.1.2 CÓDIGO CIVIL

Na sua concepção etimológica a palavra família deriva do latim e significa fames servantes dessa forma originariamente o conceito de família era usado para se referir ao conjunto de escravos e criados de propriedade de um só dono. Hoje, família representa a principal forma de organização do homem em sociedade, na qual se baseia em laços de parentesco.

Nesse sentido, Silvio de Salvo Venosa, (2003, p.16) entende que “a família em um conceito amplo é o conjunto de pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar. Em conceito restrito, família compreende somente o núcleo formado por pais e filhos que vivem sob o pátrio poder”.

Para o doutrinador Paulo Nader (2006, p.3), a família respalda-se em “uma instituição social, composta por mais de uma pessoa física, que se irmanam no propósito de desenvolver, entre si, a solidariedade nos planos assistencial e da convivência ou simplesmente descendem de uma da outra ou de um tronco comum”.

Dos ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves (2007, p.1) entende-se por família “todas as pessoas ligadas por um vínculo de sangue e que procedem, portanto, de um tronco ancestral comum, bem como unidas pela afinidade e pela adoção”. Além dos “parentes consangüíneos em linha reta e os colaterais até o quarto grau”.

Diante de tantos conceitos pode-se chegar ao entendimento de que família é uma instituição social formada por indivíduos unidos por laços afetivos sob o pátrio poder, no qual se origina os direitos e as obrigações que os pais têm em face dos filhos, sob pena de perder esse poder em caso de desrespeito a esses direitos. O poder familiar antes denominado de pátrio poder foi consagrado nos art. 1630 a 1638 do Código Civil de 2002.

Código Civil dispõe em seu artigo 1.634, que compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores, dirigirem-lhes a criação e a educação. Isso, no entanto, não seria fundamento legal razoável para justificar a interferência direta dos pais sob o regime estabelecido pelo Estado, que tem a finalidade de junto a família zelar pela frequência escolar, como forma de garantir as crianças e aos jovens o direito constitucional à educação.

1.1.3 CÓDIGO PENAL

Nos termos do artigo 246 do Código Penal Brasileiro, o abandono intelectual é um crime cometido pelos pais que deixarem de proporcionar aos seus filhos a instrução primária, consumando-se no momento em que os pais não matriculam os filhos, em idade escolar, nos estabelecimentos de ensino da rede pública ou da rede particular. Frise-se, que com o advento da nova Emenda Constitucional nº 59/2009, realizaram-se diversas alterações no que se refere à “idade escolar”, passando agora a ser compreendida dos 04 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade a educação no ensino básico, o qual deverá ser fornecido gratuitamente e obrigatoriamente.

Apesar de se tratar de um crime de menor potencial ofensivo e está contido nas regras da Lei Federal nº 9.099/1995 - Juizados Especiais -, o abandono intelectual é caracterizado como um crime omissivo próprio, visto que os sujeitos ativos são os pais; e não se admite tentativa. Entretanto, pode admitir justa causa, quando, por exemplo, não existir instituição de ensino na região ou o acesso a esta é extremamente difícil.

1.1.4 LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCACAO NACIONAL

Antes de dar continuidade ao presente estudo, ressalte-se que conforme a Constituição Federal caberá a União legislar sobre as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a qual regulamentará os dispositivos apresentados doravante.

Conforme determina o legislador pátrio no artigo 1º, do Título I, da Lei Federal nº 9.394/1996, a educação será dada através de um processo formativo, no qual, se incluem o convívio familiar, no trabalho, nas instituições de ensino e em todas as manifestações sociais e culturais.

Não distante, no artigo 2º da referida Lei, aponta que a educação é um dever atribuído tanto à família quanto ao Estado, com o escopo de preparar o educando para exercer sua cidadania e qualificá-lo para o trabalho.

Preceitua o artigo 4º, inciso I, do diploma em estudo, que a educação básica é obrigatória e gratuita para os educandos compreendidos entre os quatro e dezessete anos de idade.

O artigo. 5º, afirma que “O acesso à educação básica obrigatória é direito público subjetivo”, isso dá autonomia a “qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída e, ainda, o Ministério Público, acionar o poder público para exigi-lo” (grifos nossos).

O artigo 6º determina que seja dever, dos pais ou responsáveis, matricularem as crianças a partir dos quatro anos de idade nas séries de educação básica. Percebe-se aqui, que esse artigo disciplina apenas a educação ministrada nas escolas, portanto, não é aplicável àquelas famílias que optam pela educação domiciliar. E admitir uma interpretação diversa desse dispositivo seria o mesmo que aplicar o Código Tributário para solucionar qualquer impasse sobre o tema em tela.

Mesmo que, apenas por hipótese, a LDB (Brasil, 1996) seja considerada como uma lei aplicável a qualquer modalidade de ensino deve-se atentar para o fato de que ela mesma não exige que o aluno da educação básica (formada pela educação infantil e pelo ensino fundamental e médio) tenha escolarização anterior.

1.1.5 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

O artigo 55 do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe sobre a obrigatoriedade da matrícula do estudante no ensino básico regular, o que é interpretado pelos adeptos do homeschooling como uma obrigação aos pais em matricular seus filhos na escola.

2. ENFOQUE JURÍDICO DA EDUCAÇÃO DOMICILIAR NO BRASIL

2.1 ANÁLISE DO CASO DA FAMÍLIA COELHO

O casal Carlos Alberto Carvalho Vilhena Coelho e Márcia Marques de Oliveira Vilhena Coelho, residentes na cidade de Anápolis no Estado de Goiás, durante dez anos se encarregaram exclusivamente pela alfabetização e todo o processo de ensino e aprendizagem da educação de seus filhos, dando-lhes subsídios necessários ao progresso do ensino ministrado no lar, dispensando totalmente a vivencia daqueles na comunidade escolar.

Como intuito de materializar e formalizar o histórico escolar dos menores, os pais matricularam os educandos em dezembro de 1999, para a frequência do ano letivo de 2000, em uma escola particular de sua cidade. À época as crianças contavam com 06, 08 e 09 anos de idade. Submetidas a um teste pelo referido colégio, dentro das tenazes do artigo 24, inciso II, alínea c[3] da LDB, com os resultados obtidos estes foram enquadraram nas 1ª, 4ª e 5ª série, demonstrando que os estudantes estavam cerca de um ano adiantados nas suas séries correspondentes. Entretanto, a pesar de devidamente matriculados na escola, as crianças não frequentavam as aulas, ou seja, permaneciam estudando exclusivamente em casa e indo ao colégio apenas nos períodos de avaliações ou para a entrega e apresentação de trabalhos, mantendo sempre notas satisfatórias nas provas realizadas.

Com o intuito de manter a educação domiciliar dos filhos, o casal Vilhena Coelho, requereu administrativamente o direito de educar seus filhos em casa. Indo os autos ao Conselho Nacional de Educação, o relator do processo Ulysses de Oliveira Panisset, apresentou parecer manifestando-se contra o pedido dos requerentes, por entender que em vista da atual legislação pátria não há possibilidade de autorização do processo em tela.

Em contrapartida da decisão do Conselho Nacional de Educação, o casal Coelho impetrou mandado de segurança, alegando que os estudantes cumprem os conteúdos de diversidade apresentado na LDB, dessa forma, campeonatos esportivos, excursões escolares, feiras culturais ou de ciências são atividades presentes na agenda dos educandos, o que vai em total desacordo com o parecer do CNE. Logo entendem os impetrantes que compete ao Estado o papel coadjuvante, tendo este um dever supletivo e subsidiário em relação ao dever da família. Com isso, suscitam o deferimento da liminar para que seus filhos continuem estudando exclusivamente em casa.

Em acórdão julgado pela Primeira Seção do Tribunal de Justiça, por seis votos a dois, denegou o mandado de segurança impetrado pelo casal Coelho. Indeferiu-se o pedido de liminar visto a inexistência de um dos requisitos da cautelar, qual seja, a verossimilhança do direito. No entanto, a douta Subprocuradora Geral da República manifestou-se em parecer favorável pela concordância do mandado de segurança, a qual entende serem dos pais o direito de prover a educação dos filhos, cabendo à escola na qual os menores estão matriculados realizar as avaliações periódicas e ao Estado acompanhar a situação que se mostra um tanto quanto peculiar.

Dessa forma, o resultado do acórdão demonstra que não há possibilidade de reconhecimento do pedido dos impetrantes, em face da ausência de amparo legal e a ausência de direito líquido e certo.

Discordando do voto proferido pelo relator, os Ministros Franciulli Netto e Paulo Medina manifestaram-se favoráveis ao pedido requerido pela família Coelho. Em seu voto, o Ministro Franciulli Netto, afirmou que em análise aos artigos dispostos na Constituição Federal, os quais tratam do direito à educação, entende este que cada cidadão possui o direito de escolher o método de educação que melhor lhe convenha desde que este “proporcione seu pleno desenvolvimento, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (acórdão, pag. 24). E que apenas na educação tradicional a frequência escolar é imprescindível, não se aplicando necessariamente a uma forma diversa de aprendizagem.

Pactuando desse mesmo entendimento, o Ministro Paulo Medina, confirma em seu voto que compete ao Estado dispor de condições para que o cidadão almeje suas conquistas. Dessa forma, a escolha da metodologia educacional que se adéque a realidade do educando é de incumbência da família, a qual precede o Estado. Determinando assim, que “A função de educar compete à família. Ao Estado reserva-se a missão de tutela e guarda na consecução deste direito-dever”. (acórdão pag.55).

Ante o exposto, o caso em tela foi julgado em 24 de abril de 2002, resultando na denegação do mandado de segurança, no qual os autores pleiteavam o direito de educar seus filhos em casa, a pesar de devidamente matriculados numa escola da rede particular de ensino, na cidade de Anápolis/GO.

2.2 ANÁLISE DO CASO DA FAMÍLIA DE MARINGÁ-PR

O presente caso veio à mídia em 2011, através do Ministério Público, o professor universitário Luiz Carlos Farias da Silva e sua esposa, conseguiram autorização, do juiz da Vara da Infância e Juventude, para educar seus dois filhos em casa, os quais na época contavam com 11 e 12 anos de idade respectivamente. Eles já se encontravam fora da escola acerca de quatro anos por não conseguirem matricular-se em uma escola regular. Dessa forma, as crianças são instruídas pelos pais em todas as disciplinas exceto nas de inglês e matemática que são cursadas fora do domicílio.

Os educandos são avaliados periodicamente pelo Núcleo Regional de Educação de Maringá, o qual é vinculado à Secretaria de Educação do Estado, diante dos resultados obtidos nas avaliações de português, matemática, geografia, ciências, história, artes e educação física é elaborado um relatório, no qual indica a série compatível com o desenvolvimento do educando, informando também os aspectos psicossociais das crianças, tal documento é destinado ao juiz que dentre todo esse período de três anos, não se manifestou contra essa metodologia de ensino até então praticada.

Ressalte-se para o fato de inexistir decisão ou sentença transitada em julgado sobre o caso em comento, visto não existir nenhuma manifestação formal. O que não retira a possibilidade de contraditório em processo judicial na referida vara competente. Percebe-se que apesar de haver uma inércia do judiciário quanto à prática da educação domiciliar, existe uma preocupação por parte dos então avaliadores, pois estes demonstram preocupação e certo receio quanto a chegada dos menores no ensino médio, fase em que as matérias ficam mais específicas e consequentemente mais difíceis.

Na situação hora estudada o que se verifica é um caso de omissão e não de autorização para a prática da educação domiciliar, até porque a legislação pátria exige a frequência escolar. A tentativa frustrada de matricular os filhos numa escola não justifica sua ausência em sala de aula, se ainda nas séries do ensino fundamental os pais não conseguem instruí-los nas disciplinas de inglês e matemática, o que dirá quando chegarem às séries do ensino médio? E a solução é simples, retornarem a frequentar a escola.

2.3 ANÁLISE DO CASO DA FAMÍLIA NUNES

Na cidade de Timóteo no interior de Minas Gerais, os pais Cléber de Andrade Nunes e Bernadeth de Amorim Nines decidiram não mais matricular seus filhos na escola, adotando a prática do homeschooling. Após concluírem a 5ª e 6ª série do ensino fundamental as crianças que na época contavam com 10 e 11 anos de idade, foram afastadas da escola porque seus genitores estavam insatisfeitos com os resultados dos estudos desenvolvidos na instituição escolar.

Indignados com a atitude dos pais dos menores, os vizinhos da família os denunciaram ao Conselho Tutelar da cidade, o qual os encaminhou ao Ministério Público, tendo o referido órgão movido ação contra o casal, tanto na esfera cível quanto na penal, por estarem agindo de maneira ilegal, visto que não existe amparo na legislação nacional para a decisão por eles tomada, tolhendo aos filhos o direito constitucional à educação. Em contrapartida os demandados negaram que estivessem omitindo a educação as crianças. Entretanto, o Ministério Público promoveu ação contra o casal pela prática do crime de abandono intelectual, configurada no artigo 246 do Código Penal Brasileiro, além de propor aos jovens que realizassem um teste com a finalidade de verificar se estes estavam sendo orientados durante o tempo que se encontravam fora da escola. Os resultados obtidos mostraram notas superiores a 70% e 65%, demonstrando dessa forma que a os pais estavam instruindo seus filhos no lar.

Em sentença cível proferida pelo juízo monocrático, entendeu o nobre julgador ser a matéria em apreço considerada uma questão meramente de direito e tendo em vista que os representantes legais dos menores confirmaram a ausência dos filhos da rotina escolar, julgou o caso sem instrução probatória, fundamentando sua decisão nas tenazes dos artigos 208 e 209 da Constituição Federal, na Lei Federal nº 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educacao Nacional) e na Lei Federal nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) levando-o a concluir que a matrícula é ato obrigatório. E que a liberdade de ensino limita-se nas escolas, sejam estas públicas ou privadas, não cabendo à prática do ensino domiciliar. Neste contexto, o casal foi condenado nos termos do artigo 249 do ECA[4], com multa individual no valor de seis salários mínimos, bem como reingresso dos educandos na escola.

No que tange ao processo criminal, movido contra o casal Nunes por realizarem conduta tipificada como abandono intelectual, o juiz prolatou sentença mediante intenso debate a respeito do homeschooling e usou como parâmetro de sua decisão o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, alegando que o tema abordado é um problema sociopolítico e que avalia “sem justa causa” a conduta dos pais em terem excluído os filhos do seio escolar, lançando-os à própria sorte. Concluiu o magistrado que de acordo com o que estabelece a Magna Carta, que o tratamento educacional só está compreendido no bojo de um contexto jurídico, político e institucional de um modelo de sociedade, no qual o país busca construir. Ante o exposto proferiu sentença condenado o casal ao pagamento de multa simbólica de um décimo do salário mínimo vigente na época para Cléber e um trinta avos do valor do salário mínimo para Bernadeth, o que equivalia a R$ 51,00 e R$ 17,00, respectivamente.

Apesar das notas obtidas nos teste e da aprovação no vestibular de uma faculdade de direito, esses motivos não foram suficientes para que o Órgão Ministerial se manifestasse contra a apelação da sentença cível em primeiro grau proferida pelo Juizado da Vara da Criança e do Adolescente, a qual condenava os demandados ao pagamento de multa e a matrícula imediata dos educando na rede de ensino básico. No entanto, por entenderem que a então sentença feria princípios constitucionais, o casal utilizou-se do Recurso Extraordinário, argumentando quais os deveres do Estado e os direitos dados à família quanto à educação dos seus filhos, porém o Tribunal de Justiça de Minas Gerais negou provimento ao recurso, mantendo a sentença da instância anterior, o que segundo o relator do processo, Desembargador Almeida Melo, “O ensino brasileiro equipara-se ao de países de Primeiro Mundo e havia escolas públicas tão boas quanto as particulares. Na questão do ensino, o Brasil já deveria ser classificado como país de Primeiro Mundo”, inviabilizando dessa forma a decisão do casal na tentativa de educar os filhos em casa.

2.4 PROJETO DE LEI Nº 3.518-A, DE 2008

 

O Projeto de Lei nº 3.518 de 2008, de autoria dos Deputados Henrique Afonso e Miguel Martini, visa à legalização da educação domiciliar, através da alteração do artigo 81 da Lei Federal Nº 9.394/1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educacao Nacional (LDB), que disciplina a forma de organização de cursos ou de instituições de ensino experimentais de acordo com a lei. Tal projeto propõe que se acrescente parágrafo único ao referido artigo.

A justificativa para a alteração do artigo supracitado está no fato da família ser a principal engrenagem da educação, viabilizando assim, a prática da educação domiciliar, onde os pais ou responsáveis legais dos menores poderão prover a educação dos estudantes em casa, desde que comprovem através de testes periódicos que os educandos estão progredindo no curso ministrado em domicílio. Se o menor estudante obtiver notas abaixo da média exigida por lei nos teste de leitura, escrita e matemática, ao termino do ano a licença para educar em casa será convertida para uma licença temporária, garantido aos responsáveis pelo menor educando “mais um ano escolar de recuperação”, caso essa recuperação não logre êxito cancela-se a licença e o aluno deverá matricular-se e frequentar uma escola institucional no ano seguinte. Estendendo dessa forma a possibilidade de se testar e certificar os estudos efetivados fora da instituição educacional, assim como ocorre com a educação de jovens e adultos que não frequentaram a escola na idade devida.

Outrossim, em apenso o Projeto de Lei nº 4.122 de 2008, propõe a modificação do artigo 24 da LDB, no qual deverá dispor sobre exclusão da frequência escolar para os adeptos da educação domiciliar. Além disso, alude que se acrescente ao inciso II do Artigo 56, da Lei Federal n.º 8.069/1990, (Estatuto da Criança e do Adolescente), o parágrafo único onde desobrigará os dirigentes de estabelecimento a comunicarem ao Conselho Tutelar os casos de faltas dos educandos que estejam praticando a educação familiar.

Alegam os autores do projeto que a má qualidade do ensino básico, a violência nas escolas e as questões de ordem religiosa induzem os pais ou representantes legais de retirarem seus filhos das instituições de ensino e educarem em casa. E que a prática da educação domiciliar já registra cerca de 2 milhões de crianças e adolescente nas séries da educação básica, conforme dados informados pela UNESCO.

Apresentado à Câmara e recebido Pela Comissão de Educação e Cultura em junho de 2008, sendo encaminhado para as Comissões de Educação e Cultura (CEC) e Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC) para análise e elaboração de parecer. Em janeiro de 2011 o projeto foi arquivado, sendo este desarquivado a pedido do autor da obra, tendo como novo relator o Deputado Waldir Maranhão.

O voto do então relator foi desfavorável ao projeto de lei alegando-se inicialmente que as propostas trazidas no referido documento ferem a Lei Maior, bem como a Lei de Diretrizes e Bases da Educacao Nacional, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código Penal, os quais proclamam a matricula e a frequência dos educandos nas instituições de ensino pública ou privada.

2.5 PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 444/2009

A Proposta de Emenda à Constituição nº 444/2009, de autoria do então Deputado Wilson Picler, visa alterar o artigo 208 da Constituição Federal, acrescentando a este o parágrafo quarto, com a seguinte redação:

art. 208 (...) § 4º - O Poder Público regulamentará a educação domiciliar, assegurado o direito à aprendizagem das crianças e jovens na faixa etária da escolaridade obrigatória por meio de avaliações periódicas sobre responsabilidade da autoridade educacional.

Tal projeto está consolidado nos diversos casos de famílias brasileiras que estão praticando o ensino domiciliar e recorrendo as vias judiciais com o escopo de legalizar sua prática, obtendo o reconhecimento estatal dessa modalidade de ensino, visto que atualmente o ensino domiciliar não encontra amparo legal para sua prática além de punir seus seguidores nas tenazes da legislação nacional, como se verifica a título de exemplo, o caso da família Andrade Nunes, a qual foi processada civilmente por transgredir o Estatuto da Criança e do Adolescente sob pena de perderem a guarda dos filhos e penalmente pela conduta de abandono intelectual.

Em debate levado à Comissão de Educação e Cultura da Câmara sobre do tema, predominou o entendimento de que para a atual Constituição Federal a matrícula de crianças e adolescente em idade escolar é ato obrigatório, cabendo ao Estado, como um responsável no dever de educar, intervir nas situações em que estes se encontrem fora da escola. Portanto, pais ou responsáveis legais que não possuem a prerrogativa de escolher se efetivam ou não a matrícula dos menores nas escolas da rede pública ou privada, em vista de sua obrigatoriedade, sob pena de contrariarem os princípios constitucionais, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional e o Código Penal.

Diante da interpretação dos dispositivos legais entende o autor da proposta que:

(...) é possível amparar a experiência da educação domiciliar em nosso País, por um lado, com base nos princípios fundamentais da cidadania e da dignidade da pessoa humana, assegurando aos pais e responsáveis o direito de escolher o tipo de educação que querem dar a seus filhos e, por outro lado, garantindo às crianças e aos adolescentes o direito à educação, ou seja, à aprendizagem dos conteúdos mínimos fixados para o ensino fundamental e médio obrigatórios, com a recente extensão da obrigatoriedade do ensino também à faixa etária correspondente ao ensino médio pela Emenda Constitucional nº599, de 2009. Para isso, que o Estado regulamente o direito à educação domiciliar, de tal forma que os pais ou responsáveis possam obter da autoridade competente autorização para educar seus filhos em casa e que as crianças e jovens sejam regularmente avaliadas pela rede oficial de ensino e, como em algumas experiências internacionais a renovação dessa autorização esteja condicionada ao seu bom desempenho nessas avaliações. Cumpridas essas avaliações, não há porque o Estado não permitir às famílias brasileiras que assim o desejarem que seus filhos ou tutelados sejam educados em casa. (BRASIL. Projeto de Emenda à Constituição nº 444 de 2009).

Dessa forma, pode-se conclui que o autor da referida PEC, reconhece que a prática do ensino domiciliar não é aceita em nosso atual ordenamento jurídico, tendo em vista que de acordo com o artigo 208 da Constituição Federal, a educação básica é obrigatória e gratuita, o que justificam as diversas decisões judiciais pugnarem constantemente contra os adeptos desse movimento.

Em tramitação desde 08 de agosto de 2009, a PEC nº 444/2009, foi recebida pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, tendo como relator o Deputado Marçal Filho, o qual manifestou seu voto favorável à admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição nº 444 / 2009. Encontrando-se ainda sem apreciação do plenário.

2.6 PROJETO DE LEI Nº 3.179/12

 

Seguindo a linhas dos adeptos à prática do ensino domiciliar e buscando a legalização dessa metodologia de ensino no Brasil, o Deputado Federal Lincoln Portela apresentou o Projeto de Lei nº 3.179/2012, o qual tem por finalidade “acrescentar parágrafo ao art. 23 da Lei Federal nº 9.394/1996, de diretrizes e bases da educação nacional, para dispor sobre a possibilidade de oferta domiciliar da educação básica”. (PL nº 3.179/12). Dessa forma o texto do então artigo 23[5] da referida lei conteria o parágrafo terceiro, com o seguinte texto:

Art. 23(...) § 3º É facultado aos sistemas de ensino admitir a educação básica domiciliar, sob a responsabilidade dos pais ou tutores responsáveis pelos estudantes, observadas a articulação, supervisão e avaliação periódica da aprendizagem pelos órgãos próprios desses sistemas, nos termos das diretrizes gerais estabelecidas pela União e das respectivas normas locais”.(BRASÍLIA. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 3.179/2012.

Justifica o autor do então projeto em comento, que de acordo com a Constituição Federal, a educação é um direito constitucional de responsabilidade do Estado e da família, bem como é ato obrigatório o acesso à educação básica da criança e do adolescente, compreendidos entre 04 (quatro) e 17 (dezessete) anos de idade. Assim sendo, alega que não há óbice para que esse ensino tradicionalmente ofertado nas escolas, seja provido no lar, mantendo a qualidade e o acompanhamento pelo Poder Público, se assim for à vontade da família do educando. Para isso, deverá asseverar a legislação infraconstitucional a livre convicção das famílias em relação ao exercício da responsabilidade de educar seus filhos.

Em parecer realizado em 11 de setembro de 2012, pelo então relator Deputado Maurílio Quintella Lessa, o qual declara seu voto favorável à proposta suscitada pelo Projeto de Lei nº 3.179/2012, justificando sua decisão através de dados da Associação Nacional de Ensino Domiciliar, de onde obtém a informação que cerca de 400 famílias brasileiras praticam a educação domiciliar, motivadas pela descrença no ensino ministrado nas escolas, pela violência que assombra as instituições escolares, dentre outras causas. Alega ainda o relator, que é crescente o movimento em prol do ensino domiciliar no país e desde que haja um controle por parte do Poder Público a fim de que seja garantida a qualidade e a efetividade do ensino provido em casa manterá posicionamento favorável a presente proposta. Porém tal pronunciamento não chegou a ser apreciado pelo colegiado.

A Deputada Professora Dorinha Seabra Rezende designada como nova relatora do projeto em comento, manifestou-se favorável à proposta, visto que em seu discurso mencionou projetos anteriores a este que possuíam objetivo semelhante à proposta em análise e que todos foram rejeitados pela Comissão de Educação e Cultura.

A relatora finaliza seu parecer esclarecendo que para o sucesso dessa modalidade de ensino torna-se imprescindível a responsabilidade das famílias e das escolas oficiais nessa empreitada; que o órgão educacional responsável possua a documentação da família que adotar essa metodologia, bem como autorize formalmente a sua prática, além de acompanhar todo o desenvolvimento do aluno que está sendo educado fora da escola através de inspeções, avaliando-o periodicamente por intermédio das escolas oficiais, nas quais o aluno deverá está devidamente matriculado, sob o regime diferenciado e mantendo sua participação nos exames nacionais do ensino básico.

Em última tramitação realizada em dezembro de 2014, pela Comissão de Educação, o então Projeto de Lei nº 3.179/2012, de autoria do Deputado Lincoln Portela encontra-se com prazo de vistas encerrado.

CONCLUSÃO

Educar é um processo extremamente complexo, no qual estão envolvidos pressupostos políticos, sociais, pedagógicos, religiosos e éticos, formando com a junção de cada um desses elementos a construção de um ser social. Destarte, tal ato não pode ser encarado de maneira singular, uma vez que tem como finalidade atingir seu principal objetivo que é a participação ativa do indivíduo em sociedade, como um ser crítico capacitado para realizar seus atos de maneira coerente. Tais conceitos e conhecimentos encontram-se na escola enquanto instituição social, na qual dentre outras finalidades, reflete os interesses sociais na inclusão do indivíduo ao meio e nas suas experiências grupais. Nota-se também que todo processo escolar visa à consolidação da formação do cidadão, apresentando a este uma variedade de fatos e informações de grande relevância para que o aluno seja inserido no mundo.

No decorrer do presente trabalho constatou-se que até o presente momento, as experiências de o ensino domiciliar no Brasil afrontam princípios contidos na Constituição Federal, na Lei de Diretrizes e Bases da Educacao Nacional, no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Código Penal, visto que a matrícula de crianças e jovens no ensino básico é obrigatória. Neste sentido, segue o artigo , do Titulo II da LDB, que afirma que a educação é dever da família e do Estado. Assim, compreende-se, na mais singela das interpretações, que o ato de educar deve partir tanto da família quanto do Estado em uma ação conjunta.

Vislumbra-se que a educação conferida à família é aquela assistemática, dada por via informal no seio familiar, esta consiste nos primeiros contatos sociais da criança, como aprender a falar, a respeitar opiniões diversas da sua, a se comportar no convívio com outras pessoas, formando o caráter do indivíduo. Enquanto que a escola desenvolve seu papel, tanto como local de interação social, quanto de transmissão formal do saber.

Diante de uma análise tão complexa e minuciosa dos dispositivos legais ora citados, verifica-se que não se encontram possibilidades que permitam à família deixar de efetivar a matrícula dos filhos em idade escolar nas séries do ensino básico, até porque esta é realizada compulsoriamente nas instituições de ensino devidamente legalizadas.

Acrescente, por oportuno, que outros países permitem a prática do homeschooling, tendo para isso amparo legal. Saliente-se, ainda, que apesar da permissão legal para a prática, muito ainda se debate sobre a eficácia da educação domiciliar.

Ao se falar em educação domiciliar e a sua admissão no Brasil é necessário que se analisem os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, que organizam a educação no país.

Primeiramente, estudam-se os artigos contidos na Constituição Federal e tão logo se percebe que a educação básica é obrigatória para as crianças e jovens compreendidos entre quatro e dezessete anos de idade.

É obrigação estatal ofertar o ensino gratuitamente nas instituições públicas, zelando conjuntamente com os pais, pela frenquência escolar do educando, assegurando a este o acesso à educação. Pelo que está disposto em lei ordinária, verifica-se a reafirmação da matrícula e frequência escolar.

Destarte, não se encontra abertura na legislação pátria para que se pratique o homeschooling, o que torna inviável requerer judicialmente a liberação dessa modalidade de ensino, visto que não está garantido ou acobertado por lei, impossibilitando que o judiciário apresente decisão favorável àqueles que tentam adquirir o direito de educar seus filhos exclusivamente em casa, como se verifica nos casos trazidos à mídia de famílias que travam batalhas judiciais em prol dessa prática alegando que devido a falta de segurança, a violência e a baixa qualidade de ensino nas escolas seus filhos receberiam melhor orientação em casa, entretanto, tais demandantes não obtiveram êxito em suas empreitadas.

Diante das informações apresentadas neste trabalho, verifica-se que a tentativa de retirar os filhos da escola para educá-los em casa envolve uma série de fatores jurídicosque impedem a efetivação deste ato, tendo em vista que esses pais podem ser denunciados ao Conselho Tutelar, órgão não jurisdicional que tem por finalidade zelar pelos direitos da criança e do adolescente, fazendo com que a matrícula e a frequência do educando seja efetuada.

Na hipótese da ineficácia dessas medidas, entra-se na ceara jurídica, podendo os pais ou responsáveis legais do menor, serem tipificados na conduta descrita no artigo 246 do Código Penal, pelo crime de abandono intelectual. Além de terem que cumprir todas as determinações contidas na legislação que visam à garantia do direito à educação para crianças e adolescentes.

Ante o exposto, sublinhe-se que por força do Decreto nº 5.622/2005, o qual trata da Educação a Distância, admite-se a educação fora da instituição escolar em casos específicos, o que não se confunde com a legalização do ensino domiciliar em território nacional, visto que o decreto visa atender aqueles que por motivo de saúde, estejam impedidos de frequentarem a escola, e não por uma questão de ideologia, religião ou falta de satisfação no ensino institucional permitindo-se que os pais excluam da rotina de seus filhos a vivência escolar.

Atualmente, cerca de oitocentas famílias se declaram adeptas do Ensino Familiar no país conforme dados da Associação Brasileira de Ensino Domiciliar, ou seja, são dezenas de famílias que estão privando os seus filhos de participarem de um processo de ensino e aprendizagem que os preparará não apenas para o mercado de trabalho, mas também para a formação do cidadão capaz de atuar na sociedade, sabendo se impore respeitando as opiniões diversas das suas.

Entretanto, a solução para a baixa qualidade do ensino institucional no país não se resolve retirando os educandos da escola e consequentemente fechando suas portas, visto que a legislação pátria disponibiliza de meios e ferramentas para que se lute por melhores condições no sistema educacional.

Nesta diapasão, é muito mais produtivo se utilizar, por exemplo, de uma ação civil pública, a qual tem por escopo conferir ao cidadão o direito de ingressar em juízo na tentativa de dirimir atos administrativos praticados por pessoas jurídicas de Direito Público, a qual estáà disposição do cidadão, podendo assim sanar as insatisfações decorrentes de um ensino que se julgue defasado ou deficiente, sem a necessidade dese elidir o educando da escola.

Ante a análise das decisões judiciais que indeferiram os pedidos dos pais de educarem seus filhos em casa, apura-se que até o presente momento não existe norma legal que assegure aos demandantes o direito de educarem seus filhos em casa, tendo em vista que a prática do ensino domiciliar não se encontra regulamentada por nenhuma lei até então vigente, o que impossibilita o Poder Judiciário de deferir tal pedido, pois a legislação pátria não faz menção a essa metodologia alternativa de ensino, deixando uma lacuna que compete ao Poder Legislativo saná-la, visto que a matéria foge da seara judicial.

No intuito de legalizar o ensino domiciliar no Brasil foram elaborados Projetos de Lei e até mesmo proposta de emenda à Constituição a fim de inserir no ordenamento jurídico pátrio a educação domiciliar, possibilitando aos pais ou responsáveis legais de optarem pela metodologia de ensino que melhor se adéqüe aos seus conceitos de educação.

No entanto, tais propostas foram rejeitadas por ferirem princípios constitucionais, bem como a Lei de Diretrizes e Bases da educacao Nacional, o Estatuto da Criança e do Adolescente e até mesmo o Código Penal.

Além disso, em algumas propostas analisadas, seus autores não souberam explicar os procedimentos de avaliação do educando que optasse por essa modalidade de ensino, o que aumenta mais ainda o receio de se legalizar uma prática que ponha em risco o direito à educação das crianças e jovens, tendo em vista que compete também ao Estado zelar e não fragilizar esse direito.

Conclui-se então, que os dispositivos legais que tornam a matrícula e a frequência escolar da criança e do adolescente no ensino básico devem ser entendidas como uma conduta de salvaguardar os direitos e a integridade destes, assegurando a oportunidade de no cotidiano escolar aprender, desenvolver e aprimorar suas relações com o outro e com meio para que assim tornem-se um ser social.

REFERÊNCIAS

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______. Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995. 1995. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm>. Acesso em 01 dez 2014.

______. Acordão Superior Tribunal de Justiça. Disponível em http://jurisprudencia.s3.amazonaws.com/STJ/IT/MS_7407_DF_24.04.2002.pdf?Signature=SRtwW0Hq9oYzqwsgNff7azg6Uz0%3D&Expires=1421615281&AWSAccessKeyId=AKIAIPM2XEMZACAXCMBA&response-content-type=application/pdf&x-amz-meta-md5-hash=31051e6e708eb807ed4110d2a97b5a56>. Acesso em 13 jan 2015.

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NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil, Direito de Família, 3ª ed., Vol. 6, São Paulo: Atlas, 2003, p. 16.


[1]Art. 227 da CFB de 1988 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 2014, p. 77)

[2] Emenda Constitucional nº599 de 11 de novembro de 2009- As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do§ 3ºº do art.600 daConstituição Federall, promulgam a seguinte Emenda aotexto constitucionall:

Art.  Os incisos I e VII do art. 208 da Constituição Federal, passam a vigorar com as seguintes alterações:

"Art. 208.(...)

I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; (NR)

(...)

VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde." (NR)

Art.  O § 4º do art. 211 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 211 (...)

§ 4º Na organização de seus sistemas de ensino, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório."(NR)

Art.  O § 3º do art. 212 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 212.(...)

§ 3º A distribuição dos recursos públicos assegurará prioridade ao atendimento das necessidades do ensino obrigatório, no que se refere a universalização, garantia de padrão de qualidade e equidade, nos termos do plano nacional de educação."(NR)

[3] Art. 24. A educação básica, nos níveis fundamental e médio, será organizada de acordo com as seguintes regras comuns:

(...)

II - a classificação em qualquer série ou etapa, exceto a primeira do ensino fundamental, pode ser feita:

(...)

c) independentemente de escolarização anterior, mediante avaliação feita pela escola, que defina o grau de desenvolvimento e experiência do candidato e permita sua inscrição na série ou etapa adequada, conforme regulamentação do respectivo sistema de ensino;

[4] Art. 249. Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar: (Expressão substituída pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência. BRASIL.1990.

[5] Art. 23. A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar.

§ 1º A escola poderá reclassificar os alunos, inclusive quando se tratar de transferências entre estabelecimentos situados no País e no exterior, tendo como base as normas curriculares gerais.

§ 2º O calendário escolar deverá adequar-se às peculiaridades locais, inclusive climáticas e econômicas, a critério do respectivo sistema de ensino, sem com isso reduzir o número de horas letivas previsto nesta Lei.

 

Leonardo Gominho

Advogado e Professor Universitário

Possui graduação em Direito pela Faculdade de Alagoas (2007); Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina (2010); Especialista e Mestre em Psicanálise Aplicada à Educação e a Saúde pela UNIDERC (2013); Mestre em Ciências da Educação pela Universidad de Desarrollo Sustentable (2017); Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito das Obrigações, das Famílias, das Sucessões, além de dominar Conciliações e Mediações. Professor da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF -, desde agosto de 2014.




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