Sobre retomar aulas

Sobre retomar aulas

Por Laís Modelli e Luiza Tenente, G1

Crianças com máscaras durante inauguração de escola em Pequim — Foto: Greg Baker/AFP

Crianças com máscaras durante inauguração de escola em Pequim — Foto: Greg Baker/AFP

Com as portas fechadas desde meados de março por causa da pandemia de coronavírus, escolas no Brasil enfrentam a indefinição sobre a retomada das aulas. Quais foram as experiências de reabertura em outros países? 

O que a ciência diz sobre reunir crianças e jovens dentro de salas?

Os contrários à reabertura das escolas no Brasil durante a pandemia dão esses argumentos: 

  • O coronavírus atinge todas as pessoas, independente da idade

  • Crianças e adolescentes também podem morrer da Covid-19

  • A taxa de infecção entre crianças é, de fato, menor. Mas isso está relacionado com restrições à circulação dos menores na pandemia, e não com menor capacidade de uma criança se infectar

  • Crianças costumam ser assintomáticas, podendo espalhar o vírus para a família de modo silencioso e causar surtos

  • A ciência ainda não entende como ocorre a infecção nas crianças de acordo com a faixa etária

  • Centenas de milhares de profissionais da Educação Básica no Brasil são do grupo de risco

  • Reabrir as escolas aumentaria a circulação das pessoas diariamente

  • A prioridade neste momento deve ser a proteção da vida

  • Ainda é cedo para reabrir no Brasil, uma vez que a transmissão não está controlada

  • A quantidade de pessoas suscetíveis ao coronavírus é muito alta e os pesquisadores ainda não entendem direito como funcionam os anticorpos e os casos de reinfecção.

Os favoráveis à reabertura das escolas na pandemia argumentam que:

  • Crianças que desenvolvem quadros graves da Covid-19 são minoria

  • Mortes pelo vírus são raras em crianças, sobretudo as pequenas

  • O ensino a distância está aumentando as barreiras educacionais, uma vez que muitos alunos não têm acesso a internet

  • O fechamento das escolas está sobrecarregando as mulheres, geralmente responsáveis pelos cuidados dos filhos

  • Pesquisas indicam que períodos longos de distanciamento do ambiente escolar aumentam a evasão escolar e a violência contra crianças e adolescentes

  • Medidas de higiene e testagem com frequência permitiriam uma reabertura mais segura

Para discutir o tema, o G1 ouviu profissionais da saúde e do ensino e reuniu os estudos mais recentes sobre crianças e Covid-19, além de documentos de entidades de saúde, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Contra a reabertura

Uma das principais preocupações da ciência neste momento da pandemia, segundo o professor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), Daniel Lahr, é entender como as crianças reagem à infecção pelo coronavírus

               "Ainda não sabemos muitas coisas sobre como a doença [Covid-19] funciona na criança", diz Lahr.

"No mundo inteiro, quem ficou menos exposto ao vírus até o momento foram as crianças. Elas ficaram dentro de casa e os pais foram fazer as compras, trabalhar etc. Então, a gente tem um problema até amostral. Não dá para dizer se é seguro ou não [colocar as crianças em circulação], e cientista precisa ter precaução", afirma o professor da USP.

Abertura é prematura porque pandemia não está controlada no país

Um documento da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz considera prematuro o retorno às atividades escolares presenciais, uma vez que a transmissão da Covid-19 não está controlada. Por transmissão controlada, a instituição entende como:

  • Diminuição constante do número de hospitalizações e internações em UTI de casos confirmados e prováveis por, pelo menos, duas semanas seguidas

  • Diminuição do número de mortes da Covid-19 pelo menos nas últimas três semanas.

  • Um município ter pelo menos 30% de leitos disponíveis

Segundo o o epidemiologista da Fiocruz, Paulo Nadanovsky, uma vez que o vírus não está controlado na comunidade, as chances das crianças ou professores levarem a infecção para dentro das escolas é alta.

"A possibilidade de o Brasil ter novos surtos de coronavírus ao reabrir as escolas neste momento em que a transmissão não está controlada é grande. Isso tem que ser informado à sociedade: o risco de aumentar a transmissão é grande. Será muito surpreendente se um retorno agora não acarretar aumento dos casos e mortes da Covid-19", afirma Nadanovsky.

"A pandemia é como um incêndio. Ela começou em um lugar e foi se alastrando para outros. O problema é que não controlamos o fogo, ainda está acontecendo o incêndio. Se reabrirem neste momento, as escolas vão alimentar esse incêndio", diz o epidemiologista.

Crianças também morrem da Covid-19

Outro argumento levantado é que casos graves e fatais de covid-19 em crianças são raros, mas podem ocorrer.

No Brasil, pelo menos dez crianças entre 7 meses e 16 anos infectadas pela Covid-19 morreram após desenvolverem uma doença rara, a síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica, segundo o Ministério da Saúde.

Criança morre com doença rara associada a Covid em Pernambuco

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"Apesar de baixa porcentagem, existem relatos de que crianças que foram infectadas desenvolvem uma doença secundária semanas depois: o misc (síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica). É uma doença sistêmica muito séria que dá choque, envolve sistema cardíaco, intestinal, e uma inflamação generalizada muito complicada. E a gente não entende muito bem a resposta inflamatória", explica Lahr.

Um estudo publicado no dia 25 de agosto pelo Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) aponta que o vírus, em crianças e adolescentes, pode desenvolver uma síndrome rara no coração, o que pode causar a morte dos pacientes.

Crianças se infectam tanto quanto adultos

Um estudo publicado pelo CDC (Centro de Controle de Doenças) dos Estados Unidos analisou um surto de coronavírus ocorrido em um acampamento para crianças em junho. Após o surgimento de um primeiro caso em um adolescente entre os 597 participantes, 344 fizeram o teste e 260 (o equivalente a 76% dos testados) tiveram o resultado positivo em menos de uma semana.

Ao comentar a reabertura das escolas, a líder técnica da Organização Mundial da Saúde (OMS), Maria van Kerkhove, afirmou no dia 21 de agosto que "as crianças podem se infectar independente da faixa etária. A maioria delas tem a doença mais leve, mas elas também podem desenvolver a forma mais grave e algumas crianças morreram", disse.

Crianças transmitem tanto quanto ou até mais que os adultos

Pelo menos dois estudos americanos já encontram carga viral maior em crianças e adolescentes infectados pelo coronavírus quando comparados com pacientes adultos:

"Fiquei surpreso com os altos índices do vírus que encontramos em crianças de todas as idades, especialmente nos dois primeiros dias da infecção", disse Lael Yonker, um dos diretores do Hospital Geral de Massachussetts e principal autor do segundo estudo.

Covid-19: crianças e jovens têm carga viral maior do que adultos, diz pesquisa

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Crianças têm mais chance de serem assintomáticas

Um mapeamento feito pela Prefeitura de São Paulo em 6.000 crianças e adolescentes de 4 a 14 anos mostrou que mais de 64% das crianças infectadas pelo coronavírus são assintomáticas.

Nadanovsky lembra que crianças nas periferias das grandes cidades costumam morar com famílias maiores e em casas menores, onde diferentes gerações convivem juntas.

"Se essas crianças que moram com mais pessoas se infectarem e não apresentarem sintomas ou não forem testadas, vão criar um surto dentro de casa e em suas comunidades, onde o isolamento é mais difícil de ser seguido", afirma o pesquisador da Fiocruz.

Ressurgimento de casos após a reabertura em outros países

Após controlar os casos de coronavírus e reabrir as escolas em meados de junho, a Coreia do Sul voltou a registrar aumento de infecções diárias. Nas últimas duas semanas, pelo menos 150 alunos e 43 funcionários de escolas tiveram teste positivo na área metropolitana de Seul, segundo o Ministério da Saúde do país.

No dia 25, o governo anunciou que todos os alunos, exceto os do último ano do ensino médio, nas cidades de Seul, Incheon e na província de Geonggi voltarão para casa e terão aulas online até 11 de setembro.

Na França, 40 mil escolas foram reabertas no início de maio. Uma semana depois, 70 registraram casos de coronavírus e tiveram que ser fechadas.

Coreia do Sul anuncia medidas para conter novo surto do coronavírus

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Em Berlim, na Alemanha, pelo menos 41 das 825 escolas registraram casos de coronavírus entre os alunos duas semanas após reabrirem em agosto. No norte do país, dois grandes estabelecimentos foram fechados este mês.

"Se estes novos surtos ocorreram nos países europeus, que já estavam com as transmissões controladas, o mesmo pode acontecer no Brasil", explica Nadanovsky.

"Em uma sala de aula, você tem muitas pessoas juntas, em um ambiente fechado. Esta é uma situação [favorável] para o vírus circular", diz o epidemiologista da Fiocruz.

Em Jerusalém, uma das escolas mais tradicionais do país reabriu em maio, quando a curva de contágio do coronavírus apresentou leve queda. Após oito dias, surgiu o primeiro caso da infecção entre os alunos. Poucas semanas depois, a escola virou foco de um dos piores surtos de coronavírus em Israel, com 278 casos, em um universo de cerca de 1.350 alunos e funcionários.

"Em Israel, escolas foram abertas em momento de pandemia acelerada. O resultado foi desastroso. O coronavírus é um parasita, funciona a partir de oferta [de pessoas suscetíveis]. Se a oferta está crescendo, o vírus cresce", analisa o professor Lahr.

Reabrir colocaria mais pessoas em circulação

A infectologista Lívia Ribeiro, membro da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, defende que a reabertura das escolas aumentaria a circulação diária das pessoas nas ruas, criando novas oportunidades para o vírus se transmitir.

"Entendo os prejuízos causados pelo fechamento das escolas, mas, no momento, acredito que não deveriam retornar às atividades. Não só pelas medidas de higiene e precaução no ambiente escolar, mas também pelo aumento significativo na circulação de pessoas, inclusive no transporte público", afirma Ribeiro.

Milhares de profissionais de educação são grupo de risco

Documento publicado em maio pelo movimento Todos Pela Educação sobre o debate em torno da reabertura das escolas informou que a Educação Básica brasileira (infantil, fundamental e médio) é composta, em sua maioria, por profissionais que são do grupos de risco ao coronavírus.

"São mais de 80 mil docentes na Educação Básica com mais de 60 anos e quase 500 mil acima de 50 anos, faixa etária considerada de maior risco na atual pandemia", informa o documento do Todos Pela Educação.

A favor da reabertura

Novas regras de higiene serão necessárias às escolas na volta às atividades, mas reabertura no Brasil divide opinião dos especialistas. — Foto: AFP

Novas regras de higiene serão necessárias às escolas na volta às atividades, mas reabertura no Brasil divide opinião dos especialistas. — Foto: AFP

Os argumentos em torno da retomada gradual das aulas presenciais neste momento da pandemia relacionam o afastamento do ambiente escolar com o aumento das violências contra crianças e adolescentes, das desigualdades sociais e da evasão escolar.

Foi com base nesses argumentos, por exemplo, que o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino Comercial no Estado de São Paulo (SIEEESP) entrou com ação na Justiça de São Paulo pedindo o retorno das aulas presenciais nas escolas particulares do estado.

"Temos vários estudos que mostram que a escola particular está pronta para o retorno, com protocolos assinados por especialistas e escolas preparadas com várias ações efetuadas para esse retorno, como mudança no layout para atender de 20 a 30% dos alunos em rodízio. Termos estudos que mostram a necessidade desta volta às aulas por parte das crianças e daquelas famílias que necessitam, mas respeitando aqueles que ainda tenham algum receio, pois as aulas serão híbridas", disse o presidente do SIEEESP, Benjamin Ribeiro da Silva, sem citar os estudos em questão.




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