Foto: Banco de imagem            Reportagem: Thales Lima

O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional lei que proibia a utilização de materiais que abordasse sobre gênero e sexualidade dentro das escolas.

A agenda de censura e perseguição a docentes e escolas com projetos que debatem a diversidade de gênero e sexual se tornou ação coordenada por grupos religiosos vinculados a partidos políticos em uma movimento contra a chamada “ideologia de gênero”.

A última polêmica envolveu ação julgada pelo Supremo impediu que a Lei 1.516 de 2015 aprovada pela Câmara Municipal de Nova Gama, em Goiás, permanecesse em vigor. Além de proibir a utilização dos materiais com conteúdos sobre gênero e sexualidade, a lei municipal obrigava que todo conteúdo a ser utilizado em sala de aula deveria passar por uma análise.

Após conhecimento do fato em 2017, a Procuradoria Geral da República (PGR) encaminhou para que o STF julgasse a constitucionalidade da medida. A PGR afirmou em seu parecer que a lei viola princípios constitucionais como o direito à igualdade, a laicidade do estado, a liberdade educacional e a usurpação da competência privativa da União em legislar sobre diretrizes e bases da educação.

Não é a primeira vez que o STF julga normatizações baseadas na “ideologia de gênero”. Desde 2014, quando o Ministério da Educação tentou incluir educação sexual, combate às discriminações e promoções da diversidade de gênero e orientações sexuais no Plano Nacional de Educação (PNE), o tema ganhou vários críticos. Sustentados, sobretudo, por uma fundamentação religiosa, a expressão “ideologia de gênero” emprega um sentido negativo às discussões que envolvem as diversidades de gênero e sexual e que, segundo esse movimento, prejudicam os valores da família.

“A ideia é fazer crer que a diversidade sexual e de gênero é uma invenção  ideológica, sem base científica, que foi forjada pelos que querem destruir um modelo tradicional que entende o gênero e orientação sexual como dados ao nascer e que qualquer possibilidade fora desse modelo é anormal”, explica o pesquisador Antônio Sardinha, especialista em estudos de gênero e sexualidade e direitos humanos.

Ao adentrar o campo político, a expressão começa a ser base para movimentos mais reacionários que defendem o modelo binário de expressão de gênero – homem e mulher definidos pelo sexo biológico -, além de fazer criticas  a agenda feminista que propõe autonomia e direitos para mulheres contra violência machista.

Um desses movimentos é o denominado Escola Sem Partido. Criado em 2004 e organizado por pais de alunos, o movimento é atrelado a princípios de uma educação apartidária, livre de ideologia e sem doutrinação. Camuflado por uma “neutralidade” no ensino, enfrentam o que chamam de “um exército organizado de militantes travestidos de professores” que “impingir-lhes a sua própria visão de mundo”, segundo o site do movimento.

O movimento ganhou força nas eleições de 2018, com a onda reacionária sustentada por grupos e partidos de extrema direita. O Escola Sem Partido deu origem a diversos projetos de leis em todas as esferas do legislativo – municipal, estadual e federal.

“A escola é sem partido no discurso,  na prática é uma escola com religião, porque querem tornar as ações de educação uma ferramenta para ampliar o processo de segregação da diversidade de gênero e sexual no espaço escolar, excluindo não só alunos LGBTs do acesso à educação, como retirando o direito de debater gênero e sexualidade como conteúdo para fundamental formação cidadã de um aluno. A base que sustenta a escola sem partido é moralista e religiosa que ataca a escola como espaço laico”, diz Sardinha.

Cerca de quatro projetos de leis tramitaram tanto na Câmera dos deputados como no Congresso Nacional. Em comum, as iniciativas pretendiam alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). As alterações defendiam educação baseada no respeito à convicção do aluno e em valores familiares, o que na prática impede o debate sobre gênero e sexualidade para além dos padrões considerados corretos (o heterossexual).  

Ou seja, os projetos defendiam que a família é quem tem a responsabilidade para decidir a educação dos alunos, mesmo no espaço escolar. Além disso, uma convicção moral ensinada pela família não poderia ser discutida no processo formativo do estudante. 

Atualmente, o movimento vem perdendo força. Os projetos de leis não avançaram na tramitação no Congresso. Leis aprovadas em municípios e estados brasileiros com base no movimento foram derrubadas, depois de declaradas inconstitucionais pelo STF.