Teatralização golpista
Do tarifaço de Trump à teatralização golpista: os ataques à soberania e ao Estado de Direito no Brasil
08/08/2025
Por BENEDITO TADEU CÉSAR
Do tarifaço de Trump à teatralização golpista: os ataques à soberania e ao Estado de Direito no Brasil
O Brasil dos primeiros dias de agosto de 2025 enfrenta uma ofensiva em duas frentes: pressões externas para constranger sua política soberana e sabotagens internas para corroer as instituições democráticas. O tarifaço de Trump, a atuação de Eduardo Bolsonaro junto a forças estrangeiras, a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro, a encenação bolsonarista no Congresso e, agora, a aliança oportunista entre o Centrão e a extrema direita para blindar parlamentares do alcance do Judiciário, não são fatos isolados — compõem um mesmo roteiro de enfraquecimento da soberania e do Estado de Direito.
1. O tarifaço como arma política
As tarifas impostas por Donald Trump contra produtos brasileiros são um ato de coerção política travestido de decisão econômica. Sob o pretexto de defender Jair Bolsonaro, o ex-presidente norte-americano transforma o comércio internacional em instrumento de chantagem.
A reação do governo Lula — acionar a OMC, invocar a Lei da Reciprocidade e reforçar laços no BRICS — tenta evitar que o Brasil se curve ao arbítrio de Washington. Mas sem políticas internas de amortecimento aos setores produtivos atingidos, a ofensiva externa pode corroer a base de apoio ao governo.
2. Traição como método político
Eduardo Bolsonaro não se comporta como parlamentar de oposição, mas como operador de uma política externa paralela contra o próprio país. Ao apoiar sanções estrangeiras e acionar legislação norte-americana contra autoridades brasileiras, age para enfraquecer as instituições nacionais e normaliza a ideia de que crises internas podem ser “resolvidas” por potências estrangeiras.
3. Continuidade de um projeto golpista
A atual escalada não é improvisada: é a continuação da conspiração que culminou no 8 de janeiro de 2023. Antes daquela data, a preparação incluiu:
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Acampamentos em frente a quartéis acobertados por comandantes militares.
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Plano de explosão de bomba no aeroporto de Brasília para criar pânico e justificar ações extremas.
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Tumulto na diplomação de Lula e tentativa de invasão da PF.
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Plano para assassinar Lula, Alckmin e Moraes, revelado por investigações.
A lógica de corrosão institucional permanece: ontem com atos violentos, hoje com a teatralização calculada.
4. A teatralização da crise e o desafio à autoridade
A encenação no Congresso foi detonada pela prisão domiciliar de Jair Bolsonaro e pela tornozeleira eletrônica imposta ao senador Marcos do Val. O temor entre bolsonaristas é que medidas semelhantes sejam aplicadas a outros parlamentares.
A ocupação das mesas diretoras da Câmara e do Senado, com correntes e adesivos na boca, foi coreografada para produzir imagens de vitimização e “resistência” fabricada. O ato mais grave foi a recusa do deputado Marcel van Hattem — que, na ânsia de posar como “paladino da liberdade”, terminou comportando-se como um bedel rebelde de grêmio estudantil — em deixar a cadeira da presidência da Câmara, mesmo diante de ordem expressa.
Os presidentes da Câmara, Hugo Motta, e do Senado, Davi Alcolumbre, reagiram condenando a invasão e exigindo a retomada da ordem. Mas a reação verbal, por si só, é insuficiente. Sem a aplicação de punições claras e exemplares aos responsáveis — começando por van Hattem e passando por todos os que participaram da ocupação —, sua autoridade ficará comprometida. Um presidente de Casa legislativa que tolera insubordinação pública perde mais do que prestígio: perde o controle político e abre espaço para que a regra seja substituída pelo tumulto como método.
5. O pacto de blindagem: Centrão e bolsonaristas contra o Judiciário
O motim foi encerrado por um acordo entre o Centrão e parlamentares bolsonaristas, costurado pelo ex-presidente da Câmara – Arthur Lira – que, na prática, institui um pacto de autoproteção contra o STF e a PGR. Esse acerto prevê que o Legislativo reagirá a qualquer medida judicial contra deputados ou senadores, blindando-os com prerrogativas regimentais.
Essa convergência entre oportunismo e radicalismo é mais corrosiva que o próprio motim: transforma o Congresso em refúgio para a impunidade e fragiliza a independência dos Poderes. Trata-se de um “condomínio da autoproteção” em que a lei deixa de ser critério e dá lugar às conveniências políticas.
6. Cenários possíveis
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Afirmação soberana: usar a crise externa como catalisador para diversificar mercados e reduzir dependência econômica.
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Erosão institucional acelerada: se a blindagem prosperar e a punição não vier, o Congresso se tornará território livre para insubordinação e impunidade.
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Radicalização contínua: a extrema direita seguirá na lógica de confrontação simbólica e real, agora respaldada por alianças pragmáticas.
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Fortalecimento possível: somente ações coordenadas entre Executivo, Judiciário e setores responsáveis do Legislativo poderão romper o pacto de autoproteção e restaurar o primado da lei.
O Brasil enfrenta um momento em que a defesa da soberania e da democracia exige tanto resistir à pressão externa quanto impedir que a impunidade se torne norma interna. A teatralização golpista, a blindagem corporativa e a omissão na aplicação de punições configuram um risco sistêmico. O silêncio e a complacência, neste contexto, não são neutralidade — são cumplicidade.
Benedito Tadeu César
Benedito Tadeu César é cientista político e professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Especialista em democracia, poder e soberania, integra a Coordenação do Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito e é diretor da RED.
Ilustração da capa: Senadores “acorrentados” na mesa do Senado e o deputado van Hattem de birra se recusa a ceder a cadeira do presidente da Câmara. – Imagem gerada por IA ChatGPT a partir de fotos divulgadas nas redes sociais.