TI esbarra na falta de educadores
Educação de turno integral esbarra na falta de educadores em Porto Alegre
Horários reduzidos e liberação antes do previsto atrapalham a rotina das famílias
04/08/2023 JÔNATHA BITTENCOURT
Na última segunda-feira (31), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei que institui o Programa Escola em Tempo Integral com um objetivo ambicioso: alcançar, até o ano de 2026, cerca de 3,2 milhões de matrículas nesta modalidade. Em Porto Alegre, o desafio é grande. Das 52 escolas de Ensino Fundamental apenas cinco já atuam com ensino integral, atendendo 1.917 alunos. Além disso, segundo famílias ouvidas pela reportagem, ainda não é possível ter garantia de uma jornada completa dentro das instituições. Secretaria Municipal de Educação (Smed) reconhece problema envolvendo a falta de professores e monitores.
Aline Carvalho Magalhães mora na zona sul de Porto Alegre. Quase todas as noites, vive uma verdadeira tensão sobre o dia seguinte de uma das filhas. A menina de oito anos estuda na Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Neusa Goulart Brizola, no bairro Cavalhada. O estabelecimento deveria funcionar de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h. Mas nem sempre é assim.
— Tu não tens a segurança de dizer que é de turno integral. Todas as quintas-feiras, por exemplo, as crianças soltam às 14h. Tem dias em que não há professores. Tem dias em que as cozinheiras da escola paralisam porque não receberam salário ou passagem. Tu tens que estar toda hora de olho nas mensagens do WhatsApp e do Instagram para saber como vai ser a aula do teu filho no dia seguinte. Muitas vezes, à noite, vem a mensagem avisando que tem serviço de desratização ou que uma turma só entrará à tarde — relata Aline.
A escola Neusa Goulart Brizola foi "escolhida a dedo" pela analista de projetos justamente por causa do turno integral, mesmo estando a 30 minutos de caminhada da casa da família. Como o atendimento nem sempre acontece no horário previsto, Aline acaba tendo a rotina impactada frequentemente. Para a outra filha, a mãe solo conseguiu uma bolsa integral de estudos numa escola de ensino privado.
— Eu nunca sei como vai ser o dia de amanhã. Para eu conseguir ter um equilíbrio psicológico no meu dia a dia eu pago a mãe de uma ex-coleguinha para buscá-la nesses horários diferentes.
Turno integral não esbarra apenas no RH
Se na escola Neusa Goulart Brizola o problema envolve recursos humanos, na Emef Gilberto Jorge, localizada no bairro Ipanema, a questão é estrutural. A instituição conta com 11 turmas, mas só cinco cumprem o horário integral, das 8h às 17h. A justificativa é que a quantidade de salas de aula é insuficiente. Apenas alunos do 1º ao 6º ano são contemplados na modalidade de horário estendido.
Uma dificuldade semelhante é constatada na Emef Professora Ana Íris do Amaral, no Morro Santana. Das 20 turmas existentes, 10 estão integralizadas, alcançando estudantes da Educação Infantil ao 4º ano. Segundo a direção da escola, a expectativa é de que a integralização alcance o 5º ano ainda em 2023, já que as salas modulares estão sendo concluídas no local.
Meta é contratar mais professores e profissionais
A Smed reconhece a existência de um problema crônico envolvendo a falta de professores e monitores. Por outro lado, a pasta espera suprir as carências através da nomeação de mais profissionais.
Ainda em agosto, a prefeitura planeja lançar um programa de inclusão que prevê a contratação de mais de 350 profissionais para atendimento a alunos atípicos – crianças ou adolescentes com deficiência, transtorno do espectro autista e altas habilidades/superdotação. A intenção do município é remanejar os monitores, que hoje atuam provisoriamente na Educação Especial, para suprir a demanda existente nas escolas de tempo integral, tanto as de Ensino Fundamental quanto as de Ensino Infantil.
Paralelamente, um concurso público realizado para a contratação de professores já foi homologado e o poder público municipal informa que analisa a viabilidade financeira para o chamamento. A Smed sustenta ter chamado desde 2021 mais de 900 professores. De lá para cá, a pasta contabilizou muitos afastamentos por motivos de saúde, aposentadorias, pedidos de exoneração de educadores que optaram pela atuação no ensino privado, em outros municípios ou ainda na rede pública estadual.
Novas escolas
Segundo a Smed, o turno integral está sendo implementado gradativamente na rede municipal de ensino. A única instituição que foi construída, desde a sua concepção, para tal finalidade é a Escola Municipal de Ensino Fundamental Porto Novo, no bairro Santa Rosa de Lima. As demais escolas ainda precisam ser ampliadas através de adaptações.
Esses números, garante a Smed, devem mudar em 2024, pois está prevista a inauguração da Escola Municipal João Carlos D’avila Paixão Côrtes (Emef Laçador), na Vila Ipiranga. A escola deverá atender em tempo integral, a princípio, do 1º ao 5º ano.
Sobre aderir ao novo programa federal, a secretaria afirma que ainda estuda os detalhes do plano "em relação aos recursos que serão disponibilizados ao município" para analisar a viabilidade.
Problemas também alcançam a Educação Infantil
No outro lado da Capital, na Zona Norte, mora Daniela da Rosa Pacheco. Seu filho de quatro anos frequenta a Escola Municipal de Educação Infantil (Emei) Humaitá, que deveria funcionar em período integral, das 7h às 19h - horário estipulado para a primeira etapa da Educação Básica. Só que, com a falta de profissionais, o atendimento se encerra duas horas antes do previsto, afetando a rotina da recepcionista, que trabalha no Centro Histórico.
— No começo do ano, o meu horário de trabalho era das 8h30min às 18h. Eu pedi para a minha chefia mudar, e comecei a fazer das 8h às 17h. Mas, mesmo assim, não conseguia chegar no bairro para buscar ele na escola. Então, pela terceira vez, eu mudei de horário: faço das 7h até as 16h. Combinei com o meu esposo de deixar nosso filho pela manhã. Eu busco na parte da tarde.
Daniela até tentou ligar para a Secretaria Municipal de Educação (Smed) em busca de respostas, mas afirma não ter sido atendida. Apenas conseguiu protocolar uma reclamação na ouvidoria e teve como retorno a orientação de aguardar um posicionamento da secretaria.
— Eles podem até diminuir o quadro de funcionários, mas a gente continua pagando os mesmos impostos. Não ganhamos desconto porque a escola tem menos ou mais funcionários — pontua.
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