Tortura e racismo em escola militar
Mães denunciam tortura e racismo em escola com projeto da Polícia Militar no Amazonas: ‘Daqui, vocês vão tudo para o presídio’
Estudantes teriam sido obrigados a passar horas debaixo de sol, sob ameaças e agressões

Escola Estadual Juracy Batista Gomes, no bairro Mutirão, em Manaus
- Divulgação/Ana Pinheiro
Na tarde da quinta-feira (25), a temperatura em Manaus, no Amazonas, ultrapassava os 30 graus. Naquele dia, dezenas de alunos da Escola Estadual Professor Juracy Batista Gomes passaram cerca de três horas sentados no chão da quadra, debaixo de sol, sob vigilância de policiais militares. Com a justificativa de cortar os cabelos dos meninos no estilo militar, os policiais ameaçaram e agrediram os jovens.
“Quando tiver rebelião, é assim que vão tratar vocês”, teria dito um dos policiais, obrigando os meninos a encostarem o rosto no chão. O relato vem de Joice*, mãe de um adolescente de 13 anos. O jovem chegou a ser agredido com um chute no tornozelo.
Por causa da lesão, ele não pôde participar de uma competição esportiva. “Ele é um ótimo menino”, afirma a mãe. Ultimamente, no entanto, o adolescente se tornou agressivo, e a mãe acredita que a mudança no comportamento é resultado das violências. “Ele está agressivo, não dorme direito”, diz.
A violência contra os estudantes, embora tenha alcançado o auge na quinta-feira, já marca presença na rotina escolar há meses.
Localizada no Mutirão, um bairro periférico da zona leste de Manaus, a Escola Estadual Professor Juracy Batista Gomes, que atende estudantes do ensino fundamental, recebe ações no Programa Escola Segura, Aluno Cidadão (Pesac) que, em teoria, tem a proposta de reduzir a violência no ambiente escolar.
Na prática, o programa resulta em agressões, constrangimentos e episódios de racismo. “O professor constrangeu ela no meio da aula, falando que ia raspar a cabeça dela se não amarrasse o cabelo”, conta outra mãe, cuja filha, uma adolescente de 14 anos, tem os cabelos cacheados. Enquanto os meninos são obrigados a manter o corte militar, as meninas devem ter os cabelos presos. Brincos e relógios são proibidos.
O Brasil de Fato conversou com três responsáveis por estudantes da escola. Os nomes das pessoas entrevistadas serão mantidos em sigilo, pois todos temem represálias. Na tarde desta segunda-feira, um grupo de mães procurou apoio na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Escola atende alunos do Ensino Fundamental – Divulgação/Ana Pinheiro
Após ouvir os relatos, o advogado Silas Franco, da Comissão de Direitos Humanos da OAB, concluiu que os jovens foram submetidos a uma série de violações de direitos humanos.
“Não foi uma ação de cidadania”, define o advogado. “Foi assim, à revelia mesmo. Foi a força. Foram lá e cortaram o cabelo dessas crianças, dizendo que, por exemplo, determinado corte é corte de facção. Então, você tem que cortar esse cabelo”.
Como ficaram horas debaixo do sol quente, alguns adolescentes chegaram a passar mal. De acordo com Joice, os policiais ficavam caminhando ao redor dos jovens, proferindo ameaças. “É assim que vai acontecer com vocês, porque daqui, um dia vocês vão tudo para o presídio”, teriam dito.
Os insultos e agressões eram direcionados, sobretudo, aos adolescentes que se recusavam a cortar o cabelo. No entanto, mesmo aqueles que estavam de acordo com o padrão imposto pelos PMs sofreram as violências.
“Meu filho, na hora, estava lá”, conta a mãe de outro adolescente que, naquele dia, já estava com o cabelo cortado no padrão exigido pela escola. “Mesmo assim, ele foi xingado de delinquente”, diz.
Na tarde desta segunda-feira, um grupo de mães se reuniu diante da escola para conversar com o representante da OAB e com Ana Pinheiro, que integra a direção da Maloka Socialista, uma organização política da periferia.
“Eu estou um pouco horrorizada com tudo que eu ouvi das mães e dos próprios alunos”, diz Pinheiro. “Porque ninguém espera levar seu filho para a escola, que é um local de aprendizado, de convivência comunitária e que deveria ser de segurança. Ninguém leva seu filho para esse espaço para levar porrada e ser chamado de bandido”.
As mães informaram que irão levar o caso ao Ministério Público. O Brasil de Fato entrou em contato com as secretarias de Educação e de Segurança Pública do Amazonas, mas não teve retorno até a publicação deste texto.
Sobre o Pesac
Criado em 2018, o programa Escola Segura, Aluno Cidadão (Pesac) é uma parceria entre a Secretaria de Educação e a Polícia Militar do estado do Amazonas.
De acordo com uma publicação do site oficial da PM, “objetivo é promover a cidadania, meritocracia, espírito de liderança, civismo e a disciplina na rede de Ensino Público no Amazonas, com possível expansão para outros estados do país, através de uma gestão cívico-militar desenvolvida em conjunto com ações preventivas de segurança pública”.