Tortura em escolas cívico-militares

Tortura em escolas cívico-militares

Novos casos de violência e até denúncia de tortura em escolas cívico-militares expõem fracasso e insegurança do modelo

Segundo pesquisadora, sistema escolar autoritário de Ratinho Jr., que paga mais aos militares do que a professores(as) e funcionários(as), é também uma ameaça à formação dos(as) estudantes


Foto: Jonathan Campos/AEN

 

Em Londrina, uma funcionária de escola teve o braço quebrado ao tentar separar uma briga de estudantes. Em Cascavel, as imagens de duas alunas brigando viralizaram na internet. Em Curitiba, dois irmãos foram agredidos por outros estudantes dentro da escola. Em Lapa, monitores militares são suspeitos de torturar três estudantes. Além de serem recentes, todos esses casos têm em comum o fato de terem sido registrados em escolas cívico-militares do Paraná. 

A recorrência dessas situações evidenciam o fracasso e a insegurança do modelo criado pelo governador Ratinho Jr. (PSD), que coloca dentro das escolas públicas, militares aposentados(as) sem qualificação para trabalhar com estudantes, mas que recebem salário maior do que dos(as) professores(as) e quase três vezes maior do que dos(as) funcionários(as) com formação e experiência para atuar no ambiente escolar.

Longe de serem situações isoladas, os casos, todos veiculados na imprensa nos últimos meses, reforçam os alertas e denúncias feitos pela APP-Sindicato de que a promessa de maior segurança nas escolas a partir da alocação de um militar aposentado é uma farsa. A medida é utilizada pelo governo de Ratinho Jr. para promover uma educação autoritária e militarizada para filhos(as) da classe trabalhadora.

Enquanto os(as) estudantes da rede pública são tratados(as) como caso de polícia, os(as) filhos(as) dos(as) ricos(as) estudam nos melhores colégios, sendo incentivados a desenvolver senso crítico, liberdade de ideias e o desenvolvimento acadêmico.

Perigos e ameaças

Segundo a professora de Filosofia na rede pública estadual, Merielle Camilo, autora da tese de doutorado intitulada “A Epistemologia do Negacionismo: A Necropolítica do Novo Ensino Médio no Paraná, Plataformização e Militarização”, a militarização das escolas é perigosa para a formação educacional de crianças, que tendem a perder seu senso crítico dentro desse modelo.

“É extremamente nocivo para a formação crítica de toda uma geração de crianças a introdução distorcida de práticas militares e de seus códigos normativos, as quais, no passado, fundamentaram as bases do pensamento fascista. Essa mesma ideologia parece ressurgir nas instituições de ensino militarizadas do Brasil, colocando a população civil sob regulamentos alheios à sua realidade cotidiana.”

Em sua tese, a professora destaca perigos e ameaças “à formação de toda uma geração com a naturalização do autoritarismo e de situações antidemocráticas que ferem a liberdade de expressão e o senso crítico”. 

O conteúdo do trabalho foi transformado em um livro digital porque, segundo a autora, “é necessário urgentemente combater essas políticas educacionais, seja pela ação de cada professor, em fazer a criticidade ser desenvolvida nos alunos durante sua aula, seja pela comunidade escolar”. Confira no final da matéria o link para baixar a tese e o livro virtual.

 

 

A secretária Educacional da APP-Sindicato, professora Vanda Santana, enfatiza que o Sindicato tem feito o enfrentamento deste método imposto pelo governo Ratinho Jr. e alertado a comunidade escolar sobre a gravidade de adotar uma concepção autoritária de formação para os(as) estudantes paranaenses, que são majoritariamente adolescentes, passando por uma etapa significativa de suas vidas.

“Neste contexto, a escola precisa ser um espaço de formação de consciência e de construção de uma nova cultura. Diante de mais um caso de violência, reforçamos que esta política educacional é uma política desastrosa, acentua o autoritarismo e as desigualdades dentro do espaço escolar. Reafirmamos que é urgente a revogação deste modelo de escola que já demonstrou que não trouxe nenhum avanço na qualidade da educação”, completa Vanda.

Militares ganham mais do que educadores(as)

Em sua maioria militares da reserva, os(as) monitores(as) militares são contratados(as) para executar funções como acompanhamento de estudantes na chegada à escola, monitorar corredores e pátios durante as aulas e cuidar dos(as) estudantes durante a saída. As funções são similares às realizadas pelos funcionários(as) de escola que têm formação adequada para atuar no ambiente escolar e na interação com os(as) estudantes.

A diferença fica por conta do salário. Enquanto os(as) funcionários(as) (Agente I) recebem no início de carreira R$ 2.066,29 – atualmente grande parte recebe cerca de R$ 2.769,03 na classe VII da tabela – , os(as) monitores(as) militares ganham uma gratificação de R$ 5.500,00, valor que é somado com aposentadoria que já recebem, paga pelo Estado. Só a gratificação é o suficiente para pagar o salário de quase três funcionários(as) (Agente I).

Na comparação salarial com os(as) professores e pedagogos(as), que passam anos na faculdade para obter a formação adequada para dar aulas e fazer planejamento e gestão das unidades escolares, os militares também ganham mais. O piso salarial pago por Ratinho Jr. aos docentes, para uma jornada de 40 horas semanais, atualmente é de R$ 4.920,56. Ou seja, quase R$ 580 menor do que o dos militares. Só com essa diferença, em apenas 12 meses os militares recebem cerca de R$ 7 mil a mais do que um professor.

Monitores e violência

O Paraná, sob a gestão do governador Ratinho Júnior (PSD) e do ex-secretário da Educação, Renato Feder, implementou o maior projeto de militarização de escolas públicas no país. De forma autoritária e aproveitando a pandemia que assolou o país e o mundo em 2020, o ex-secretário e o governador enviaram para a Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) um projeto que permitia a implementação de escolas cívico-militares na educação paranaense. Após a aprovação, 312 escolas já foram militarizadas no estado, o maior número no país.

Desde o anúncio do modelo no Paraná, a APP-Sindicato tem feito a resistência, denunciando para a sociedade os problemas que a iniciativa representa para os(as) estudantes, educadores(as) e para a qualidade do ensino. O sindicato também tem acompanhado e denunciado casos de violência em unidades militarizadas.

Em 2024, uma estudante foi assediada sexualmente por um monitor militar durante uma viagem escolar ao zoológico de Curitiba. Após denúncias, o militar foi afastado. Segundo o relato da adolescente, após denunciar o caso à direção, foi desacreditada pela mesma, a qual questionou se a aluna não havia inventado a história. 

A diretora teria dito: “Vocês não estão inventando isso?! Ah, mas agora não tem nem como defender mais, né?” Na época, a comunidade escolar realizou atos na unidade escolar e na Praça Barão de Guaraúna, em Ponta Grossa, demonstrando também solidariedade à vítima.

Já em maio de 2024, um homem invadiu o Colégio Cívico-Militar Professora Rosa Frederica Johnson, de Almirante Tamandaré, e agrediu estudantes e profissionais da educação. A unidade foi militarizada em 2023 e, no momento da agressão, os monitores militares não estavam presentes.

Em fevereiro de 2024, outros casos de violência e cerceamento de direitos eclodiram em colégios cívico-militares do Paraná, demonstrando a fragilidade do modelo para cumprir a promessa de “segurança” e “disciplina”. Pelo contrário, além da inação dos(as) monitores(as) militares para conter brigas, em dois casos eles(as) teriam participado – ativa ou passivamente – das agressões.

No dia 20 de fevereiro do ano passado, no Colégio Jayme Canet, de Curitiba, um homem não identificado e de grande estatura agrediu dois estudantes menores de idade em frente à escola com socos e empurrões. A gravação mostra que o agressor agiu com violência, intimidando e ameaçando outros(as) alunos(as). 

O monitor militar da escola não apenas não interveio como teria dito que “faria o mesmo”, de acordo com relatos de diversos estudantes que contataram a APP.

“Quando fomos tirar satisfação com o monitor policial (subtenente), ele disse que isso que estava acontecendo ali era consequência das nossas ações, porque fizeram algo para o filho dele (o agressor). E que ele, o subtenente, faria o mesmo”, conta um(a) dos(as) alunos(as).

Ação no supremo pede fim do modelo

Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), pede a declaração de inconstitucionalidade da Lei 20.338/2020, que criou o Programa Colégios Cívico-Militares do Paraná, e do art. 1º, inciso VI, da Lei 18.590/2015, que proíbe a realização de eleições para escolha da direção nas escolas cívico-militares.

Em manifestação no processo, a Advocacia-Geral da União (AGU) considerou que o programa de escolas Cívico-Militares de Ratinho Jr. é inconstitucional. O parecer da AGU argumenta que os estados não podem instituir um modelo educacional que não esteja previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Além disso, o órgão ressalta que a Constituição Federal não prevê que militares possam exercer funções de ensino ou de apoio escolar.

A posição da AGU reforça o caráter inconstitucional do projeto, que vem sendo adotado por governadores(as) alinhados(as) à extrema-direita para agradar a base reacionária. O relator do caso no STF é o ministro Gilmar Mendes. 

Caso o STF julgue inconstitucional, o parecer pode ter efeito em outros estados, como São Paulo, onde o modelo do Paraná também foi implantado. Em 2024, a Advocacia-Geral da União (AGU) enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) um parecer defendendo a inconstitucionalidade das escolas paulistas  militarizadas. O modelo é alvo de ações protocoladas no STF pelo PT e PSOL, após a aprovação do projeto de Tarcísio de Freitas e Renato Feder.

>> Tese e livro virtual: A epistemologia do negacionismo: a necropolítica do novo ensino médio no Paraná, plataformização e militarização

 

FONTE:

https://appsindicato.org.br/novos-casos-de-violencia-e-ate-denuncia-de-tortura-em-escolas-civico-militares-expoem-
fracasso-e-inseguranca-do-modelo/?utm_source=substack&utm_medium=emai
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