Trajetória escolar de jovens negros e brancos
Estudo revela contrastes na trajetória escolar de jovens negros e brancos no Ensino Médio no RS
Dados apontam, entre outros pontos, que estudantes pretos e pardos alcançaram 70,8% de aprovação em 2019, enquanto a taxa entre os brancos foi de 81%
03/01/2024 SOFIA LUNGUI
Pesquisa do Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais mostra que, em 2019, estudantes pretos e pardos alcançaram índices de desempenho semelhantes aos que brancos registraram em 2010.Bruno Todeschini / Agencia RBS
Apesar dos avanços dos últimos anos, persiste a desigualdade na educação do país em termos raciais. No Rio Grande do Sul, o cenário é ainda mais preocupante, como mostra pesquisa do Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais (Cedra). Conforme levantamento feito por GZH para obter os dados do RS, em 2019, estudantes pretos e pardos alcançaram índices de desempenho no Ensino Médio semelhantes aos que brancos tinham em 2010.
A taxa de aprovação de alunos pretos e pardos do RS nesta etapa cresceu de 54% para 70,8% entre 2010 e 2019, enquanto a de brancos foi de 69% para 81%. A diferença diminuiu de 15 pontos percentuais para 10,2, mas ainda evidencia a disparidade. Entre 2016 e 2018, a taxa de aprovação de negros e brancos reduziu no RS, na contramão das estatísticas do país.
No panorama do Brasil, a taxa de aprovação de pretos e pardos no Ensino Médio aumentou de 74%, em 2010, para 84,2%, em 2019, sendo que a de brancos foi de 81,9% para 89,4% no mesmo período. Assim, a diferença diminuiu de 7,9 pontos percentuais para 5,2.
DESIGUALDADE RACIAL NO DESEMPENHO ESCOLAR
Dados revelam descompasso entre evolução da aprovação de brancos, pardos e negros no Ensino Médio ao longo do anos
TAXA DE APROVAÇÃO NO ENSINO MÉDIO NO RS
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Fonte: Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais (Cedra)
Embora a taxa de aprovação de negros tenha avançado no Rio Grande do Sul, em 2019 os números ainda não chegavam aos indicadores do Brasil em 2010. A aprovação de jovens negros no Ensino Médio no Brasil em 2010 foi de 74%, sendo que somente 70,8% dos jovens gaúchos pretos e pardos foram aprovados em 2019 nesta etapa de ensino no RS.
— Analisando os dados, é evidente que a disparidade racial no RS é maior do que no Brasil. Há um atraso de mais de 10 anos na promoção e aprovação de jovens negros no Estado. As diferenças raciais são muito maiores no RS, e esse problema afeta o sistema educacional como um todo. O Estado tem um percentual baixo de pessoas negras na população e precisa se empenhar mais para diminuir essas diferenças, investindo em políticas de ações afirmativas — diz o pesquisador Marcelo Tragtenberg, que integra o Conselho Deliberativo do Cedra e é professor na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Embora o RS seja o Estado com o maior percentual de brancos no país, aumentou o número de pretos e pardos nos últimos anos, conforme o Censo Demográfico 2022. Atualmente, os brancos representam 78,4% da população gaúcha. Os pardos correspondem a 14,7% e os pretos representam parcela de 6,5%; no total, são mais de 2,3 milhões de habitantes negros.
Evasão caiu, mas preocupa especialistas
Outro dado que chama a atenção é a evasão escolar. Os estudantes que não entram na taxa de aprovação são aqueles reprovados ou que abandonaram a escola. Em 2019, o índice de abandono de jovens gaúchos negros no Ensino Médio chegou a 7,3%, semelhante à evasão de alunos brancos no RS em 2010 (7%). Em 2010, a taxa de abandono de negros nesta etapa de ensino no RS foi de 18,7%. Quanto aos brancos, a taxa de abandono caiu de 7%, em 2010, para 4%, em 2019. Os dados também são do Cedra. As estatísticas preocupam especialistas.
— As expectativas em relação ao desempenho dos alunos são desiguais, são mais baixas em relação às pessoas pretas e pardas, muitas vezes. Infelizmente, isso interfere nas estratégias didáticas que as instituições de ensino vão adotar para recuperar a aprendizagem dos alunos, daqueles que não alcançam os resultados desejados no tempo previsto. Os dados mostram como o racismo atravessa as expectativas de aprendizagem — explica a professora Gládis Kaercher, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Os dados mostram como o racismo atravessa as expectativas de aprendizagem.
GLÁDIS KAERCHER- UFRGS
O levantamento do Cedra foi realizado com base em um cruzamento de dados do Censo da Escolar, com informações da Educação Básica (2010 a 2019) e dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) de 2012 a 2019.
Problema que atravessa trajetória escolar
A docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS, que é referência nacional em educação para as relações étnico-raciais, diz que os dados do Estado são graves. Segundo Gládis, é natural que menos alunos negros concluam o Ensino Médio, tendo em vista que boa parte deles já chega nesta etapa de ensino com defasagens na aprendizagem.
Fonte: Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais (Cedra
Conforme dados compilados em 2021 pela Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão do RS, a taxa de analfabetismo entre a população negra do Estado é maior do que entre os brancos em todas as faixas etárias. Considerando pessoas com 15 e 17 anos, por exemplo, a taxa é de 5,2% ante 2% dos brancos.
Entre os matriculados na Educação Básica em 2019, os brancos representavam 84% do total dos alunos no RS, sendo que 10% eram pardos e 5% pretos. No mesmo ano, os brancos representavam 77% da parcela da população com até 17 anos no Estado, sendo que o total de habitantes negros nessa faixa etária era 23%.
Os baixos índices de escolaridade média da população negra e de rendimento mensal das famílias negras são elementos que se somam a esse processo. De acordo com Gládis, os estudantes negros são cercados de condições mais precárias para obter bom desempenho escolar. O grande problema é que as escolas acabam não levando em consideração essas diferenças, aprofundando ainda mais as assimetrias.
— O racismo produz efeitos desde o início da escolarização, resultando em piores indicadores de conclusão do Ensino Médio. Por mais dura que seja essa realidade, precisamos enfrentá-la. A principal solução é traçar planejamentos e estratégias com base nos dados, visando superar estes problemas. Isso não só nas escolas, mas também quando se trata de formular políticas públicas — argumenta a pesquisadora.
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