Trilogia da Educação do Campo

Trilogia da Educação do Campo

Educação do campo: situação, futuro e perspectivas

Jairo Bolter (*)

Vinte anos de lutas, conquistas e uma profissão: Licenciado(a) em Educação do Campo. Em 2018, fazem vinte anos que se iniciaram as primeiras ações concretas do Estado brasileiro para a Educação do Campo. Desde então, houve significativos avanços em torno do tema, como o Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo (Procampo). Avaliar a situação e planejar os próximos passos é imprescindível para continuar no caminho de avanços.

“Educação do Campo é a trilogia entre educação, sociedade e desenvolvimento.
(Foto: Flavio Dutra/UFRGS

Em 1998, a partir da Primeira Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo, organizada por diversas entidades, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, por meio do Iterra; a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – Unesco; o Fundo das Nações Unidas para a Infância – Unicef; a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB e a Universidade de Brasília – UnB, foi criada a Articulação Nacional por uma Educação do Campo.

Esta articulação avançou no debate, impulsionando a existência de espaços de discussões, grupos de trabalho e programas e políticas públicas, como o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – Pronera, em 2001; o Grupo Permanente de Trabalho de Educação do Campo (GPT), junto ao Conselho Nacional de Educação – CNE, em 2003; e a Coordenação Geral da Educação do Campo, junto à Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secadi), no Ministério da Educação (MEC), em 2004.

As discussões sobre a Educação do Campo avançaram tendo como pano de fundo as seguintes compreensões: a Educação do Campo não é uma formação mercadológica, na qual o sujeito é percebido somente como um suporte à existência de um determinado produto específico; a Educação do Campo é um processo que gravita em torno dos direitos sociais, políticos e econômicos dos cidadãos, respeitando a diversidade sociocultural e econômica das comunidades; e por fim, Educação do Campo é a “trilogia” entre educação, sociedade e desenvolvimento.

A Educação do Campo valoriza os sujeitos do campo e o ambiente no qual estão inseridos, o campo, o qual deixa de ser sinônimo de produção e produto e passa a ser considerado um espaço de vida. Conectar a ciência, o conhecimento científico, as realidades vividas e vivenciadas pelos cidadãos no meio rural, respeitando as condições e as características específicas dos povos do campo, é foco central da temática.

Após uma série de reflexões, debates, estudos e ações públicas, em 2012 o MEC lançou uma chamada pública para a seleção de Instituições Federais de Educação Superior – IFES, para criação de cursos de Licenciatura em Educação do Campo na modalidade presencial. As IFES apresentaram Projetos Pedagógicos de cursos presenciais de Licenciatura em Educação do Campo, no âmbito do Procampo, seguindo a Resolução CNE/CEB n° 1, de 3/4/2002, o Decreto nº 7.352 de 04/11/2010 e em consonância com o Programa Nacional de Educação do Campo – Pronacampo.

A chamada teve dois objetivos centrais: apoiar a implantação de 40 cursos regulares de Licenciaturas em Educação do Campo com no mínimo 120 vagas anuais para cursos novos e 60 vagas para ampliação de cursos existentes; e fomentar cursos regulares de Licenciatura em Educação do Campo, destinados à formação de professores para a docência nos anos finais do ensino fundamental e ensino médio nas escolas localizadas em áreas rurais. A demanda apresentou alguns pontos a serem seguidos para a apresentação das propostas, tais quais: multidisciplinaridade; pedagogia da alternância; estrutura da região onde se propõe atuar a IFES; e parceria com as comunidades do campo.

Dezenas de propostas de todo o país foram apresentadas. IFES, a partir de grupos de docentes, apresentaram propostas de Cursos junto ao MEC com a perspectiva de tonar a Educação do Campo uma realidade dentro das Instituições. Materializadas em grandes debates, as propostas apresentadas foram guiadas pela multidisciplinaridade e pelo regime de pedagogia da alternância, entre Tempo Universidade – TU e Tempo Comunidade – TC, com objetivo de tornar as propostas uma realidade para os cidadãos do campo, bem como os atores sociais e políticos que atuam junto ao campo.

No estado do Rio Grande do Sul foram aprovados Cursos de Licenciatura em Educação do Campo em seis Unidades Acadêmicas junto a cinco IFES: Universidade Federal do Pampa – Unipampa, Campus Dom Pedrito; Universidade Federal do Rio Grande – FUGR,Campus de São Lourenço do Sul; Instituto Federal Farroupilha – IFFar, Campus de Jaguari; Universidade Federal Fronteira Sul – UFFS, Campus Erechim e Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, nos Campus Centro e Litoral Norte.

As IFES que obtiveram êxito com as propostas apresentadas receberam um quadro permanente de quinze docentes e dois técnicos administrativos por campus, além de recursos financeiros para o custeio das ações e auxílio para os discentes custearem suas despesas acadêmicas, no período de estudos. O quadro docente, por opção das IFES e para possibilitar a execução da proposta como previsto, é multidisciplinar, abrangendo diferentes áreas do conhecimento, como: educação; ciências da natureza e matemática; ciências agrárias; e ciências sociais e humanas.

As propostas apresentadas e aprovadas no Rio Grande do Sul se concentraram na área das Ciências da Natureza. Em cada campus foram ofertadas 120 vagas anuais, em três chamadas públicas, com seleção específica de alunos. Ao total foram ofertadas aproximadamente duas mil vagas.

Os licenciados que estarão aptos a atuar imediatamente nos anos finais do ensino fundamental e ensino médio na área das Ciências da Natureza, possuem formação multidisciplinar com amplo conhecimento teórico/prático das áreas correlatas ao “campo”. Como já destacado o “campo” compreendido pelos atores sociais e políticos que atuam junto a Educação do Campo é considerado um espaço para além do produtivo e do econômico, ou seja, “um espaço de vida”.

Os profissionais Licenciados em Educação do Campo tenderão ainda a levar em consideração, as características socioculturais e socioeconômicas em que as escolas estão inseridas, independente se a escola está localizada em um território urbano ou rural. No geral, são profissionais formados com o propósito central de observar e agir mediante o entendimento dos contextos em que as escolas estão inseridas, uma vez que as características internas e externas tendem a moldar a escola e a comunidade escolar como um todo. Situação que pode definir centralmente a forma de colocar em prática o conhecimento teórico metodológico do professor.

Estabelecido esse contexto de discussão e de ações concretas é momento de avançar, na perspectiva de consolidar a Educação do Campo em todos os cenários. No âmbito das IFES é necessário que as propostas PEGs avancem para cursos permanentes de Licenciatura, consolidando assim a continuidade da formação profissional junto às Instituições. Aos estados e municípios cabe oportunizar que os Licenciados em Educação do Campo: Ciências da Natureza, entrem nas escolas públicas por meio de seleção especifica, para que os mesmos possam colocar em prática o conhecimento adquirido ao longo do curso, proveniente de vinte anos de debates, discussões e ações.

Aos ambientes de discussões, cabe integrar os profissionais licenciados em Educação do Campo aos debates realizados no âmbito da temática. Promover a integração dos profissionais às discussões realizadas pelos atores sociais, tais como sindicatos dos trabalhadores rurais, sindicatos rurais, movimentos sociais do campo, agentes de extensão rural, etc. é necessário para que os debates que ocorrem para além das escolas e das universidades tenham aderência com a ação dos licenciados.

A Educação do Campo avançou no sentido de “garantir aos povos do campo uma formação acadêmica condizente com as situações e realidades em que estão inseridos”. Agora é imprescindível incorporar as mudanças concretas vividas e vivenciadas no meio rural, bem como nos ambientes de debates, discussões e ações relacionadas a Educação do Campo. Além dos temas tradicionais como, escolas do campo, educação do campo, o campo, o sujeito do campo, etc. se faz necessário dialogar e acompanhar a atuação profissional dos Licenciados em Educação do Campo para que sigam atualizados e conectados às questões do espaço rural.

(*) Professor da UFRGS, Campus Litoral Norte. As opiniões emitidas nesta coluna são de responsabilidade individual do autor.

 

https://www.sul21.com.br/colunas/coluna-do-gepad/2018/02/educacao-do-campo-situacao-futuro-e-perspectivas/ 




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