Um ano para não ser esquecido
1960: Um ano para nunca ser esquecido

Por PAULO TIMM*
Vivi o ano de 1960 em brancas nuvens. Estávamos, todos, no Brasil, embalados pelos Anos Dourados do período JK: Brasília, Cinema Novo, Estradas, Automóveis, Bossa Nova, Juca Chaves, (O ano seguinte, pela “Legalidade”, me marcou mais).
Tinha, então, 15 para 16 anos, terminara o ginásio no “Julinho”, havia entrado para a Escola de Cadetes de Porto Alegre – EPPA – , e me deliciava na vã ilusão de virar homem sob as vestes do uniforme do Glorioso Exército Brasileiro. O manejo de armas me acelerava a maturidade.
Assistia de longe, sem compreender muito bem, a campanha presidencial que consagraria Jânio Quadros como Presidente da República, mas tudo transcorria num clima de liberdades democráticas sob o regime Constitucional de 1946. Nunca me esquecerei de um candidato, defensor de Jânio, que corria Porto Alegre com um carrinho “Prefect” – importado (ainda não tínhamos consolidado a indústria nacional de automóveis) , todo enfeitado com vassouras. Era a reverberação da campanha da União Democrática Nacional – UDN -: “Varre, varre, vassourinha!”…
Nunca havia me dado conta, porém, da importância daquele ano na escala internacional até ver, semana passada, o filme “Uma trilha sonora para um golpe”. Nem suspeitava que seria o umbral de uma revoltosa década, na qual eclodiriam o feminismo e a luta pelos direitos civis nos Estados Unidos, a contestação hippie que culminaria em Woodstock, a rebeldia estudantil de 1968, a crise dos mísseis em Cuba, recém assumida como socialista, projetando-se sobre toda a América Latina como promessa de redenção pelas armas.
Nem me recordava, a não ser pela vaga lembrança de ter visto imagens do Senhor Kruchev, manda chuva na União Soviética, batendo com punhos e sapatos na sua tribuna na Assembleia Geral das Nações Unidas. Fico até pensando, sem me lembrar, quem ganhou o Oscar naquele ano ou quem foram os vencedores do Nobel. E olha que já tinha lido os romances da Biblioteca Lar Feliz, da minha mãe, e visto um sem número de grandes filmes em Cinemascope.
Meti-me, então, no dito filme “Uma trilha sonora para um golpe”, dirigido pelo sueco Johan Grimonprez, candidato ao Oscar deste ano como melhor documentário, mais pela curiosidade da trilha musical, que acreditava permeada pelo jazz e, talvez, rock, do que pelas conexões desta com a política da época. Que surpresa! Que rara emoção! Quanta curtição e aprendizado! Um documentário longo, exemplar e vibrante sobre tais conexões com um enlace no processo de independência dos países africanos- Congo e Lumunba em destaque – , em sua histórica luta contra o colonialismo, pouco assimilado por nós até hoje.
O filme arrasa com o dito mundo ocidental, “judaico-cristão”, evidenciando-o em suas piores intenções, geralmente escondidas sob a retórica liberal-democrática. “O recorte escolhido pelo diretor, aqui, é emblemático: a ascensão e queda de Patrice Lumumba, primeiro-ministro congolês e símbolo da luta anticolonial, que se tornou alvo de uma conspiração internacional envolvendo a CIA (EUA), o MI6 (UK) e o governo belga- https://www.planocritico.com/critica-trilha-sonora-para-um-golpe-de-estado/ .
Ridiculariza a Casa Real da Bélgica e demonstra, com competência o uso da Organização das Nações Unidos para propósitos coloniais sob o falso argumento da luta contra o “comunismo”. Recupera, enfim, algo perdido nos meandros da liquidação da União Soviética: Seu decisivo apoio à autodeterminação dos povos do terceiro mundo. Um filme, enfim, honesto.
A “Trilha Sonora Para Um Golpe de Estado” é um documentário que explora a interseção entre jazz e descolonização, focando em eventos históricos, como o protesto de Abbey Lincoln e Max Roach na ONU em 1961, em resposta ao assassinato de Patrice Lumumba. O filme, indicado ao Oscar 2025, oferece uma reflexão sobre as contradições de um mundo que prega liberdade enquanto sustenta a exploração brutal. É uma obra ambiciosa que combina música e geopolítica, proporcionando uma aula de história para os espectadores. – trilha sonora para um golpe de estado – Pesquisar.
Não percam!
Crítica | Trilha Sonora Para um Golpe de Estado
Sangue em Sol maior.
Em tempo:
1. A 32ª cerimônia de entrega dos Academy Awards (ou Oscars 1960), apresentada pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, premiou os melhores atores, técnicos e filmes de 1959 no dia 4 de abril de 1960, em Hollywood, e teve como mestre de cerimônias Bob Hope.
O drama Ben-Hur foi premiado na categoria de melhor filme.
2. O vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 1960 foi, assim como o de 1959, um poeta. Um caso raro de escritores laureados em sequência e que se expressaram exclusivamente no gênero poético. Em 1959 o ganhador foi o italiano Salvatore Quasimodo e, em 1960, o laureado foi Saint-John Perse (1887-1975), poeta francês nascido em Guadalupe, um território da França nas Antilhas. Cidadão do mundo em virtude de seu cargo de diplomata (do qual foi destituído em 1940 pelo governo colaboracionista do Marechal Petáin), Perse residida em Washington quando o prêmio foi anunciado, exercendo a função de conselheiro da Biblioteca do Congresso Americano. Aliás, o Nobel daquele ano foi acolhido com surpresa por parte da crítica pelo mundo afora, uma vez que os poemas do autor francês eram considerados muito herméticos e distantes do ideal de universalidade defendidos por Alfred Nobel em seu testamento, no qual instituiu as regras para, entre outros, o prêmio de literatura. Por seu turno, a Academia Sueca mostrou estar um passo adiante em relação à opinião de que a obra de Perse era deveras sofisticada e enigmática para figurar entre aquelas dignas de receber o Nobel, percebendo nela, por detrás de sua aparente pecha de “difícil”, um dado de realidade condizente com os tempos em vivia seu autor. Basta lermos a nota em que a instituição explicou os motivos para a concessão do prêmio daquele ano: “O Prêmio Nobel de Literatura de 1960 foi atribuído ao poeta Saint-John Perse pelos voos e imagens evocativas de sua poesia, que de uma forma visionária refletem as condições de nosso tempo.” -Nobel de Literatura: leituras: Elogios, de Saint-John Perse.
*Paulo Timm é economista, funcionário aposentado do IPEA, poeta, romancista, professor universitário e editor da Rádio
Resumo publicado em A FOLHA, Torres em 31 de janeiro de 2025
Foto de capa: Reprodução
FONTE:
https://red.org.br/noticias/1960-um-ano-para-nunca-ser-esquecido/