Um raio-x do EJA
Um raio-x do EJA no Rio Grande do Sul
Modalidade de ensino dedicada a pessoas que não conseguiram concluir os estudos formais, o programa de Educação para Jovens e Adultos chega a mais de 100 mil pessoas no Estado
Por Alberi Neto e Ariadne Kramer
Em todo o Rio Grande do Sul, mais de mil escolas oferecem a modalidade de ensino
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) de 2016, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem 12,9 milhões de analfabetos. A taxa vem caindo na última década, mas a transformação ainda é lenta.
Em 2005, 11,1% das pessoas com mais de 15 anos não sabiam ler e escrever. Dez anos depois, essa porcentagem caiu para 8%.
Para quem não conseguiu largou os estudos ou nem chegou a ir à escola, a opção disponível para aprender é o sistema de Educação de Jovens e Adultos, popularmente conhecido como EJA ou Supletivo.
A busca por esse certificado de conclusão por meio do EJA — tanto do ensino médio, quanto do fundamental — atrai milhares de pessoas no Rio Grande do Sul. Só em 2016, quase 115 mil pessoas se matriculam na modalidade de ensino. Veja o raio-x completo do EJA no Rio Grande do Sul aqui.
Os dados são da Secretária Estadual da Educação e levam em conta somente a modalidade presencial. Esse número está divido entre 1.112 escolas municipais, estaduais e federais, tanto públicas, quanto privadas, localizadas nas zonas urbanas e rurais.
Desse total, mais de 95% dos estudantes está na rede pública, em escolas estaduais e municipais. Quanto a localidade dos pontos de ensino, apenas 111 escolas ficam na área rural.
Eles querem o fundamental
Em média, os brasileiros com mais de 15 anos estudam por 8,2 anos, menos tempo do que a lei determina para completar o ensino fundamental — que é de nove anos.
Talvez por esse motivo a modalidade mais buscada quando se recorre ao EJA é a do ensino fundamental. O número é maior na Totalidade II — que contempla estudantes que pararam seus estudos entre a 5ª e 8ª série — se matricularam 62.475 pessoas.
Para a Totalidade I — que contempla da 1ª a 4ª série — e a Totalidade III — o ensino médio — , foram registradas 10.436 e 21.281 matrículas, respectivamente.
Um dos precursores do programa no país, Paulo Freire, é até hoje popular não só como educador, pedagogo, filósofo e por considerado patrono da educação brasileira, mas também como instituição de ensino.
O Centro Municipal de Educação dos Trabalhadores Paulo Freire, localizado na Zona Leste de Porto Alegre, é a escola que tem o maior número de alunos matriculados em todo o Estado, mesmo trabalhando apenas com a formação do ensino fundamental. Foram 756 alunos matriculados em 2016.
Uma publicação na página da Secretaria Municipal de Educação da Capital, mostrou que a felicidade desses trabalhadores/estudantes em conquistar, na maioria das vezes, seu primeiro canudo, é contagiante.
Quanto o assunto é o ensino médio, o cenário é diferente. A campeã no número de alunos matriculados é a Escola Estadual de Ensino Médio Professor Chaves, localizada em Santana do Livramento, na Fronteira Oeste do Estado. No colégio, 468 pessoas foram buscar a escola no ano passado para garantir um certificado de ensino médio.
Outro programa dedicado ao ensino de jovens e adultos é Projovem Urbano. Criado pelo Ministério da Educação (Mec), o projeto tem como objetivo auxiliar jovens com idade entre 18 e 29 anos, que saibam ler e escrever e não tenham concluído o ensino fundamental a conquistar esse diploma.
Além de seguir os moldes do EJA, o programa integra à qualificação profissional e o desenvolvimento de ações comunitárias com exercício da cidadania na forma de curso.
Entretanto, ao menos do Rio Grande do Sul, a procura é baixa. Apenas três escolas do Estado tiveram alunos matriculados no Projovem. São elas: escolas municipais de ensino fundamental Rui Barbosa e Padre Orestes João Stragliotto, em São Leopoldo, a e Escola Municipal de Ensino Fundamental Teo Vaz Obino, em Bagé. Nas três unidades, apenas 138 alunos se matricularam no programa do Mec.
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Cultura do analfabetismo
Uma taxa de analfabetismo que já chegou a mais de 10% da população vem da cultura educacional recente do Brasil, que começou no início do século XX.
Durante anos, escolas noturnas eram a única forma de alfabetização. E após um dia de árduo de serviço, a população mais pobre não tinha disposição nem interesse para ir até um desses locais de aprendizado.
Com o processo de industrialização e a necessidade de mão de obra especializada, escolas para capacitar jovens e adultos se tornaram necessárias. Outra motivação para o incentivo a educação era a urgência de aumentar a base eleitoral, já que no início do século passado o voto era permitido apenas para homens alfabetizados. Durante a campanha eleitoral, na década de 1940, o governo lançou o primeiro programa de educação para adultos, que propunha alfabetizar em três meses.
Com o fim dessas campanhas, Paulo Freire, junto a sua equipe, foi quem fez as primeiras experiências de alfabetização popular.
Seu grupo foi responsável pela instrução de 300 cortadores de cana em apenas 45 dias. Graças aos seus resultados, o país, presidido até então por João Goulart, aprovou a experiência num Plano Nacional de Alfabetização, que previa a formação de educadores em massa e a rápida implantação de 20 mil núcleos pelo país.
Mas em 1964, o golpe militar extinguiu esse esforço. Freire ainda foi encarcerado como traidor por 70 dias. Assim, a responsabilidade de educar a população analfabeta caiu sobre o governo militar.
Então, em 1971, o ensino supletivo foi implantado com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 5692/71). Nesta Lei, um capítulo foi dedicado especificamente para o EJA. Três anos depois, o MEC propôs a implantação dos CES (Centros de Estudos Supletivos). Esses locais tinham influências tecnicistas devido à situação política do país naquele momento.
Crescimento com a volta da democracia
No início da década de 1990, depois do fim da Ditadura Militar, emergiram iniciativas em favor da educação de jovens e adultos. O governo incumbiu os municípios a se engajarem nesta política. Com a realização de parcerias entre ONG’s, municípios, universidades, grupos informais, populares, fóruns estaduais e nacionais, a partir de 1997 a história da EJA começou a ser registrada no intitulado “Boletim da Ação Educativa”.
A Ação Educativa é uma associação sem fins lucrativos que realiza atividades de apoio e formação de grupos de educadores, jovens e agentes culturais, integrando campanhas e outras ações coletivas que visam à realização desses direitos.
Em relação ao EJA, a associação criou o projeto “EJA em Foco”. O trabalho auxilia no desenvolvimento de educadores que possam criar propostas de trabalho capazes de atender às demandas pessoais, sociais e educacionais dos estudantes, rompendo com as práticas estabelecidas nas escolas destinadas a crianças e adolescentes.
Desafio
A lei de diretrizes e bases da educação estabelece que todos que não tiverem oportunidade de concluir seus estudos na idade regular, devem ter acesso a cursos gratuitos que ofereçam oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do aluno, seus interesses, condições de vida e de trabalho.
O desafio é criar esse sistema que possa atender um grupo tão diverso de estudantes, que alcança alunos em várias etapas da vida, desde o fim da adolescência até a terceira idade.
https://medium.com/jornalismo-de-dados/um-raio-x-do-eja-no-rio-grande-do-sul-b175dcf46314