Uma escola sem livros

Uma escola sem livros

Dá para imaginar uma escola sem livros?

Trocar livros didáticos por tablets e notebooks vai na contramão de pesquisas e exemplos de países desenvolvidos

Célia Fernanda.  Publicado em 07.08.2023

Imagem em preto e branco mostra duas meninas sentadas em sala de aula escrevendo com lápis em seus cadernos

Resumo

Acelerar a digitalização do material didático nas escolas é uma tendência que pode afetar diretamente alunos brasileiros do ensino público. Enquanto alguns estados sugerem abolir os livros, especialistas alertam para os riscos na aprendizagem.

Escolas de todo o país têm buscado alternativas aos livros didáticos em formato físico, como fez o Paraná, que adotou materiais digitalizados, e agora São Paulo. Neste estado, será a primeira vez que 1,4 milhão de estudantes do 6º ao 9º ano do ensino fundamental vão acessar um conteúdo inteiramente digital, depois da decisão da secretaria de não aderir ao Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).

A nova dinâmica, diferente de um livro didático físico ou de um livro digital, envolve sistemas de leituras em telas eletrônicas. O conteúdo é explicado em tópicos em formato de slides, com indicações de recursos multimídias, como links para sites de pesquisa, vídeos e áudios.

Profissionais da educação questionaram a política de abolir o material didático, sobretudo num país em que 4 a cada 10 alunos não dominam as habilidades básicas de leitura, como apontou o Estudo Internacional de Progresso em Leitura (PIRLS). E mais, quando a digitalização nas escolas é exceção, como fica a inclusão?

Para alunos voltarem a ler, Suécia retoma os livros nas escolas

Após a nota da Suécia cair nesta mesma avaliação, a ministra Lotta Edholm enfatizou o risco de “criar uma geração de analfabetos funcionais”. Segundo afirmou ao jornal francês Le Monde, “os livros têm vantagens que nenhum tablet pode substituir”. Para evitar o retrocesso e recuperar a capacidade de uma leitura eficiente entre os estudantes, o país lançou um programa de reintrodução dos livros. A Suécia ocupa o nono lugar no PIRLS, enquanto o Brasil está em 52º.

Quais os riscos de abolir os livros didáticos?

Utilizar somente conteúdo digital em vez de livros didáticos pode afetar o processo educacional, afirma a psicopedagoga Camila Fattore. Além da compreensão ser diferente para a leitura de material físico e digital, com o aumento do tempo de telas são esperados prejuízos na interação social e mais distração.

Para ela, que também é coordenadora pedagógica na Comunidade Educativa CEDAC, que atua na melhoria das práticas educativas das escolas públicas no país, substituir de forma abrupta a estrutura e o conteúdo do material didático, sem antes consultar a comunidade escolar, pode reforçar as desigualdades. “Hoje, todos têm o mesmo livro e quem não terá acesso adequado vai ser aquele estudante que possui menos condição social.”

Depois de Feder indicar que quem não tivesse aparelhos digitais poderia imprimir, o governador Tarcísio de Freitas explicou que todos os estudantes vão receber o material impresso e encadernado.

Guilherme Paulino, professor de uma escola pública de ensino integral em Guarulhos (SP), considera válido digitalizar o material. “Os alunos já utilizam os notebooks da escola e a internet, aqui, pega bem. Eles não precisam mais carregar muito peso nas mochilas”, diz. “Porém, não sei se funcionaria nas escolas em área de periferia devido às condições de conexão.

Já para Letícia Morais, professora do ensino fundamental e médio em uma escola estadual na zona leste de São Paulo, o sistema digital ajuda a variar as aulas, mas os livros didáticos dão um norte para trabalhar os principais conteúdos.

“Eu passo mais de 50 horas por semana dentro da escola, contando o tempo de preparar as aulas. Se não tiver mais os livros, imagina como vai dificultar o trabalho?”, questiona. Apesar da internet ser estável e haver tablets e notebooks, Morais conta que, na sua escola, a rede bloqueia alguns sites e a sala de informática não comporta turmas inteiras.

Obras do PNLD têm “rigor científico e pedagógico”

De acordo com o MEC, os materiais didáticos do PNLD estão em 95% do ensino público do país. Por lei, estados e municípios têm autonomia em seus sistemas educacionais e a permanência no programa é “voluntária”.

Para Fattore, a total digitalização do material didático é um retrocesso. “Substituir livros validados por vários profissionais e alinhados à Base Curricular Comum não é a resposta para melhorar a educação. O material da secretaria deveria ser complementar.”

Enquanto professores escolhem as obras do PNLD entre livros validados pela BNCC, profissionais da secretaria de educação de São Paulo aprovam o material próprio. Fattore questiona o porquê de uma padronização estatal do material didático se as realidades das escolas são diferentes. Ela também se preocupa caso a tendência se estenda para bibliotecas públicas, por exemplo.

Depois do secretário de educação de São Paulo, Renato Feder, declarar que as obras do PNLD “perderam qualidade, profundidade e conteúdo”, houve manifestações. O sindicato dos professores do ensino oficial de São Paulo (Apeoesp) afirmou que a medida de abolir os livros didáticos nas escolas estaduais “não tem respaldo pedagógico e vai na contramão das tendências internacionais”.

Já a ex-secretária da educação básica do MEC e presidente do Instituto Reuna, Kátia Smole, que pesquisa a introdução de livros digitais em vários países, ressalta que nenhum deles fez uma transição tão repentina. Para ela, “a qualidade técnica dos livros ofertados pelo PNLD tem de ser valorizada”.

Na mesma linha, a Associação Brasileira de Autores de Livros Educativos disse tratar-se de um ataque à educação. “[Os livros] são escritos com rigor científico e pedagógico”. Sem contar que a medida eliminaria a possibilidade de escolher materiais didáticos que contemplem abordagens plurais.

O Ministério Público de São Paulo vai apurar se houve consulta ao Conselho Estadual de Educação e à comunidade escolar antes da decisão do governo do estado. Além disso, o Grupo de Atuação Especial de Educação do MP vai verificar se isso implica em uma violação da Constituição a respeito do “princípio constitucional da gestão democrática do ensino público”, previsto na LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional).

 

FONTE:

https://lunetas.com.br/livros-didaticos-sao-os-viloes-da-vez-para-atacar-a-educacao-no-pais/?fbclid=IwAR1isR-khv9Mh0hmYe_WUzBRB1x2mAyHrQARSozwvOHaHLT1gIl8MKTNXHM 




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