UNICAMP condena racismo

UNICAMP condena racismo

Faculdade de Educação da UNICAMP condena racismo

“VIDAS NEGRAS IMPORTAM II”

Hoje, 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, escolhido por marcar a data da morte do líder quilombola Zumbi dos Palmares, no século XVII, e no qual se deveria celebrar não apenas a luta do povo negro por liberdade e dignidade, mas também as conquistas e os avanços por ele obtidos nessa luta, somos obrigados a nos deparar com mais uma cena de violência contra ele e, que, novamente, põe em evidência os efeitos do racismo estrutural e institucional ainda fortemente presente em nosso país.

Ontem, João Alberto Silveira Freitas, também conhecido como Beto, de 40 anos, foi espancado até a morte por seguranças de um Carrefour de Porto Alegre. O ato de extrema violência foi parcialmente filmado e as imagens estarrecedoras circulam pela Internet.

A delegada que investiga o caso, Roberta Bertoldo, da 2ª. Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa de Porto Alegre, antes mesmo das investigações serem concluídas e sem explicar o porquê dessa conclusão, apressou-se em declarar ao jornal Folha de S. Paulo que o crime não teve motivação racista. Sua opinião foi compartilhada pelo Vice-Presidente da República, o General Hamilton Mourão.

O pai de Beto, porém, João Batista Rodrigues de Freitas, não tem dúvidas de que o assassinato do filho foi um crime de ódio racial: “Foi um episódio de racismo. Basta ver a força da agressão. Primeira coisa que perguntei foi: ele estava roubando? Se não estava, por que ser agredido? E por que ser agredido brutalmente pelos seguranças? Aliás, não posso chamá-los de seguranças, porque isso desmerece os profissionais que são seguranças de verdade”.

A teima em não reconhecer o racismo em nosso dia a dia é mais uma prova de sua existência e de sua força. Mas não é a única. O Atlas da Violência de 2020, estudo elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelo IPEA, mostra de maneira inequívoca que, de 2008 a 2018, os assassinatos de negros aumentaram 11,5%, enquanto os de não negros diminuíram 12,9%. Em 2018, pretos e pardos representavam mais de 75% das vítimas de homicídio, uma taxa de 37,8 mortes por 100 mil habitantes, enquanto entre os não negros, essa taxa foi de 13,9. Isso significa que, para cada pessoa não negra assassinada em 2018, 2,7 pessoas negras foram mortas. No caso das mulheres negras, correspondem a 68% do total das mulheres assassinadas no Brasil, uma taxa de mortalidade de 5,2 por 100 mil habitantes, praticamente o dobro do que ocorre com as mulheres não negras. (cf. https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/24/atlas-da-violencia-2020).

Em termos de vulnerabilidade à violência e ao homicídio, portanto, negros e não negros vivem situações opostas, com extrema desvantagem para os primeiros. E, vale lembrar, os dados acima apresentados representam médias do País. Se olharmos estado por estado, cidade por cidade, veremos que, em muitos casos, a desproporção quanto à vulnerabilidade entre negros e não negros é muito maior. Em Roraima, por exemplo, a taxa de homicídio de negros em 2018 foi de 87,5 por 100 mil habitantes, enquanto o Acre registrou um aumento de 300,5% nessa taxa nos últimos 10 anos.

Essa situação se explica, em grande medida, pelo racismo arraigado na cultura brasileira e que, mais ou menos conscientemente e explicitamente, preside não apenas nossas relações sociais e nossos julgamentos éticos, como também o funcionamento de nossas instituições. Como disse André Santana, em sua coluna no portal UOL: “na necropolítica brasileira, o racismo define quem pode ser cidadão neste país e para o restante o controle é feito com a morte”.

Afinal, o que aprendemos com episódios como esse, que nos chocam quase diariamente? E já tivemos: George Floyd, Maria Eduarda Alves da Conceição (13 anos), Vanessa Vitória dos Santos (11 anos), Jeremias Moraes da Silva (13 anos), Ágatha Vitória Sales Félix (8 anos), João Pedro (14 anos), Miguel Otávio Santana da Silva (5 anos), Marielle Franco, Anderson Gomes e centenas de outros. Quantos mais serão necessários?

A gravidade do problema exige que a Direção da Faculdade de Educação da UNICAMP venha novamente a público para reiterar seu Manifesto Contra o Racismo e reafirmar: Vidas Negras Importam! Como profissionais da educação e como instituição formadora desses profissionais, temos um papel fundamental e uma grande responsabilidade nessa luta. Sabemos que a escola é um espaço privilegiado para que o racismo seja explicitado, tematizado, denunciado, problematizado e superado. Para isso, ele precisa ser abordado com coragem e firmeza pelos educadores e pelos gestores, inclusive junto aos pais. Paralelamente, é preciso também combater o racismo ainda presente no interior das escolas: nas relações interpessoais, nos comentários e nas piadas, nos comportamentos, nos critérios de acesso, nas condições de permanência e aproveitamento dos estudos, nos livros didáticos, nas profecias auto realizadoras etc. Por fim, é preciso assegurar a efetiva observância da Lei 11.645/2008, que determina a obrigatoriedade do ensino da História e da Cultura Afro-Brasileira e Indígena.

Sabemos que ações como essas são, ainda, insuficientes para erradicar o racismo no Brasil e que não será apenas pela educação que atingiremos esse objetivo. Mas a escola é um dos campos de batalha – especificamente o nosso campo de batalha – em que essa luta deve ser travada. E a atuação no campo escolar, se não é suficiente, é, sem dúvida, necessária para a superação definitiva do racismo e para a construção de uma sociedade em que haja respeito à diversidade, justiça e dignidade para todos.

Campinas, 20 de novembro de 2020

Direção da FE

https://avaliacaoeducacional.com/ 




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