Universidade pública criticada
21Janeiro
Universidade pública: Por que ela atrai tantas críticas de quem nunca a frequentou?
No dia 07 de setembro de 1920 fora inaugurada a Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ela é considerada a primeira universidade efetivamente pública, e completará 100 anos em 2020. Algumas instituições de ensino já existiam em nosso território, datando desde 1909 com a Universidade de Manaus. No entanto, enquanto direcionamento político para a criação de um sistema de educação público e universal, a UFRJ é considerada a pioneira.
Em outras regiões do país, devido à emergente demanda por profissionais especializados que pudessem contribuir para o desenvolvimento urbano pelo qual as grandes cidades estavam submetidas nesse período, a tendência em se criar universidades administradas pelo Estado se espalhou, com a criação de novos câmpus em diversos estados brasileiros. Começava-se a constituir, dessa maneira, a instauração de um sistema de educação pública de alta qualidade educacional e científica, que pudesse satisfazer os desejos de expansão tecnológica e urbana da década de 20.
O modelo era inovador e, muitas décadas depois, assim permanece. A não-cobrança de taxas e mensalidades dos alunos ia de encontro à tendência mundial que mercantilizava o ensino superior.
Poucos países subverteram a lógica de entreguismo da educação à iniciativa privada, isso ocorre: nos países da Escandinávia, em algumas universidades da Argentina e em inúmeras universidades brasileiras. A Alemanha, em um movimento recente, passou a propor a não cobrança de mensalidades nas suas instituições públicas, se opondo ao modelo privacionista de educação, crescente na maioria das nações.
Mesmo que taxas sejam cobradas é comum que, em muitos países da União Europeia, estudantes nascidos no local em que a universidade se encontra paguem taxas menores do que os estrangeiros. Na maior parte das vezes em que isso ocorre, essas taxas para alunos nativos possuem valor simbólico e visam apenas manter o ambiente acadêmico em bom funcionamento, ficando a cargo do Estado o pagamento de salários dos servidores.
Uma questão fundamental acerca da função social da universidade no Brasil é a compreensão de que a produção científica em nosso país está, em quase sua totalidade, por incumbência das universidades públicas. Segundo recentes constatações, aproximadamente 95% de todo o conhecimento científico possui origem nos ambientes dessas instituições.
Nas últimas décadas, algumas dessas universidades públicas, destacando as estaduais de São Paulo: USP, Unicamp e UNESP, figuram em posições relativamente altas em avaliações internacionais de qualidade da educação, sendo essas três as maiores produtoras de conteúdo científico no país, costumam figurar entre as 100 melhores universidades do mundo em rankings como o QSrankings e o Top Universities.
Ao contrário das instituições privadas, em geral, as públicas possuem três pilares de funcionamento: educação, pesquisa e extensão. A educação é aquela produzida em todas as faculdades, públicas e privadas, na qual o aluno frequenta aulas e tem acesso a conteúdos que corroboram com a sua formação. A pesquisa, como mencionado anteriormente, possui quase um monopólio das instituições públicas, e visam a produção de conhecimento para a melhoria da vida social em geral.
Por fim, a extensão é aquela que tem como objetivo devolver o investimento público à população. Como exemplo: clínicas de psicologia, empresas júnior de auxílio jurídico e alunos de licenciatura que se inserem no ambiente escolar e ministram aulas na área que possuem conhecimento específico.
Esses alunos não recebem qualquer bonificação financeira para exercerem função dentro desses projetos. Entende-se, dessa maneira, que os estudantes recebem educação fincanciada pelo dinheiro público, e devem retribuir tal investimento com o conhecimento obtido.
As críticas à universidade se dão, muitas vezes, pelos gastos com a sua manutenção. Como todo serviço público que não oferte diretamente um produto ou serviço remunerado, a população tende a se posicionar do lado do discurso do “corte de gastos”. É fato de que essa discussão é pertinente e de que os reajustes devem ser contínuos, com o intuito de evitar o déficit orçamentário nas contas públicas. No entanto, os gastos com pesquisa são de obrigação do Estado na grande maioria dos países.
O planejamento das maiores economias do mundo prevê, de modo geral, uma parcela do capital empregado para o ensino e pesquisas. Em nenhum lugar do mundo, que compreenda a importância da produção científica, o montante despendido com pesquisa é considerado um “gasto” supérfluo.
O que parece acontecer por aqui é a necessidade, ou interesse, de cortar gastos em questões básicas para a boa manutenção social: saúde, educação, segurança pública, pesquisa e assistência social. Ao passo que se mantém as regalias para políticos, militares, agentes do alto escalão do judiciário. Fora as concessões de dinheiro público e reajustes fiscais para grandes empresários.
O clamor popular para que os bens públicos sejam privatizados parece tomar corpo em muitos países do ocidente. Cabe ressaltar que a precarização e sucateamento dos serviços são fundamentais para moldar a opinião pública, que começa a pedir a venda de algumas instituições à iniciativa privada, com o intuito de, com razão nesse sentido, poder usufruir de melhores serviços. Entramos no dilema, por conseguinte, de que se algo é público, então é ruim. Porém, a questão pode ser entendida pelo prisma de haver um grande esforço para transformar o que é público em ruim, para que seja entregue a investidores com o apoio da população em geral. De uns anos para cá, a precarização dos serviços em algumas instituições, como os Correios, por exemplo, tem aumentado a exigência para que o o bem-público se transforme em bem privado.
Isso ocorre de forma gradativa, como era de se esperar, com as universidades. Os cortes de verbas vem afetando os espaços, a concessão de bolsas e o salário dos servidores há algumas décadas.
Apesar de todo o esforço para lhe enfraquecer, a Universidade pública permanece como referência em termos de qualidade de ensino. Talvez, por isso, muitos ficam perplexos com o fato de que a lógica da precarização não consegue ter seus efeitos imediatos nessas instituições. Nesse contexto, alguns forasteiros do ambiente acadêmico surgiram para atacá-la a partir de um novo foco, que eles chamam de “ideologia”.
Não é necessário que se esteja inserido em um âmbito acadêmico para já ter se deparado com figuras pitorescas como Olavo de Carvalho e a família Bolsonaro que, diga-se de passagem, nunca frequentaram os bancos de uma universidade pública. Atacam, de maneira bisonha, o que compreendem como “fábrica de comunistas”.
Ora, como em todas as grandes universidades do mundo, as pesquisas são plurais e abarcam os mais diferentes temas em diferentes áreas. Nessa perspectiva há, inclusive, ciência que se baseie em teorias que esses ideólogos, que nunca leram uma página do que gostam tanto de falar, criticam. Esse é um princípio do livre-pensar, no qual a educação, distante da censura mesquinha de quem não conhece o objeto que está atacando, propõe-se a conhecer um determinado tema sem amarras ideológicas. Para além do que criticam esses “outsiders”, as pesquisas são produzidas de forma universal, abrangendo áreas como arquitetura e urbanismo, ciências médicas, direito, administração pública, filosofia e diversas outras.
Diminuir a universidade a um mero aparato ideológico de política estatal é de uma ignorância imensurável, ou de um interesse pessoal mascarado de preocupação doutrinária.
A Universidade Pública deve ser alvo de críticas, e seu fluxo orçamentário deve ser acompanhado de perto pela população, mas ela não merece receber ataques tão mesquinhos, por pessoas e motivos tão distantes de sua realidade.
Partindo do princípio antropológico de que para se conhecer um determinado campo social é necessário que você se insira nele para conhecê-lo melhor, fica o convite para que conheça melhor a universidade pública.
Há algumas maneiras de ter contato com ela: participar de projetos e eventos, assistir aulas como ouvinte ou aluno especial, cursar graduação via vestibular, participar de processos seletivos para a pós-graduação, entre outros. Procure se inserir nesses espaços e conhecê-los de perto.
Tente não se deixar levar por discursos mercadológicos de ideólogos mal-intencionados. Não seja covarde. Frequente, busque conhecer e renove suas críticas para as questões que, de fato, contribuem para um melhor modelo educacional superior em nosso país.
Por Bruno Seabra
Graduado em Psicologia
Mestre em psicologia
graduado em Ciências Sociais
Psicólogo clínico
Consultor empresarial
Professor de ensino superior
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