Violência contra manifestantes na Câmara
Violência contra manifestantes e parlamentares de esquerda paralisa Câmara de Porto Alegre
Cinco vereadores e um deputado foram atingidos por balas de borracha e gás de pimenta usados por guardas municipais. Governistas aproveitam tumulto para aprovar relatório da CPI do Dmae pró-Melo
Por Gilson Camargo / Publicado em 16 de outubro de 2025

Gás e balas de borracha: agentes da Guarda Municipal acionados pela presidente da Câmara, protagonizaram cenas de barbárie e violência contra manifestantes e parlamentares contrários à privatização do Dmae na capital. Foto: Ederson Nunes/ CMPA
A terceira reunião temática do Fórum das Entidades da Câmara Municipal de Porto Alegre, que seria realizada nesta quinta-feira, 16, foi adiada devido à ausência de diversos integrantes e parlamentares que ficaram feridos após a ação da Guarda Civil Municipal (GCM) durante a sessão de quarta-feira, 15. Por ordem da Mesa Diretora, os agentes reprimiram manifestantes e vereadores de oposição durante a sessão plenária sobre a privatização do Demae.
Os vereadores de oposição divulgaram nota sobre os atos de violência.
“Durante a sessão em que seriam votados projetos profundamente prejudiciais ao povo da cidade, como a privatização da atividade de saneamento do Dmae, o projeto que criminaliza quem ocupa imóveis pelo direito à moradia e a proposta que ataca o trabalho digno de catadores e catadoras, manifestantes foram impedidos de acessar o plenário para acompanhar o debate público”, diz o comunicado.

Vereador Giovani Culau (PCdoB) exibe ferimento por bala de borracha disparada por agentes
de segurança da Câmara. Foto: Reprodução/Instagram
O ato era pacífico, composto por mulheres, crianças e idosos, que buscavam exercer seu legítimo direito à participação popular, ressaltam os vereadores. “Ainda assim, houve ordem direta da presidente da Câmara, vereadora Comandante Nádia (PL), para impedir a entrada dos manifestantes, mesmo sob sol forte. Enquanto vereadores da oposição negociavam permitir que mulheres, crianças e idosos entrassem apenas para se proteger do calor, a ROMU (Ronda Ostensiva Municipal), subordinada à Secretaria de Segurança do Governo Melo, foi acionada e iniciou uma ação de repressão violenta”.
Juliana de Souza e o líder da oposição, Jonas Reis, ambos do Partido dos Trabalhadores, lembraram que integrantes do Fórum e parlamentares ainda estão hospitalizados devido a ferimentos por balas de borracha e por terem sido atingidos com gás de pimenta pelos guardas municipais, o que acabou esvaziando as atividades na Câmara.
Ela repudiou a ação dos agentes de segurança, que foram acionados pela presidente da Câmara, Comandante Nádia (PL), para restringir a entrada no plenário Otávio Rocha e conter manifestantes contrários à privatização do Demae.
Spray de pimenta e bala de borracha

Manifestantes são atingidos por spray de pimenta em frente ao Palácio Aloísio Filho
Foto: Elson Sempé Pedroso/ CMPA
Ao menos seis parlamentares relataram que foram atacados com gás e estilhaços. Atena Roveda (PSol), foi atingida por gás de pimenta no rosto e estilhaços de bombas e balas de borracha nas pernas, recebeu atendimento no HPS; Giovani Culau e Erick Dênil (PCdoB) contaram que foram feridos com tiros de bala de borracha nas pernas e receberam atendimento no ambulatório da Câmara. Grazi Oliveira (PSol) e Natasha Ferreira (PT) foram atingidas com spray de pimenta no rosto e relataram ferimentos de balas de borracha nas pernas e no tórax.
Em coletiva de imprensa, a presidente da Câmara disse que decidiu acionar o “protocolo de segurança” porque viu “desordem” nas manifestações. “A intervenção da Guarda Municipal foi necessária para garantir a integridade dos vereadores, assessores e profissionais da imprensa que acompanhavam a sessão”, defendeu-se. A Câmara e a Prefeitura informaram que irão abrir sindicâncias sobre as ações dos agentes de segurança.
A sessão foi retomada pela líder da mesa diretora pouco depois das 18h, sob protestos da oposição. Cerca de meia hora depois, a sessão foi encerrada. Seriam votados dois projetos que provocaram a mobilização dos movimentos sociais, a concessão do Departamento Municipal de Água e Esgoto (Dmae) à iniciativa privada e uma proposta que restringe a atuação de catadores na cidade. O deputado Miguel Rossetto (PT), foi atingido por balas de borrachas nas costas quando chegava ao local para acompanhar a sessão.
Manifestações
Diversas entidades se manifestaram contra os ataques da guarda municipal contra vereadores de esquerda.
“O ocorrido na Câmara Municipal de Porto Alegre expõe um cenário preocupante de repressão política e autoritarismo. A violência contra manifestantes e parlamentares da oposição, aliada à falta de diálogo e transparência na condução dos projetos, revela um desrespeito aos princípios democráticos e aos direitos fundamentais da população. É imperativo que as autoridades competentes investiguem os abusos cometidos e que a sociedade se mobilize em defesa da democracia e dos direitos humanos”, destacou a Rede Estação Democrática.
“Não é de hoje que testemunhamos ações truculentas por parte de agentes da segurança pública – tanto municipal quanto estadual – contra cidadãs e cidadãos. Lamentamos, ainda, as agressões sofridas por cinco vereadores e um deputado estadual, juntamente com vários manifestantes. Esperamos que as investigações apurem e punam os responsáveis. O povo precisa ser ouvido sobre possíveis ações do parlamento, especialmente quando estas atacam os direitos das trabalhadoras e dos trabalhadores, assim como o serviço e o patrimônio público, como o caso do DMAE”, declarou a Adufrgs-Sindical.

Grazi Oliveira (PSol) repudiou a medida de segurança adotada pela presidência da Casa: “fica explícito o autoritarismo que é a presidência desta Casa, a ponto de proibir a entrada do povo”
Foto: Ederson Nunes/CMPA
“É inaceitável que a presidência da Câmara, sob a justificativa de “protocolo de segurança”, tenha impedido o acesso da população à Casa do Povo, negando o direito de acompanhar e participar de decisões que impactam diretamente o futuro da cidade. Ainda mais grave é o fato de que a manifestação pacífica da comunidade e de vereadores da oposição tenha sido respondida com violência desmedida por parte da Guarda Municipal, autorizada pela presidente da Casa, vereadora Comandante Nádia (PL)”, protestou O Cpers-Sindicato.
A Central Única dos Trabalhadores – Rio Grande do Sul (CUT-RS) divulgou nota, manifestando o repúdio da entidade “aos atos de cerceamento democrático, violação de direitos fundamentais e uso arbitrário da força autorizados pela Presidência da Câmara Municipal de Porto Alegre e executados pela Guarda Municipal”. Na nota, a CUT-RS requer cinco medidas: 1. Instauração de Comissão Processante na Câmara Municipal para apurar a conduta da Presidente Comandante Nádia por quebra de decoro parlamentar e gestão antidemocrática. 2. Abertura de Processo Administrativo Disciplinar contra o comando da Guarda Municipal envolvido no uso arbitrário da força. 3. Suspensão preventiva dos agentes e comandantes identificados nos atos de violência, até a conclusão das investigações. 4. Encaminhamento ao Ministério Público Estadual para investigação criminal dos fatos, incluindo abuso de autoridade e lesão corporal. 5. Disponibilização Pública de todas as filmagens de segurança, áudios e registros de ocorrência referentes ao episódio”.
“Não foi confronto, foi violência política”

Juliana: “a Câmara Municipal de Porto Alegre, a casa do povo, virou cenário de guerra. A violência institucional e política atacou o povo, parlamentares e assessorias com balas de borracha, gás lacrimogêneo e spray de pimenta” Foto: Facebook/ Reprodução
“Porto Alegre viveu, ontem, um dia que jamais deveria ter acontecido. A Câmara Municipal de Porto Alegre, a casa do povo, virou cenário de guerra. A violência institucional e política atacou o povo, parlamentares e assessorias com balas de borracha, gás lacrimogêneo e spray de pimenta. A casa do povo se fechou para a população que reivindicava seus direitos frente a discussão e votação de projeto antipopulares, e foi transformada em campo de guerra por quem deveria proteger a cidadania”, protestou Juliana, exibindo cápsulas dos projéteis disparados contra populres e vereadores.
Juliana destacou que não foi um “confronto” como relatado por repórteres das empresas de comunicação que cobriam a sessão. “Foi violência política de Estado. Foi o autoritarismo de uma presidente que acha que comanda um quartel, não um parlamento. Foi a repressão de uma política autoritária que ataca quem defende a população”.
Para a vereadora, “não há normalidade institucional possível depois de ontem. A democracia foi ferida, e quem a feriu precisa responder por isso. Nádia tem que renunciar. Melo tem que ser responsabilizado”, defendeu a parlamentar, que divulgou um abaixo-assinado pedindo a renúncia da presidente da Câmara.
Truculência
“Um escândalo e um ato de selvageria inexplicáveis a Guarda Municipal fazer uma coisa dessas. Vereadores e vereadoras, deputados, não consegurmos entrar para acompanhar a votação e fomos duramente agredidos aqui. O prefeito Melo deve responder por esse ato de violência na Câmara de Vereadores, com a presidente Nádia”, protestou o deputado Miguel Rossetto (PT) que estava chegando na Câmara e foi atingido com dois disparos nas costas.
Grazi Oliveira (PSol) repudiou a medida de segurança adotada pela presidência da Casa e afirmou que “fica explícito o autoritarismo que é a presidência desta Casa, a ponto de proibir a entrada do povo”.
Natasha Ferreira (PT) criticou a postura de integrantes da extrema direita e declarou que o resultado das últimas eleições presidenciais os incomoda. “Eles não toleram quando a gente fala que o Brasil voltou a ser soberano, porque tem um presidente que não abaixa a cabeça e não se rende”, disse. A vereadora seguiu seu discurso retomando os questionamentos da CPI sobre os gastos relacionados ao DMAE. “Nós defendemos que o DMAE seja mais do que somente público, que tenha conselho que delibere a política do órgão, que seja respeitado, tenha concurso público e que não tenha chamados de emergência” para contratações, reforçou.
Jonas Reis (PT) relembrou que “a Câmara Municipal é do povo, não do prefeito ou dos vereadores”, após a restrição da entrada de populares no Legislativo. “Esta Casa não é de Sebastião Melo. Esta Casa é do povo. Os vereadores devem favor ao povo que paga o salário deles.” Vocês viram como os vereadores de direita tratam o povo aqui? Não querem que vocês entrem, não querem ter vocês no mesmo ambiente. Estes são os vereadores da direita”. Na sequência, o vereador denunciou que a tropa de choque da Guarda Municipal havia agredido a população nos arredores da Câmara.
“Essa violência não é aceitável numa Casa que é do povo e tem que haver providências”, defendeu Pedro Ruas (PSol).
CPI inocenta Melo

Com a oposição fora de combate, relatório de Rafael Fleck foi à votação por ordem da vice-presidente
da CPI do Dmae, Cláudia Araújo, e acabou aprovado por unanimidade.
Foto: Elson Sempé Pedroso/CMPA
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do desmonte do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) aprovou seu relatório final na manhã desta quinta-feira, 16, sem a presença de vereadores da oposição.
A presidente da CPI, Natasha Ferreira (PT), pediu o cancelamento da reunião devido os atos de repressão da Guarda Municipal contra manifestantes e parlamentares na quarta-feira, mas a solicitação foi recusada pelo relator.
“A situação se agrava ainda mais diante da postura do relator em proteger os acusados de corrupção que comandaram o Dmae, o que evidencia a tentativa de esvaziar o trabalho de investigação e enfraquecer o papel fiscalizador da CPI”, ressaltou comunicado da oposição.
“Até que se restabeleçam condições adequadas de segurança e institucionalidade, a vereadora Natasha Ferreira (PT) e os vereadores de oposição não darão aval a uma sessão que possa legitimar práticas de coerção e violência dentro da Câmara Municipal de Porto Alegre”. A nota é assinada pela presidente da CPI e pelos vereadores Aldacir Oliboni (PT), Giovani Culau e Coletivo (PCdoB) e Roberto Robaina (PSOL).
O relatório aprovado por unanimidade aponta a União e não a administração municipal pela omissão em relação ao sistema de proteção contra cheias da capital durante a enchete de maio de 2024. A sessão ocorreu no Plenário Ana Terra e foi conduzida pela vice-presidente da comissão, vereadora Cláudia Araújo (PSD).
Foram sete votos favoráveis: Cláudia Araújo, Gilson Padeiro (PSDB), Jessé Sangalli (PL), Marcos Felipi (Cidadania), Rafael Fleck (MDB), Ramiro Rosário (Novo) e Vera Armando (PP). A presidente da CPI, vereadora Natasha Ferreira (PT), e os vereadores Aldacir Oliboni (PT), Giovani Culau e Coletivo (PCdoB), José Freitas (Republicanos) e Roberto Robaina (PSOL) não compareceram à reunião.
O relatório de Fleck indicia Luiz Alberto França, empresário que denunciou esquema de pagamento de propina em contratos do Dmae, pelo delito de oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público.
Também pede a investigação do vereador Gilvani, o Gringo (Republicanos) e recomenda à prefeitura que tome providências em relação a empresas do parlamentar e de sua família, “visando a sua proibição de contratar com o poder público face a possíveis irregularidades na composição societária”.
O texto defende, ainda, que a União tem responsabilidade por omissão em relação ao sistema de proteção contra cheias da capital e pede apuração dos fatos pelo Ministério Público Federal, pelo Tribunal de Contas da União e pela Controladoria-Geral da União.
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