Violência e ódio em nome de Deus
Violência e ódio acionados em nome de Deus
Todos os incitadores de ódio e discriminação dizem agir em nome de um ser superior
Por Moisés Mendes / Publicado em 17 de junho de 2025

“Um menino de dois anos pega a pistola do pai de cima de uma mesa e atira no peito da mãe, no pátio da casa. A criança agarra-se à mãe ferida, enquanto o pai pega a arma do chão e sai para outro lado”. Imagens: Redes Sociais/ Reproduções
Três episódios que parecem não ter, mas têm fortes conexões um com o outro, no amplo cenário de um país degradado por uma crise geral de referências, valores e tudo o que deveria sustentar normas básicas de convívio.
O primeiro episódio. Um menino de dois anos pega a pistola do pai de cima de uma mesa e atira no peito da mãe, no pátio da casa. A criança agarra-se à mãe ferida, enquanto o pai pega a arma do chão e sai para outro lado.
Deborah Rodrigues Monteiro, de 27 anos, morreu no hospital de Rio Verde de Mato Grosso, em Mato Grosso do Sul. O homem estava ao lado da mulher e mexia no celular no momento da tragédia.
É agricultor e disse à polícia que não ter visto a criança manusear a pistola por 14 segundos diante dos dois, até disparar o tiro. A cena foi registrada por uma câmera da casa.
O segundo episódio. A jornalista Adriana Catarina Ramos de Oliveira, de 61 anos, discute com outra pessoa, numa cafeteria do Shopping Iguatemi, em São Paulo, e a ofende repetindo várias vezes dizendo que é uma “bicha nojenta”.
A mulher foi detida e levada a uma delegacia de polícia, onde foi agressiva também com os servidores que a atenderam. A cena no shopping foi registrada pelas câmeras do local. A Justiça determinou que ela não ficaria presa. A única medida restritiva: não poderia retornar ao shopping.
No dia seguinte, a jornalista voltou a ofender três gays, moradores do condomínio onde ela reside, no bairro de Higienópolis. Adriana chamou os três de “viados”, “boiolas depilados” e moradores de uma “gaiola das loucas”. Os ataques foram filmados. A mulher foi detida em flagrante pela PM e solta de novo logo depois.
O terceiro episódio. O deputado licenciado Eduardo Bolsonaro, que deixou o Brasil e decidiu morar nos Estados Unidos, concedeu uma entrevista, por meio remoto, ao canal Estúdio 5° Elemento, para falar da situação do pai. Eduardo disse o seguinte:
“A gente tem que, entre aspas, aproveitar enquanto Bolsonaro está vivo, porque depois que ele morrer eu não sei o que vai ser da direita. Vai ser igual o dono da boca, o dono da favela quando morre, o dono do tráfico de drogas lá. Vai ser o gerente brigando com o fogueteiro, que vai brigar com outro, vai ser tiroteio para tudo que é lado, você vai ver só”.
Eduardo está preocupado com os que, ao invés de defenderem Bolsonaro, começam a cuidar de seus projetos políticos no chamado campo da extrema direita, incluindo Tarcísio de Freitas. deus
E foi isso que os grandes jornais destacaram sobre a entrevista: as críticas aos que não defendem o pai dele e pai da extrema direita brasileira. Nada foi registrado sobre a declaração que compara a liderança do pai ao poder dos traficantes.
A esses três episódios, todos ocorridos em junho, poderiam ser agregados tantos outros, menos famosos e menos expostos, sobre fatos que dão coerência ao mural de um Brasil esfacelado pelo vale-tudo da extrema direita.
O Brasil homófobo da jornalista agressiva e reincidente. O Brasil da naturalização do armamentismo, que oferece a uma criança a chance de matar a própria mãe aos dois anos. E o Brasil em que um filho compara o pai líder político a um chefão do tráfico.
Tudo filmado e documentado, como são muitas das ações e das falas dos nossos tempos. Tudo com provas de que a crise do Brasil não é apenas política, mas do déficit generalizado do que um dia chamaram de valores da vida em sociedade.
A jornalista vai continuar agredindo, porque é presa e solta e terá uma condenação branda, se tiver, como todos os ativistas da homofobia e do racismo.
O pai que deixou a arma ao alcance do filho continuará se defendendo, como já fez, com o argumento de que foi apenas um distraído que se armou para se defender dos bandidos. E o filho de Bolsonaro vai insistir, agora falando dos Estados Unidos, que tem Deus acima de tudo.
E assim tudo passa a ser parte da normalidade em permanente construção pelos obreiros do extremismo. Homófobos, racistas, armamentistas e políticos assemelhados a traficantes estão no nosso entorno, com as mesmas desculpas para o que pensam e fazem. Agem pela família, pela pátria, pela moralidade e por um Deus que é mais deles do que dos outros.
A jornalista homofóbica disse na polícia ser estudiosa das espiritualidades. O filho de Bolsonaro é um defensor da fé religiosa. Todos os que exercem o poder individual da impunidade branca e a imposição do poder político também impune têm seus argumentos em nome do que seria transcendente.
Em todos os argumentos de agressores extremistas, Deus está presente. O que, para os agredidos, acaba por denunciar a sua ausência.
Moisés Mendes é jornalista e escreve quinzenalmente para o Extra Classe.
FONTE:
https://www.extraclasse.org.br/opiniao/2025/06/violencia-e-odio-acionados-em-nome-de-deus/