Volta às aulas na Nova Zelândia

Volta às aulas na Nova Zelândia

Escolas pós-coronavírus: como alunos e professores voltaram às aulas na Nova Zelândia

No retorno às aulas presenciais, escolas neozelandesas reforçam medidas de higiene, evitam aglomerações e buscam reduzir ansiedades ao colocar o foco no engajamento, e não nas avaliações

por Luísa Pécora ilustração relógio 1 de junho de 2020

Bem-sucedida no controle da crise do coronavírus (COVID-19), a Nova Zelândia pode servir de inspiração para outras nações não só no setor da saúde, mas também no da educação. Desde 18 de maio, os cerca de 800 mil estudantes do país puderam voltar à escola num processo que tem sido avaliado como positivo por alunos, pais e educadores, e que tem como principais diretrizes o respeito a protocolos de segurança e a redução da ansiedade.

Alunos e professores ficaram separados por um período de oito semanas, que começou com 14 dias de férias antecipadas e envolveu três etapas diferentes. Em 15 de abril, quando o país inteiro estava em um rígido “lockdown” (confinamento), os alunos voltaram às aulas de forma 100% remota. Em 29 de abril, quando o nível de alerta foi reduzido de 4 para 3, as escolas reabriram apenas para receber alunos que não pudessem continuar estudando em casa. E em 18 de maio, já no nível de alerta 2, todas as mais de 2,5 mil escolas do país puderam retomar suas atividades.

Balões enfeitam a entrada da escola perto de um cartaz welcome back
Crédito: Our Lady Star of the Sea School/Facebook

Escolas recebem alunos com mensagens de boas-vindas

 

Um documento oficial do Ministério da Educação listou as principais recomendações de segurança, mas as escolas tiveram liberdade para definir a melhor forma de operar – tanto por terem realidades muito diferentes (o contingente de alunos pode variar entre 100 e 2 mil, de acordo com dados oficiais) quanto pelo fato de o sistema educacional neozelandês ser historicamente organizado de forma local. Uma das medidas mais comuns para evitar aglomerações foi a determinação de diferentes horários de entrada, saída e intervalo para diferentes grupos de alunos, além da suspensão ou redução das assembleias semanais que costumam reunir grande parte dos estudantes e educadores. Muitas instituições também pediram que os pais se despedissem dos filhos no portão e que alunos mais velhos ficassem responsáveis por buscar os irmãos mais novos na sala de aula para depois encontrarem os pais do lado de fora da escola.

O distanciamento social trouxe algumas mudanças pedagógicas em instituições como a Tauranga Boys College, uma escola para meninos de 13 a 18 anos (a separação de gênero é comum) localizada na cidade de Tauranga, a quinta maior do país. Se geralmente os alunos seriam estimulados a trabalhar em grupo, agora as carteiras estão enfileiradas no modo mais tradicional para aumentar a distância. A escola também reforçou a limpeza dos equipamentos de educação física e limitou as atividades esportivas a treinos que foquem em habilidades individuais e condicionamento físico. Jogos de rúgbi, o esporte nacional que prevê muito contato físico, só devem acontecer daqui a três semanas.

Porta de entrada do Tauranga Boys College

Crédito: Luísa Pécora

Tauranga Boys College retornou às aulas com uma série de medidas de prenvenção ao coronavírus

Mas tanto o governo quanto os educadores e os pais parecem estar cientes de que exigir distanciamento social nas escolas é difícil, sobretudo no caso das crianças pequenas. De forma geral, preferiu-se reforçar as medidas de higiene do que optar por separação muito rigorosa. Os alunos são estimulados a lavar as mãos com frequência, levar uma toalha própria para secá-las, não compartilhar material escolar e usar as estações de álcool em gel instaladas nas salas. O uso de máscara é opcional (tanto nas escolas quanto de forma geral), mas estudantes e educadores que tiverem qualquer sintoma de gripe, mesmo apenas um nariz escorrendo, devem ficar em casa.

Moradora de Wellington, a capital da Nova Zelândia, Melanie Sue disse não esperar que o distanciamento social seja seguido à risca pelos filhos Arlo, 5 anos, e Hector, 3. “Talvez eles até possam ser lembrados pela professora quando estiverem em sala de aula, mas no parquinho e na hora da brincadeira não tem como: crianças vão ser crianças.” Segundo ela, as escolas dos filhos criaram vídeos divertidos para ensinar conceitos de higiene às crianças, como a importância de se lavar as mãos com frequência e cobrir a boca ou o nariz com o braço na hora de tossir ou espirrar.

Perry Rush

Crédito: Divulgação

Perry Rush, da associação de diretores: ‘Não estamos tão longe do normal’

Clareza e informação

Alunos entrevistados pelo Porvir se disseram contentes em reencontrar amigos e professores, e confiantes quanto à segurança na volta às aulas. Dados divulgados pelo Ministério da Educação também sugerem uma forte adesão ao retorno: no dia da reabertura a frequência foi de 79%, mas subiu para 84% no fim da mesma semana. Num dia pré-pandemia, a porcentagem costumava ficar pouco abaixo de 90%, de acordo com Perry Rush, presidente da Federação de Diretores da Nova Zelândia. “Não estamos tão longe do normal, mas ainda há um grupo de estudantes que precisamos identificar e apoiar”, afirmou, em entrevista ao Porvir.

Enquanto algumas famílias preferiram esperar mais algum tempo, outras também foram impactadas pela situação do transporte público, que ainda não opera na capacidade normal. Os alunos que optaram por não voltar à escola continuam podendo acessar o conteúdo em ferramentas como o Google Classroom, mas as aulas síncronas dos tempos de “lockdown” deixaram de acontecer para não sobrecarregar os professores.

A possibilidade de contágio nas escolas neozelandesas é considerada muito baixa, já que elas só foram reabertas quando a pandemia tinha sido controlada. Com mais de 275 mil testes realizados, um bom número para um país com 5 milhões de habitantes, a Nova Zelândia registrou apenas 1.154 casos e 22 mortes por COVID-19. Em 28 de maio, o país anunciou  alta hospitalar para o último paciente internado com a doença.

Criança mexendo em um computador iMAC na Nova Zelândia

Crédito: Arquivo Pessoal

Benício estuda em casa durante a quarentena

Neste contexto, tanto o ministro da educação, Chris Hipkins, quanto a premiê Jacinda Ardern disseram em rede nacional que os pais podiam se sentir seguros quanto ao retorno às aulas. A comunicação frequente e transparente do governo fez com que a brasileira Cristiane Diogo não hesitasse em levar os filhos Benício, 10, e Tyler, 6, de volta à escola. Nascida em Fortaleza e vivendo da Nova Zelândia há 15 anos, nas últimas semanas ela adquiriu o mesmo hábito de muitos neozelandeses: acompanhar o pronunciamento diário de Jacinda e do diretor-geral da Saúde, Ashley Bloomfield, transmitido pela televisão e no Facebook sempre às 13h. “Tivemos a sorte de ter recebido informações de forma muito clara”, disse a brasileira. “Além dos pronunciamentos, a primeira-ministra falava todos os dias no seu próprio Facebook com os cidadãos. Ela estava lá respondendo às nossas perguntas. Então, não tive medo nenhum.”

Sem pressão

Os filhos de Cristiane estudam em Auckland, a maior cidade da Nova Zelândia, em uma escola que definiu o retorno como “gentil”. Assim como durante o “lockdown” os estudantes não foram obrigados a participar das aulas, também a retomada do ensino presencial priorizou o bem-estar. “Eles nos informaram que as atividades seriam voltadas a fazer com que as crianças se sentissem emocionalmente bem e se reconectassem com os amigos”, contou.

Na definição do presidente da Federação de Diretores, a primeira semana de aulas focou em “currículo humano” e não em “aprendizado formal”. “Encorajamos os jovens a expressar seus sentimentos, a entender o que aconteceu e a se conectarem uns com os outros. Não podemos apenas voltar ao que era antes e ignorar uma crise internacional que o mundo não via há muito tempo”, explicou.

Os educadores também disseram compreender que deficiências de aprendizado durante o período de ensino remoto são inevitáveis. Diretor da Tauranga Boys College, Robert Mangan contou que a instituição estava bem preparada para a educação à distância porque há quatro anos funciona como “BYOD” (sigla em inglês Traga Seu Próprio Dispositivo), encorajando os estudantes a levar tablets e computadores pessoais à escola. Mesmo assim, ele diz que as desigualdades entre os alunos representarão um desafio nos próximos meses. “Aqueles que não tinham os mesmos recursos, seja de equipamento ou acesso à internet, e que não tinham a mesma motivação, apoio da família ou ambiente favorável ao estudo vão ficar um pouco para trás”, afirmou. Pensando nisso, a escola adiou a entrega de todos os trabalhos para o último dia de aula do quadrimestre, marcado para 3 de julho. “Temos sido muito compreensivos e focado mais em engajamento do que em avaliação. Queremos ajustar o nível de ansiedade, minimizar a pressão e dar tempo aos meninos.”

Melanie Webber

Crédito: Arquivo pessoal

Melanie Webber, professora: ‘Precisamos ser carinhosos conosco e com os estudante’

O Ministério da Educação também adiou em dez dias a aplicação do Certificado Nacional de Realização Educacional (NCEA, na sigla em inglês), exames nacionais externos realizados em novembro por alunos do Ensino Médio – embora há quem acredite que o adiamento precise ser maior.

A abordagem “gentil” também deve se estender aos educadores na opinião de Melanie Webber, professora da Western Springs College, uma escola secundária em Auckland, e vice-presidente da Associação de Professores Pós-Primários da Nova Zelândia. “Estamos mapeando o trabalho que precisa ser feito, mas com muito carinho e sem pressionar demais, para não criar mais ansiedade”, afirmou. “Professores sempre dão um jeito de fazer as coisas funcionarem, mas precisamos ser carinhosos conosco e com os estudantes. Precisamos aceitar que sim, houve perda de aprendizado, mas vamos conseguir recuperar.”

Para o futuro

Em que pesem os desafios, também há a sensação de que a crise trouxe novidades positivas. Tanto Melanie Webber quanto Robert Mangan acreditam na continuidade do uso do Google Classroom como ferramenta de suporte ao ensino presencial, enquanto Perry Rush destaca o modo como professores compartilharam seus planos de aulas durante o “lockdown”. “Foi um período muito fértil para aprender, dividir e testar. O fato de termos reconfigurado o sistema nacional de educação três vezes em oito semanas, com esse nível de sucesso, é uma prova do profissionalismo dos professores, que estão abertos a conversar e a encontrar soluções mesmo em um terreno incerto”, opinou. “Há uma parceria muito grande que talvez não estivesse tão clara antes.”

Ele também acredita que a crise do coronavírus ressaltou o “protagonismo e capacidade dos jovens” e ajudou a “ampliar o entendimento sobre as oportunidades de aprendizado que estão fora do ambiente escolar”. Como exemplo, citou professores que sugeriram experimentos de ciência para os alunos fazerem na cozinha e um estudante que aprendeu a trocar o óleo de um carro e transformou a experiência em trabalho de escola.

Mas os educadores também acham que o período de ensino remoto consolidou a importância da escola como espaço comunitário e de interação social, bem como os laços entre educadores e estudantes. “A maioria dos professores torna-se professor porque gosta de trabalhar com jovens. Ensinar é relacionamento, e não é fácil desenvolver relacionamentos à distância”, afirmou Melanie. No dia da entrevista ao Porvir, uma sexta-feira, ela tinha acabado de dar sua última aula da semana, na qual precisou pedir por diversas vezes que os alunos ficassem em silêncio. No entanto, disse preferir “muito mais” fazer isso do que se sentir falando sozinha em uma videoconferência. “Tem sido muito gostoso tê-los de volta.”

 

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