A adesão ao EAD é baixíssima

A adesão ao EAD é baixíssima

“A adesão ao ensino a distância é baixíssima e muitos alunos não acessaram nada até agora”

Gabriel Brito, da Redação      15/06/2020


Desafios do EaD: como as escolas estaduais estão funcionando | Geral

 

Ao mesmo tempo em que a pan­demia do co­ro­na­vírus segue to­tal­mente des­con­tro­lada, as grandes ci­dades bra­si­leiras dis­cutem al­ter­na­tivas para re­tomar a nor­ma­li­dade. E a rede de es­colas pú­blicas é um eixo fun­da­mental dessa pos­si­bi­li­dade. En­quanto isso, já são três meses de uma im­pro­vi­sada ten­ta­tiva de manter o ano le­tivo através do En­sino a Dis­tância (EaD) e uma pla­ta­forma nunca uti­li­zada de acesso ao con­teúdo das aulas por in­ternet. De acordo com o pro­fessor da rede es­ta­dual Davi Cor­reia Santos, em en­tre­vista, os re­sul­tados são pra­ti­ca­mente nulos.

“Alunas e alunos não são bobos, eles sabem que esse pro­cesso é mais para dizer que houve aula do que uma pro­posta para pro­duzir e dis­tri­buir co­nhe­ci­mento. Muitos alunos re­latam, em con­versas pes­soais, que mesmo com as aulas no Centro de Mídia (pla­ta­forma que a Se­cre­taria de Edu­cação de SP adotou para as aulas de EaD), não se sentem mo­ti­vados a re­a­lizar as ati­vi­dades, porque não há apren­di­zado e nem o con­tato. Não é fácil se adaptar tão rá­pido. Isso sem contar os pro­blemas com acesso à pla­ta­forma. Há muitos alunos que não aces­saram nada, em ne­nhum mo­mento”, ex­plicou.

Na en­tre­vista, o pro­fessor de so­ci­o­logia cri­tica o ca­ráter pro­du­ti­vista da atu­ação da Se­cre­taria de Edu­cação, que ig­nora di­versos fa­tores so­ci­o­e­conô­micos que in­ter­ferem na adesão dos alunos a esta ines­pe­rada forma de ter aulas. E la­menta que as ex­pe­ri­ên­cias que a pan­demia impôs à so­ci­e­dade di­fi­cil­mente serão de­ba­tidas a fundo, uma vez que todo o pla­ne­ja­mento pe­da­gó­gico é feito de cima para baixo, afas­tado de qual­quer cons­trução co­le­tiva e co­nec­tada com as co­mu­ni­dades que moldam cada es­cola na ci­dade.

“Nos úl­timos dias o go­verno de São Paulo apre­sentou um plano de re­a­ber­tura. E isso já causou uma fis­sura com a área da edu­cação. Na mai­oria dos lares que ainda estão de qua­ren­tena, só é pos­sível voltar ao tra­balho se houver onde deixar as cri­anças. E aí? As cre­ches e es­colas estão fe­chadas, como vai fazer? Acre­dito que os alunos, pro­fes­sores e toda co­mu­ni­dade es­colar irão voltar com uma série de de­mandas novas e ex­pe­ri­ên­cias par­ti­cu­lares. E não iremos dis­cutir isso, porque vai além de pro­to­colos”, re­sumiu.

A en­tre­vista com­pleta com Davi Cor­reia Santos pode ser lida a se­guir.

Cor­reio da Ci­da­dania: Em pri­meiro lugar, como des­creve a ten­ta­tiva dos go­vernos es­ta­dual e mu­ni­cipal em manter as aulas do en­sino pú­blico através do en­sino a dis­tância em meio à pan­demia do novo co­ro­na­vírus?

Davi Cor­reia Santos: In­sen­si­bi­li­dade. Na pri­meira con­fe­rência, de­pois do re­cesso de­cre­tado no início da qua­ren­tena, o Ros­sieli So­ares (se­cre­tária da Edu­cação do es­tado) disse algo como “é me­lhor fazer al­guma coisa do que ficar pa­rado”. E aí já se parte de uma pre­missa falsa: que a opo­sição ao sis­tema ado­tado é sim­ples­mente não fazer nada.

Nin­guém quer ficar pa­rado, apenas que­ríamos que hou­vesse cons­trução co­le­tiva da so­lução, e não uma par­ti­ci­pação de meia dúzia para vender uma so­lução de startup que de­vemos aceitar, sem levar em conta a imensa di­ver­si­dade do nosso sis­tema edu­ca­ci­onal.

Cor­reio da Ci­da­dania: Qual foi o nível real de adesão dos es­tu­dantes?

Davi Cor­reia Santos: Real mesmo? No sen­tido de fazer desse novo pro­cesso um es­paço de apren­di­zagem? Bai­xís­simo! Alunas e alunos não são bobos, eles sabem que esse pro­cesso é mais para dizer que houve aula do que uma pro­posta para pro­duzir e dis­tri­buir co­nhe­ci­mento. Muitos alunos re­latam, em con­versas pes­soais, que mesmo com as aulas no Centro de Mídia (pla­ta­forma que a Se­cre­taria de Edu­cação de SP adotou para as aulas de EaD), não se sentem mo­ti­vados a re­a­lizar as ati­vi­dades, porque não há apren­di­zado e nem o con­tato. Não é fácil se adaptar tão rá­pido. Isso sem contar os pro­blemas com acesso à pla­ta­forma. Há muitos alunos que não aces­saram nada, em ne­nhum mo­mento.

Cor­reio da Ci­da­dania: Que ba­lanço pode ser feito desta ex­pe­ri­ência até aqui? Como fi­cará o ano le­tivo, em es­pe­cial da­queles que não con­se­guiram acom­pa­nhar as aulas?

Davi Cor­reia Santos: Em pri­meiro lugar, de­vemos ter uma res­posta ao mo­mento que vi­vemos, mas ela passa muito mais por or­ga­ni­zação local e su­porte do Es­tado do que algo im­plan­tado de cima pra baixo. Dito isso, sim, eu vejo um ano le­tivo não apro­vei­tado. Não digo per­dido, porque es­cola é algo tão com­plexo e apren­di­zagem é uma coisa tão ampla que os alunos podem, sim, ter ex­pe­ri­ên­cias pro­vei­tosas para suas vidas.

E nós, en­quanto pro­fes­sores, também po­demos vi­ven­ciar ou­tras re­a­li­dades. Mas para o fun­ci­o­na­mento em si, da es­cola, con­si­dero per­dido. Ainda mais porque es­tamos ma­qui­ando o seu fun­ci­o­na­mento como “normal”, ao invés de parar e com­pre­ender o que es­tamos pas­sando.

Cor­reio da Ci­da­dania: Acre­dita que ser­virá como tram­polim para o avanço do en­sino a dis­tância?

Davi Cor­reia Santos: Pode ser. Mas vamos lem­brar que mesmo com essa gente aí, que sa­liva por eco­no­mizar com pes­soas e au­mentar o en­sino mas­si­fi­cante, não dá pra bancar um EaD na rede como um todo. Somos tão es­pe­cí­ficos nos di­versos pro­blemas, re­a­li­dades e ex­pe­ri­ên­cias que acre­dito mais numa ten­ta­tiva de mescla de ho­rá­rios nos cargos e fun­ções, além de adap­ta­ções como as que foram feitas na Re­forma do En­sino Médio, que ga­rante uma parte do en­sino no EJA (Edu­cação de Jo­vens e Adultos) feito em EaD.

Cor­reio da Ci­da­dania: Para o pro­fessor, como é a ex­pe­ri­ência de or­ga­nizar aulas e trans­mitir con­teúdos de apren­di­zado neste con­texto?

Davi Cor­reia Santos: Vale lem­brar que na rede pú­blica nós não or­ga­ni­zamos as aulas para nossas turmas. Os alunos as­sistem aulas co­muns de cada ma­téria, dis­po­ní­veis no Centro de Mídia. Fi­camos re­le­gados à função de tu­toria. Nosso des­gaste se dá na pro­cura de ma­te­rial e or­ga­ni­zação das ati­vi­dades, para além do que é apos­ti­lado na Seduc. E no pre­en­chi­mento da bu­ro­cracia, além de todo des­gaste na adap­tação a um sis­tema com o qual pouquís­simos têm fa­mi­li­a­ri­dade.

Outro ponto ig­no­rado é o des­gaste pelo ce­nário co­le­tivo. Não dá pra ig­norar que temos gente mor­rendo, um go­verno es­ta­dual far­sante e de­ma­gogo, um go­verno fe­deral ne­ga­ci­o­nista e au­to­ri­tário... Tudo isso con­tribui ne­ga­ti­va­mente e nos suga muitas ener­gias.

Cor­reio da Ci­da­dania: Como a edu­cação e tudo o que de­ba­temos aqui di­a­loga com a pro­posta de re­a­ber­tura gra­dual das ati­vi­dades ge­rais? Há algum plano, al­guma es­tra­tégia de re­to­mada das aulas pre­sen­ciais?

Davi Cor­reia Santos: Nos úl­timos dias o go­verno de São Paulo apre­sentou um plano de re­a­ber­tura. E isso já causou uma fis­sura com a área da edu­cação. Na mai­oria dos lares que ainda estão de qua­ren­tena, só é pos­sível voltar ao tra­balho se houver onde deixar as cri­anças. E aí? As cre­ches e es­colas estão fe­chadas, como vai fazer? Não há, até agora, ne­nhuma pre­visão para se dis­cutir como iremos fazer na volta às aulas. Não é reu­nião pra re­ceber ori­en­ta­ções.

Acre­dito que os alunos, pro­fes­sores e toda co­mu­ni­dade es­colar irão voltar com uma série de de­mandas novas e ex­pe­ri­ên­cias par­ti­cu­lares. E não iremos dis­cutir isso, porque vai além de pro­to­colos.

Ga­briel Brito é jor­na­lista e editor do Cor­reio da Ci­da­dania.

 

https://www.correiocidadania.com.br/34-artigos/manchete/14238-a-adesao-ao-ensino-a-distancia-e-baixissima-e-muitos-alunos-nao-acessaram-nada-ate-agora 

Ao mesmo tempo em que a pandemia do coronavírus segue totalmente descontrolada, as grandes cidades brasileiras discutem alternativas para retomar a normalidade. E a rede de escolas públicas é um eixo fundamental dessa possibilidade. Enquanto isso, já são três meses de uma improvisada tentativa de manter o ano letivo através do Ensino a Distância (EaD) e uma plataforma nunca utilizada de acesso ao conteúdo das aulas por internet. De acordo com o professor da rede estadual Davi Correia Santos, em entrevista, os resultados são praticamente nulos.

“Alunas e alunos não são bobos, eles sabem que esse processo é mais para dizer que houve aula do que uma proposta para produzir e distribuir conhecimento. Muitos alunos relatam, em conversas pessoais, que mesmo com as aulas no Centro de Mídia (plataforma que a Secretaria de Educação de SP adotou para as aulas de EaD), não se sentem motivados a realizar as atividades, porque não há aprendizado e nem o contato. Não é fácil se adaptar tão rápido. Isso sem contar os problemas com acesso à plataforma. Há muitos alunos que não acessaram nada, em nenhum momento”, explicou.

Na entrevista, o professor de sociologia critica o caráter produtivista da atuação da Secretaria de Educação, que ignora diversos fatores socioeconômicos que interferem na adesão dos alunos a esta inesperada forma de ter aulas. E lamenta que as experiências que a pandemia impôs à sociedade dificilmente serão debatidas a fundo, uma vez que todo o planejamento pedagógico é feito de cima para baixo, afastado de qualquer construção coletiva e conectada com as comunidades que moldam cada escola na cidade.

“Nos últimos dias o governo de São Paulo apresentou um plano de reabertura. E isso já causou uma fissura com a área da educação. Na maioria dos lares que ainda estão de quarentena, só é possível voltar ao trabalho se houver onde deixar as crianças. E aí? As creches e escolas estão fechadas, como vai fazer? Acredito que os alunos, professores e toda comunidade escolar irão voltar com uma série de demandas novas e experiências particulares. E não iremos discutir isso, porque vai além de protocolos”, resumiu.

A entrevista completa com Davi Correia Santos pode ser lida a seguir.

Correio da Cidadania: Em primeiro lugar, como descreve a tentativa dos governos estadual e municipal em manter as aulas do ensino público através do ensino a distância em meio à pandemia do novo coronavírus?

Davi Correia Santos: Insensibilidade. Na primeira conferência, depois do recesso decretado no início da quarentena, o Rossieli Soares (secretária da Educação do estado) disse algo como “é melhor fazer alguma coisa do que ficar parado”. E aí já se parte de uma premissa falsa: que a oposição ao sistema adotado é simplesmente não fazer nada.

Ninguém quer ficar parado, apenas queríamos que houvesse construção coletiva da solução, e não uma participação de meia dúzia para vender uma solução de startup que devemos aceitar, sem levar em conta a imensa diversidade do nosso sistema educacional.

Correio da Cidadania: Qual foi o nível real de adesão dos estudantes?

Davi Correia Santos: Real mesmo? No sentido de fazer desse novo processo um espaço de aprendizagem? Baixíssimo! Alunas e alunos não são bobos, eles sabem que esse processo é mais para dizer que houve aula do que uma proposta para produzir e distribuir conhecimento. Muitos alunos relatam, em conversas pessoais, que mesmo com as aulas no Centro de Mídia (plataforma que a Secretaria de Educação de SP adotou para as aulas de EaD), não se sentem motivados a realizar as atividades, porque não há aprendizado e nem o contato. Não é fácil se adaptar tão rápido. Isso sem contar os problemas com acesso à plataforma. Há muitos alunos que não acessaram nada, em nenhum momento.

Correio da Cidadania: Que balanço pode ser feito desta experiência até aqui? Como ficará o ano letivo, em especial daqueles que não conseguiram acompanhar as aulas?

Davi Correia Santos: Em primeiro lugar, devemos ter uma resposta ao momento que vivemos, mas ela passa muito mais por organização local e suporte do Estado do que algo implantado de cima pra baixo. Dito isso, sim, eu vejo um ano letivo não aproveitado. Não digo perdido, porque escola é algo tão complexo e aprendizagem é uma coisa tão ampla que os alunos podem, sim, ter experiências proveitosas para suas vidas.

E nós, enquanto professores, também podemos vivenciar outras realidades. Mas para o funcionamento em si, da escola, considero perdido. Ainda mais porque estamos maquiando o seu funcionamento como “normal”, ao invés de parar e compreender o que estamos passando.

Correio da Cidadania: Acredita que servirá como trampolim para o avanço do ensino a distância?

Davi Correia Santos: Pode ser. Mas vamos lembrar que mesmo com essa gente aí, que saliva por economizar com pessoas e aumentar o ensino massificante, não dá pra bancar um EaD na rede como um todo. Somos tão específicos nos diversos problemas, realidades e experiências que acredito mais numa tentativa de mescla de horários nos cargos e funções, além de adaptações como as que foram feitas na Reforma do Ensino Médio, que garante uma parte do ensino no EJA (Educação de Jovens e Adultos) feito em EaD.

Correio da Cidadania: Para o professor, como é a experiência de organizar aulas e transmitir conteúdos de aprendizado neste contexto?

Davi Correia Santos: Vale lembrar que na rede pública nós não organizamos as aulas para nossas turmas. Os alunos assistem aulas comuns de cada matéria, disponíveis no Centro de Mídia. Ficamos relegados à função de tutoria. Nosso desgaste se dá na procura de material e organização das atividades, para além do que é apostilado na Seduc. E no preenchimento da burocracia, além de todo desgaste na adaptação a um sistema com o qual pouquíssimos têm familiaridade.

Outro ponto ignorado é o desgaste pelo cenário coletivo. Não dá pra ignorar que temos gente morrendo, um governo estadual farsante e demagogo, um governo federal negacionista e autoritário... Tudo isso contribui negativamente e nos suga muitas energias.

Correio da Cidadania: Como a educação e tudo o que debatemos aqui dialoga com a proposta de reabertura gradual das atividades gerais? Há algum plano, alguma estratégia de retomada das aulas presenciais?

Davi Correia Santos: Nos últimos dias o governo de São Paulo apresentou um plano de reabertura. E isso já causou uma fissura com a área da educação. Na maioria dos lares que ainda estão de quarentena, só é possível voltar ao trabalho se houver onde deixar as crianças. E aí? As creches e escolas estão fechadas, como vai fazer? Não há, até agora, nenhuma previsão para se discutir como iremos fazer na volta às aulas. Não é reunião pra receber orientações.

Acredito que os alunos, professores e toda comunidade escolar irão voltar com uma série de demandas novas e experiências particulares. E não iremos discutir isso, porque vai além de protocolos.

Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.

Ao mesmo tempo em que a pandemia do coronavírus segue totalmente descontrolada, as grandes cidades brasileiras discutem alternativas para retomar a normalidade. E a rede de escolas públicas é um eixo fundamental dessa possibilidade. Enquanto isso, já são três meses de uma improvisada tentativa de manter o ano letivo através do Ensino a Distância (EaD) e uma plataforma nunca utilizada de acesso ao conteúdo das aulas por internet. De acordo com o professor da rede estadual Davi Correia Santos, em entrevista, os resultados são praticamente nulos.

“Alunas e alunos não são bobos, eles sabem que esse processo é mais para dizer que houve aula do que uma proposta para produzir e distribuir conhecimento. Muitos alunos relatam, em conversas pessoais, que mesmo com as aulas no Centro de Mídia (plataforma que a Secretaria de Educação de SP adotou para as aulas de EaD), não se sentem motivados a realizar as atividades, porque não há aprendizado e nem o contato. Não é fácil se adaptar tão rápido. Isso sem contar os problemas com acesso à plataforma. Há muitos alunos que não acessaram nada, em nenhum momento”, explicou.

Na entrevista, o professor de sociologia critica o caráter produtivista da atuação da Secretaria de Educação, que ignora diversos fatores socioeconômicos que interferem na adesão dos alunos a esta inesperada forma de ter aulas. E lamenta que as experiências que a pandemia impôs à sociedade dificilmente serão debatidas a fundo, uma vez que todo o planejamento pedagógico é feito de cima para baixo, afastado de qualquer construção coletiva e conectada com as comunidades que moldam cada escola na cidade.

“Nos últimos dias o governo de São Paulo apresentou um plano de reabertura. E isso já causou uma fissura com a área da educação. Na maioria dos lares que ainda estão de quarentena, só é possível voltar ao trabalho se houver onde deixar as crianças. E aí? As creches e escolas estão fechadas, como vai fazer? Acredito que os alunos, professores e toda comunidade escolar irão voltar com uma série de demandas novas e experiências particulares. E não iremos discutir isso, porque vai além de protocolos”, resumiu.

A entrevista completa com Davi Correia Santos pode ser lida a seguir.

Correio da Cidadania: Em primeiro lugar, como descreve a tentativa dos governos estadual e municipal em manter as aulas do ensino público através do ensino a distância em meio à pandemia do novo coronavírus?

Davi Correia Santos: Insensibilidade. Na primeira conferência, depois do recesso decretado no início da quarentena, o Rossieli Soares (secretária da Educação do estado) disse algo como “é melhor fazer alguma coisa do que ficar parado”. E aí já se parte de uma premissa falsa: que a oposição ao sistema adotado é simplesmente não fazer nada.

Ninguém quer ficar parado, apenas queríamos que houvesse construção coletiva da solução, e não uma participação de meia dúzia para vender uma solução de startup que devemos aceitar, sem levar em conta a imensa diversidade do nosso sistema educacional.

Correio da Cidadania: Qual foi o nível real de adesão dos estudantes?

Davi Correia Santos: Real mesmo? No sentido de fazer desse novo processo um espaço de aprendizagem? Baixíssimo! Alunas e alunos não são bobos, eles sabem que esse processo é mais para dizer que houve aula do que uma proposta para produzir e distribuir conhecimento. Muitos alunos relatam, em conversas pessoais, que mesmo com as aulas no Centro de Mídia (plataforma que a Secretaria de Educação de SP adotou para as aulas de EaD), não se sentem motivados a realizar as atividades, porque não há aprendizado e nem o contato. Não é fácil se adaptar tão rápido. Isso sem contar os problemas com acesso à plataforma. Há muitos alunos que não acessaram nada, em nenhum momento.

Correio da Cidadania: Que balanço pode ser feito desta experiência até aqui? Como ficará o ano letivo, em especial daqueles que não conseguiram acompanhar as aulas?

Davi Correia Santos: Em primeiro lugar, devemos ter uma resposta ao momento que vivemos, mas ela passa muito mais por organização local e suporte do Estado do que algo implantado de cima pra baixo. Dito isso, sim, eu vejo um ano letivo não aproveitado. Não digo perdido, porque escola é algo tão complexo e aprendizagem é uma coisa tão ampla que os alunos podem, sim, ter experiências proveitosas para suas vidas.

E nós, enquanto professores, também podemos vivenciar outras realidades. Mas para o funcionamento em si, da escola, considero perdido. Ainda mais porque estamos maquiando o seu funcionamento como “normal”, ao invés de parar e compreender o que estamos passando.

Correio da Cidadania: Acredita que servirá como trampolim para o avanço do ensino a distância?

Davi Correia Santos: Pode ser. Mas vamos lembrar que mesmo com essa gente aí, que saliva por economizar com pessoas e aumentar o ensino massificante, não dá pra bancar um EaD na rede como um todo. Somos tão específicos nos diversos problemas, realidades e experiências que acredito mais numa tentativa de mescla de horários nos cargos e funções, além de adaptações como as que foram feitas na Reforma do Ensino Médio, que garante uma parte do ensino no EJA (Educação de Jovens e Adultos) feito em EaD.

Correio da Cidadania: Para o professor, como é a experiência de organizar aulas e transmitir conteúdos de aprendizado neste contexto?

Davi Correia Santos: Vale lembrar que na rede pública nós não organizamos as aulas para nossas turmas. Os alunos assistem aulas comuns de cada matéria, disponíveis no Centro de Mídia. Ficamos relegados à função de tutoria. Nosso desgaste se dá na procura de material e organização das atividades, para além do que é apostilado na Seduc. E no preenchimento da burocracia, além de todo desgaste na adaptação a um sistema com o qual pouquíssimos têm familiaridade.

Outro ponto ignorado é o desgaste pelo cenário coletivo. Não dá pra ignorar que temos gente morrendo, um governo estadual farsante e demagogo, um governo federal negacionista e autoritário... Tudo isso contribui negativamente e nos suga muitas energias.

Correio da Cidadania: Como a educação e tudo o que debatemos aqui dialoga com a proposta de reabertura gradual das atividades gerais? Há algum plano, alguma estratégia de retomada das aulas presenciais?

Davi Correia Santos: Nos últimos dias o governo de São Paulo apresentou um plano de reabertura. E isso já causou uma fissura com a área da educação. Na maioria dos lares que ainda estão de quarentena, só é possível voltar ao trabalho se houver onde deixar as crianças. E aí? As creches e escolas estão fechadas, como vai fazer? Não há, até agora, nenhuma previsão para se discutir como iremos fazer na volta às aulas. Não é reunião pra receber orientações.

Acredito que os alunos, professores e toda comunidade escolar irão voltar com uma série de demandas novas e experiências particulares. E não iremos discutir isso, porque vai além de protocolos.

Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.

Ao mesmo tempo em que a pandemia do coronavírus segue totalmente descontrolada, as grandes cidades brasileiras discutem alternativas para retomar a normalidade. E a rede de escolas públicas é um eixo fundamental dessa possibilidade. Enquanto isso, já são três meses de uma improvisada tentativa de manter o ano letivo através do Ensino a Distância (EaD) e uma plataforma nunca utilizada de acesso ao conteúdo das aulas por internet. De acordo com o professor da rede estadual Davi Correia Santos, em entrevista, os resultados são praticamente nulos.

“Alunas e alunos não são bobos, eles sabem que esse processo é mais para dizer que houve aula do que uma proposta para produzir e distribuir conhecimento. Muitos alunos relatam, em conversas pessoais, que mesmo com as aulas no Centro de Mídia (plataforma que a Secretaria de Educação de SP adotou para as aulas de EaD), não se sentem motivados a realizar as atividades, porque não há aprendizado e nem o contato. Não é fácil se adaptar tão rápido. Isso sem contar os problemas com acesso à plataforma. Há muitos alunos que não acessaram nada, em nenhum momento”, explicou.

Na entrevista, o professor de sociologia critica o caráter produtivista da atuação da Secretaria de Educação, que ignora diversos fatores socioeconômicos que interferem na adesão dos alunos a esta inesperada forma de ter aulas. E lamenta que as experiências que a pandemia impôs à sociedade dificilmente serão debatidas a fundo, uma vez que todo o planejamento pedagógico é feito de cima para baixo, afastado de qualquer construção coletiva e conectada com as comunidades que moldam cada escola na cidade.

“Nos últimos dias o governo de São Paulo apresentou um plano de reabertura. E isso já causou uma fissura com a área da educação. Na maioria dos lares que ainda estão de quarentena, só é possível voltar ao trabalho se houver onde deixar as crianças. E aí? As creches e escolas estão fechadas, como vai fazer? Acredito que os alunos, professores e toda comunidade escolar irão voltar com uma série de demandas novas e experiências particulares. E não iremos discutir isso, porque vai além de protocolos”, resumiu.

A entrevista completa com Davi Correia Santos pode ser lida a seguir.

Correio da Cidadania: Em primeiro lugar, como descreve a tentativa dos governos estadual e municipal em manter as aulas do ensino público através do ensino a distância em meio à pandemia do novo coronavírus?

Davi Correia Santos: Insensibilidade. Na primeira conferência, depois do recesso decretado no início da quarentena, o Rossieli Soares (secretária da Educação do estado) disse algo como “é melhor fazer alguma coisa do que ficar parado”. E aí já se parte de uma premissa falsa: que a oposição ao sistema adotado é simplesmente não fazer nada.

Ninguém quer ficar parado, apenas queríamos que houvesse construção coletiva da solução, e não uma participação de meia dúzia para vender uma solução de startup que devemos aceitar, sem levar em conta a imensa diversidade do nosso sistema educacional.

Correio da Cidadania: Qual foi o nível real de adesão dos estudantes?

Davi Correia Santos: Real mesmo? No sentido de fazer desse novo processo um espaço de aprendizagem? Baixíssimo! Alunas e alunos não são bobos, eles sabem que esse processo é mais para dizer que houve aula do que uma proposta para produzir e distribuir conhecimento. Muitos alunos relatam, em conversas pessoais, que mesmo com as aulas no Centro de Mídia (plataforma que a Secretaria de Educação de SP adotou para as aulas de EaD), não se sentem motivados a realizar as atividades, porque não há aprendizado e nem o contato. Não é fácil se adaptar tão rápido. Isso sem contar os problemas com acesso à plataforma. Há muitos alunos que não acessaram nada, em nenhum momento.

Correio da Cidadania: Que balanço pode ser feito desta experiência até aqui? Como ficará o ano letivo, em especial daqueles que não conseguiram acompanhar as aulas?

Davi Correia Santos: Em primeiro lugar, devemos ter uma resposta ao momento que vivemos, mas ela passa muito mais por organização local e suporte do Estado do que algo implantado de cima pra baixo. Dito isso, sim, eu vejo um ano letivo não aproveitado. Não digo perdido, porque escola é algo tão complexo e aprendizagem é uma coisa tão ampla que os alunos podem, sim, ter experiências proveitosas para suas vidas.

E nós, enquanto professores, também podemos vivenciar outras realidades. Mas para o funcionamento em si, da escola, considero perdido. Ainda mais porque estamos maquiando o seu funcionamento como “normal”, ao invés de parar e compreender o que estamos passando.

Correio da Cidadania: Acredita que servirá como trampolim para o avanço do ensino a distância?

Davi Correia Santos: Pode ser. Mas vamos lembrar que mesmo com essa gente aí, que saliva por economizar com pessoas e aumentar o ensino massificante, não dá pra bancar um EaD na rede como um todo. Somos tão específicos nos diversos problemas, realidades e experiências que acredito mais numa tentativa de mescla de horários nos cargos e funções, além de adaptações como as que foram feitas na Reforma do Ensino Médio, que garante uma parte do ensino no EJA (Educação de Jovens e Adultos) feito em EaD.

Correio da Cidadania: Para o professor, como é a experiência de organizar aulas e transmitir conteúdos de aprendizado neste contexto?

Davi Correia Santos: Vale lembrar que na rede pública nós não organizamos as aulas para nossas turmas. Os alunos assistem aulas comuns de cada matéria, disponíveis no Centro de Mídia. Ficamos relegados à função de tutoria. Nosso desgaste se dá na procura de material e organização das atividades, para além do que é apostilado na Seduc. E no preenchimento da burocracia, além de todo desgaste na adaptação a um sistema com o qual pouquíssimos têm familiaridade.

Outro ponto ignorado é o desgaste pelo cenário coletivo. Não dá pra ignorar que temos gente morrendo, um governo estadual farsante e demagogo, um governo federal negacionista e autoritário... Tudo isso contribui negativamente e nos suga muitas energias.

Correio da Cidadania: Como a educação e tudo o que debatemos aqui dialoga com a proposta de reabertura gradual das atividades gerais? Há algum plano, alguma estratégia de retomada das aulas presenciais?

Davi Correia Santos: Nos últimos dias o governo de São Paulo apresentou um plano de reabertura. E isso já causou uma fissura com a área da educação. Na maioria dos lares que ainda estão de quarentena, só é possível voltar ao trabalho se houver onde deixar as crianças. E aí? As creches e escolas estão fechadas, como vai fazer? Não há, até agora, nenhuma previsão para se discutir como iremos fazer na volta às aulas. Não é reunião pra receber orientações.

Acredito que os alunos, professores e toda comunidade escolar irão voltar com uma série de demandas novas e experiências particulares. E não iremos discutir isso, porque vai além de protocolos.

Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.

Ao mesmo tempo em que a pandemia do coronavírus segue totalmente descontrolada, as grandes cidades brasileiras discutem alternativas para retomar a normalidade. E a rede de escolas públicas é um eixo fundamental dessa possibilidade. Enquanto isso, já são três meses de uma improvisada tentativa de manter o ano letivo através do Ensino a Distância (EaD) e uma plataforma nunca utilizada de acesso ao conteúdo das aulas por internet. De acordo com o professor da rede estadual Davi Correia Santos, em entrevista, os resultados são praticamente nulos.

“Alunas e alunos não são bobos, eles sabem que esse processo é mais para dizer que houve aula do que uma proposta para produzir e distribuir conhecimento. Muitos alunos relatam, em conversas pessoais, que mesmo com as aulas no Centro de Mídia (plataforma que a Secretaria de Educação de SP adotou para as aulas de EaD), não se sentem motivados a realizar as atividades, porque não há aprendizado e nem o contato. Não é fácil se adaptar tão rápido. Isso sem contar os problemas com acesso à plataforma. Há muitos alunos que não acessaram nada, em nenhum momento”, explicou.

Na entrevista, o professor de sociologia critica o caráter produtivista da atuação da Secretaria de Educação, que ignora diversos fatores socioeconômicos que interferem na adesão dos alunos a esta inesperada forma de ter aulas. E lamenta que as experiências que a pandemia impôs à sociedade dificilmente serão debatidas a fundo, uma vez que todo o planejamento pedagógico é feito de cima para baixo, afastado de qualquer construção coletiva e conectada com as comunidades que moldam cada escola na cidade.

“Nos últimos dias o governo de São Paulo apresentou um plano de reabertura. E isso já causou uma fissura com a área da educação. Na maioria dos lares que ainda estão de quarentena, só é possível voltar ao trabalho se houver onde deixar as crianças. E aí? As creches e escolas estão fechadas, como vai fazer? Acredito que os alunos, professores e toda comunidade escolar irão voltar com uma série de demandas novas e experiências particulares. E não iremos discutir isso, porque vai além de protocolos”, resumiu.

A entrevista completa com Davi Correia Santos pode ser lida a seguir.

Correio da Cidadania: Em primeiro lugar, como descreve a tentativa dos governos estadual e municipal em manter as aulas do ensino público através do ensino a distância em meio à pandemia do novo coronavírus?

Davi Correia Santos: Insensibilidade. Na primeira conferência, depois do recesso decretado no início da quarentena, o Rossieli Soares (secretária da Educação do estado) disse algo como “é melhor fazer alguma coisa do que ficar parado”. E aí já se parte de uma premissa falsa: que a oposição ao sistema adotado é simplesmente não fazer nada.

Ninguém quer ficar parado, apenas queríamos que houvesse construção coletiva da solução, e não uma participação de meia dúzia para vender uma solução de startup que devemos aceitar, sem levar em conta a imensa diversidade do nosso sistema educacional.

Correio da Cidadania: Qual foi o nível real de adesão dos estudantes?

Davi Correia Santos: Real mesmo? No sentido de fazer desse novo processo um espaço de aprendizagem? Baixíssimo! Alunas e alunos não são bobos, eles sabem que esse processo é mais para dizer que houve aula do que uma proposta para produzir e distribuir conhecimento. Muitos alunos relatam, em conversas pessoais, que mesmo com as aulas no Centro de Mídia (plataforma que a Secretaria de Educação de SP adotou para as aulas de EaD), não se sentem motivados a realizar as atividades, porque não há aprendizado e nem o contato. Não é fácil se adaptar tão rápido. Isso sem contar os problemas com acesso à plataforma. Há muitos alunos que não acessaram nada, em nenhum momento.

Correio da Cidadania: Que balanço pode ser feito desta experiência até aqui? Como ficará o ano letivo, em especial daqueles que não conseguiram acompanhar as aulas?

Davi Correia Santos: Em primeiro lugar, devemos ter uma resposta ao momento que vivemos, mas ela passa muito mais por organização local e suporte do Estado do que algo implantado de cima pra baixo. Dito isso, sim, eu vejo um ano letivo não aproveitado. Não digo perdido, porque escola é algo tão complexo e aprendizagem é uma coisa tão ampla que os alunos podem, sim, ter experiências proveitosas para suas vidas.

E nós, enquanto professores, também podemos vivenciar outras realidades. Mas para o funcionamento em si, da escola, considero perdido. Ainda mais porque estamos maquiando o seu funcionamento como “normal”, ao invés de parar e compreender o que estamos passando.

Correio da Cidadania: Acredita que servirá como trampolim para o avanço do ensino a distância?

Davi Correia Santos: Pode ser. Mas vamos lembrar que mesmo com essa gente aí, que saliva por economizar com pessoas e aumentar o ensino massificante, não dá pra bancar um EaD na rede como um todo. Somos tão específicos nos diversos problemas, realidades e experiências que acredito mais numa tentativa de mescla de horários nos cargos e funções, além de adaptações como as que foram feitas na Reforma do Ensino Médio, que garante uma parte do ensino no EJA (Educação de Jovens e Adultos) feito em EaD.

Correio da Cidadania: Para o professor, como é a experiência de organizar aulas e transmitir conteúdos de aprendizado neste contexto?

Davi Correia Santos: Vale lembrar que na rede pública nós não organizamos as aulas para nossas turmas. Os alunos assistem aulas comuns de cada matéria, disponíveis no Centro de Mídia. Ficamos relegados à função de tutoria. Nosso desgaste se dá na procura de material e organização das atividades, para além do que é apostilado na Seduc. E no preenchimento da burocracia, além de todo desgaste na adaptação a um sistema com o qual pouquíssimos têm familiaridade.

Outro ponto ignorado é o desgaste pelo cenário coletivo. Não dá pra ignorar que temos gente morrendo, um governo estadual farsante e demagogo, um governo federal negacionista e autoritário... Tudo isso contribui negativamente e nos suga muitas energias.

Correio da Cidadania: Como a educação e tudo o que debatemos aqui dialoga com a proposta de reabertura gradual das atividades gerais? Há algum plano, alguma estratégia de retomada das aulas presenciais?

Davi Correia Santos: Nos últimos dias o governo de São Paulo apresentou um plano de reabertura. E isso já causou uma fissura com a área da educação. Na maioria dos lares que ainda estão de quarentena, só é possível voltar ao trabalho se houver onde deixar as crianças. E aí? As creches e escolas estão fechadas, como vai fazer? Não há, até agora, nenhuma previsão para se discutir como iremos fazer na volta às aulas. Não é reunião pra receber orientações.

Acredito que os alunos, professores e toda comunidade escolar irão voltar com uma série de demandas novas e experiências particulares. E não iremos discutir isso, porque vai além de protocolos.

Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.




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