A arte de fraudar a lei

A arte de fraudar a lei

A arte de fraudar a lei

Marina Amaral

 

A cassação de Deltan Dallagnol pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tirou os holofotes do escárnio do Congresso diante da mesma Justiça Eleitoral – e sobretudo de todas nós – com a admissibilidade da PEC que a proíbe de punir os delitos cometidos pelos partidos durante a campanha eleitoral: do cumprimento de cotas para candidaturas de mulheres, negros e indígenas a irregularidades na prestação de contas. Aquela que o jornalista Ricardo Kotscho chamou apropriadamente de “PEC da bandalha”.

 Se puniu com justiça a fraude à lei cometida pelo ex-procurador da Lava Jato, que tentou se valer da antecipação de sua aposentadoria para escapulir da Lei da Ficha Limpa, agora a Justiça Eleitoral está sob forte ameaça de ver sua regras ignoradas em assuntos primordiais, como a diversidade de gênero e raça no Congresso, que está longe de espelhar a sociedade brasileira.

Aliás, a fraude à lei é examinada diariamente pelo TSE no caso das candidaturas femininas, como contou o advogado Henrique Neves, ex-ministro do TSE, no Assunto de ontem, comentando o delito praticado por Dallagnol.

“Quando você lança uma candidata, é um direito seu. Você está lançando uma candidata mulher para poder lançar dois homens. Só que isso é fraude à lei a partir do momento que você verifica que, apesar de ser um direito, ele não é um direito que visa à candidatura, mas ao preenchimento de uma vaga para poder lançar os dois homens. Aquela pessoa às vezes nem sabe que é candidata, não faz campanha. É um faz de conta”, explicou.

O que escancara o cinismo dos partidos – da oposição ao governo – ao golpear o TSE apoiando uma PEC que, além de perdoar irregularidades financeiras, busca contornar o direito de negros, mulheres e indígenas de participar efetivamente da vida pública, como prevê a Constituição. Dá pra desconfiar de quem fala tanto em democracia sustentando uma atitude dessas.

Em uma semana que começou com a vitória do governo com a aprovação de urgência na Câmara das novas regras fiscais – que soa como um “finalmente o ano vai começar” –, e que a cassação de Dallagnol teve o sabor da justiça para todos os que acompanharam suas peripécias para burlar lei – muitas delas reveladas pela Agência Pública –, é melancólico constatar o quanto a nossa democracia está longe de se completar.

Marina Amaral

Diretora executiva da Agência Pública

marina@apublica.org 




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