A boiada invade a tela

A boiada invade a tela

A boiada invade a tela

 

Nos pri­meiros seis meses de 2021, a Amazônia perdeu uma área de 4.014 km². A taxa de des­ma­ta­mento re­gis­trada pelo Ins­ti­tuto do Homem e Meio Am­bi­ente da Amazônia (Imazon) é a maior para um pri­meiro se­mestre na úl­tima dé­cada e acom­panha a ten­dência de au­mento dos ín­dices desde 2018. A des­peito dos nú­meros, um do­cu­men­tário lan­çado em junho, que conta com par­ti­ci­pação de mem­bros do alto es­calão do go­verno, afirma que há “muito alarde” sobre quei­madas e des­ma­ta­mento na flo­resta amazô­nica. Os en­tre­vis­tados ar­gu­mentam que um so­brevoo na re­gião de­monstra que ela é uma “flo­resta pre­ser­vada”.

A res­pon­sável pelo filme que nega o ce­nário ates­tado por mo­ni­to­ra­mentos ge­o­es­pa­ciais é a em­presa gaúcha Brasil Pa­ra­lelo. A pro­du­tora con­ser­va­dora se co­loca como “con­trária à ide­o­lo­gi­zação na pro­dução de con­teúdo” e é co­nhe­cida pelo do­cu­men­tário 1964: O Brasil entre armas e li­vros, que tenta re­contar a his­tória do golpe mi­litar de cinco dé­cadas atrás, além de ou­tras pro­du­ções apon­tadas como re­vi­si­o­nistas.

Em 2021, a pro­du­tora que se pre­tende uma “Net­flix da di­reita” lançou dois do­cu­men­tá­rios fo­cados nas ques­tões am­bi­ental e in­dí­gena: Cor­tina de fu­maça e A es­pe­rança se chama li­ber­dade. In­ves­ti­gação da Pú­blica re­vela que os filmes contam com par­ti­ci­pação, au­xílio e di­vul­gação de in­te­grantes do go­verno fe­deral, além de in­ves­ti­mento de um ru­ra­lista que já foi pego em fis­ca­li­zação contra uso de mão de obra es­cra­vi­zada.

O do­cu­men­tário Cor­tina de fu­maça, dis­po­ni­bi­li­zado no You­Tube, ba­seia-se na tese de que or­ga­ni­za­ções civis e agri­cul­tores dos Es­tados Unidos e de países eu­ro­peus de­fendem o meio am­bi­ente porque es­ta­riam in­te­res­sados em frear o cres­ci­mento agrí­cola do Brasil. Já o do­cu­men­tário A es­pe­rança se chama li­ber­dade, ex­clu­sivo para as­si­nantes da pro­du­tora, faz uma de­fesa da ex­plo­ração agrí­cola nos ter­ri­tó­rios in­dí­genas como se essa fosse uma forma de ga­rantir au­to­nomia aos povos.

Em en­tre­vista ex­clu­siva para as­si­nantes da Brasil Pa­ra­lelo, o di­retor e fun­dador da pro­du­tora, Lucas Fer­rugem, afirmou que a em­presa “sempre” quis fazer um do­cu­men­tário sobre am­bi­en­ta­lismo, mas es­tava es­pe­rando um “ti­ming legal”. O mo­mento es­pe­rado chegou, quando são pro­mo­vidas dis­cus­sões de pro­jetos de lei (PL) no Con­gresso Na­ci­onal, como o “PL da Gri­lagem”, o da mi­ne­ração em terras in­dí­genas, o li­cen­ci­a­mento am­bi­ental, além do jul­ga­mento da tese do Marco Tem­poral no Su­premo Tri­bunal Fe­deral (STF).

Ques­ti­o­nada, a Brasil Pa­ra­lelo disse que o ti­ming não foi pro­po­sital. “A BP foca em temas pe­renes com ra­zoável du­ra­bi­li­dade no de­bate pú­blico. Por isso bus­camos o ‘macro’ da questão que, in­clu­sive, per­mite com­pre­ender me­lhor os acon­te­ci­mentos do dia a dia po­lí­tico, ja­mais o con­trário”, disse o di­retor de re­la­ções ins­ti­tu­ci­o­nais da em­presa, Re­nato Dias. “Com a as­censão da per­so­na­li­dade mi­diá­tica Greta Thun­berg e o au­mento nas no­tí­cias sobre quei­madas na Amazônia, achamos que era um bom mo­mento para en­trar na pauta e levar este con­teúdo às pes­soas”, com­pletou.


Capa do do­cu­men­tário “Cor­tina de Fu­maça” na pla­ta­forma de as­si­nantes da Brasil Pa­ra­lelo. Cré­ditos: Re­pro­dução.

Or­ga­ni­zação não go­ver­na­mental mais cri­ti­cada no do­cu­men­tário, o Gre­en­peace re­chaça a nar­ra­tiva apre­sen­tada no filme. “O pseu­do­do­cu­men­tário [Cor­tina de fu­maça] faz jus ao nome, ao pro­mover de­sin­for­mação sobre o des­ma­ta­mento no Brasil e tentar des­qua­li­ficar o tra­balho de ati­vistas, de or­ga­ni­za­ções não go­ver­na­men­tais e da mídia tra­di­ci­onal, que de­nun­ciam a des­truição am­bi­ental em curso no país. Tudo isso no mo­mento em que o des­ma­ta­mento segue des­con­tro­lado, as quei­madas voltam a atingir ní­veis re­cordes e o país fica cada vez mais iso­lado e sob pressão in­ter­na­ci­onal”, afirmou a Pú­blica a porta-voz do Gre­en­peace, Ca­ro­lina Pas­quali.

Re­la­ções com o go­verno

“Es­pero que esse filme chegue prin­ci­pal­mente nas pes­soas que podem tomar al­guma ati­tude, seja do ponto de vista em­pre­sa­rial ou po­lí­tico”, disse Fer­rugem em en­tre­vista ao portal No­tí­cias Agrí­colas no dia 30 de junho, de­pois do lan­ça­mento da obra.

Meses antes, na tarde de 7 de maio de 2021, a mi­nistra Da­mares Alves re­cebeu em seu ga­bi­nete em Bra­sília quatro in­te­grantes da pro­du­tora. A reu­nião fazia parte das gra­va­ções para o do­cu­men­tário Cor­tina de fu­maça, que foi ao ar pouco mais de um mês de­pois. Cer­cada por pin­turas e ar­te­sa­natos in­dí­genas, a mi­nistra negou a exis­tência de ge­no­cídio in­dí­gena – pelo qual o pre­si­dente Jair Bol­so­naro foi de­nun­ciado em pe­didos de im­pe­a­ch­ment e in­ter­na­ci­o­nal­mente – e falou sobre sua iden­ti­fi­cação pes­soal com a causa. “Nós temos áreas de con­flito, mas o povo bra­si­leiro na sua grande mai­oria ama os povos in­dí­genas”, de­fendeu em en­tre­vista gra­vada para o do­cu­men­tário.

Um dia antes, a equipe havia vi­si­tado a sede da Funai para en­tre­vistar o atual pre­si­dente, Mar­celo Xa­vier. Na con­versa, dis­po­nível em versão es­ten­dida na pla­ta­forma da Brasil Pa­ra­lelo, Xa­vier de­fendeu que o in­dí­gena deve “al­cançar a sua dig­ni­dade através do au­fe­ri­mento de renda” pro­ve­ni­ente da pro­dução co­mer­cial em suas terras.

Também alegou que poucos in­dí­genas morrem por con­flitos agrá­rios: “Há casos de in­dí­genas que foram mortos por se en­vol­verem com trá­fico de drogas, atro­pe­lados, dentre ou­tros casos, e al­gumas en­ti­dades in­sistem em jogar esses casos como con­flitos fun­diá­rios”, disse o pre­si­dente da Funai, também de­le­gado da Po­lícia Fe­deral. A afir­mação con­tradiz o le­van­ta­mento da Co­missão Pas­toral da Terra (CPT), que de­monstra que o as­sas­si­nato de in­dí­genas por con­flitos no campo bateu re­corde sob o go­verno Bol­so­naro. Foram re­gis­trados nove crimes de ho­mi­cídio so­mente em 2019, maior nú­mero em 11 anos – o que re­pre­sentou 28% do total de mortes por con­flitos no campo no ano, 32. Além dos as­sas­si­natos, os in­dí­genas so­freram nove ten­ta­tivas de ho­mi­cídio e 39 ame­aças de morte, se­gundo os dados da CPT.

Xa­vier apa­receu também no outro filme lan­çado pela pro­du­tora gaúcha, A es­pe­rança se chama li­ber­dade. A pro­dução – re­a­li­zada pela or­ga­ni­zação Fé & Tra­balho e dis­tri­buída pela Brasil Pa­ra­lelo – acom­pa­nhou a agenda do pre­si­dente da Funai em vi­agem à Terra In­dí­gena San­gra­douro, da etnia Xa­vante, para pro­mover o pro­jeto In­de­pen­dência In­dí­gena, cri­ti­cado pela As­so­ci­ação Xa­vante Warã em nota de re­púdio, mas exal­tado na peça.


Cena do do­cu­men­tário “A Es­pe­rança Se Chama Li­ber­dade” na qual o pre­si­dente da Funai, Mar­celo Xa­vier, apa­rece. Cré­ditos: Re­pro­dução.


A par­ti­ci­pação de Xa­vier nos filmes lan­çados pela pro­du­tora foi fa­ci­li­tada pela as­ses­sora de im­prensa da Funai, Dé­bora Schuch da Cruz – o que rendeu a ela agra­de­ci­mentos es­pe­ciais nos cré­ditos fi­nais de Cor­tina de Fu­maça. Dé­bora acom­pa­nhou o chefe na vi­agem, de acordo com dados do Portal da Trans­pa­rência, e di­vulgou o lan­ça­mento do filme no site da Funai. “Do­cu­men­tário des­taca im­por­tância do de­sen­vol­vi­mento sus­ten­tável para a au­to­nomia in­dí­gena”, en­fa­tiza a man­chete.

Os filmes servem de mu­nição po­lí­tica para a ad­mi­nis­tração da Funai. Em reu­nião com a As­so­ci­ação Na­ci­onal de De­sem­bar­ga­dores (Andes) no dia 25 de maio, Mar­celo Xa­vier apre­sentou o trailer do do­cu­men­tário A es­pe­rança se chama li­ber­dade, que clas­si­ficou como “emo­ci­o­nante”. O vídeo foi usado como forma de le­gi­timar os es­forços da “Nova Funai” em re­gu­la­mentar a mi­ne­ração em terras in­dí­genas (TIs) através do PL 191, em tra­mi­tação no Con­gresso Na­ci­onal. A pauta da ex­plo­ração agrí­cola e mi­ne­rária nas TIs foi o tema da maior parte das reu­niões do man­da­tário da Funai em 2021.

Du­rante a reu­nião com os de­sem­bar­ga­dores, Xa­vier re­clamou da alta quan­ti­dade de de­mandas ju­di­ciais que es­ta­riam atra­pa­lhando o an­da­mento dos tra­ba­lhos da Funai e ques­ti­onou as de­nún­cias feitas por ONGs in­ter­na­ci­o­nais. “As pes­soas se en­volvem nisso e fazem de tudo para in­vi­a­bi­lizar o nosso tra­balho, e isso é muito triste porque as pes­soas não estão vendo o quanto estão pre­ju­di­cando as co­mu­ni­dades in­dí­genas. Esse vídeo é um exemplo do que nós temos”, disse.

Na se­mana de lan­ça­mento dos do­cu­men­tá­rios, um evento da Co­missão de Meio Am­bi­ente da Câ­mara, pre­si­dida pela go­ver­nista Carla Zam­belli (PSL-SP), também in­dicou o ma­te­rial da Brasil Pa­ra­lelo como fonte de in­for­mação con­fiável sobre a pauta so­ci­o­am­bi­ental. O an­tro­pó­logo Edward Luz, con­vi­dado para par­ti­cipar de au­di­ência sobre a re­lação do ter­ceiro setor com o tema, citou Cor­tina de fu­maça ao ar­gu­mentar que existe uma “agenda in­ter­na­ci­onal que atende as von­tades, de­sejos e ca­pri­chos de po­de­rosos grupos econô­micos in­ter­na­ci­o­nais”. Co­nhe­cido como “o an­tro­pó­logo dos ru­ra­listas”, o con­sultor par­la­mentar foi um dos en­tre­vis­tados para o do­cu­men­tário, por in­di­cação “de uma mi­nistra”, con­forme contam os di­re­tores da Brasil Pa­ra­lelo em live para seus mem­bros as­si­nantes.

Nas redes so­ciais, mi­nis­tros, ser­vi­dores e par­la­men­tares go­ver­nistas também di­vul­garam o lan­ça­mento dos do­cu­men­tá­rios. “Para des­co­brir como a mídia usa o setor am­bi­ental e o mi­nistro Ri­cardo Salles para atacar Jair Bol­so­naro, veja ‘Cor­tina de Fu­maça’, o novo do­cu­men­tário da Brasil Pa­ra­lelo”, pu­blicou Edu­ardo Bol­so­naro (PSL-SP), que já par­ti­cipou de ou­tros filmes da pro­du­tora.

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De­pu­tada fe­deral e pre­si­dente da Co­missão de Meio Am­bi­ente da Câ­mara, Carla Zam­belli di­vulgou do­cu­men­tário em suas redes. Cré­ditos: Re­pro­dução/ Twitter.

Os do­cu­men­tá­rios da Brasil Pa­ra­lelo foram re­co­men­dados também pelo su­pe­rin­ten­dente de As­suntos In­dí­genas da Casa Civil do go­verno do Mato Grosso, Ag­naldo Santos, que di­vulgou os dois filmes, cla­mando por “in­de­pen­dência in­dí­gena”. O pre­si­dente da As­so­ci­ação Xa­vante Warã, uma das mais im­por­tantes do es­tado, cri­ticou: “O erro dele é só pensar na roça me­ca­ni­zada. Soja! Que [é] isso? Isso não é po­lí­tica não. Tem grandes erros do go­verno do es­tado do Mato Grosso”.

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Su­pe­rin­ten­dente de As­suntos In­dí­genas da Casa Civil do go­verno do Mato Grosso di­vulgou filmes da Brasil Pa­ra­lelo. Cré­ditos: Re­pro­dução/ Fa­ce­book.

A Pú­blica en­trou em con­tato com a Funai e com o Mi­nis­tério da Fa­mília, da Mu­lher e dos Di­reitos Hu­manos. Ne­nhum dos dois ór­gãos pú­blicos res­pondeu aos ques­ti­o­na­mentos en­vi­ados.

Um ru­ra­lista por trás de filme sobre ex­plo­ração em terras in­dí­genas

Na pla­ta­forma da Brasil Pa­ra­lelo, a des­crição do do­cu­men­tário A es­pe­rança se chama li­ber­dade des­taca que no filme “apenas as po­pu­la­ções in­dí­genas falam sobre sua visão de mundo e sobre seus ver­da­deiros pro­blemas”, sendo estas “muito di­fe­rentes dos que são apre­sen­tados pelas mí­dias e ONGs que dizem re­pre­sentá-los”.

Com 40 mi­nutos de du­ração, o filme en­tre­vista ex­clu­si­va­mente in­dí­genas que pro­duzem gê­neros agrí­colas em par­cela de seus ter­ri­tó­rios. Al­guns deles, como os Pa­resi, pro­movem a so­ji­cul­tura me­ca­ni­zada por meio de ar­ren­da­mentos com fa­zen­deiros, nas cha­madas “par­ce­rias agrí­colas” – o que é atu­al­mente ve­tado pela le­gis­lação bra­si­leira. Em 2018, a Pú­blica es­teve no oeste do Mato Grosso e re­latou o caso, ou­vindo in­clu­sive al­guns dos en­tre­vis­tados no do­cu­men­tário.

Por trás do filme está a Fé & Tra­balho, que ide­a­lizou e fi­nan­ciou o do­cu­men­tário, dis­tri­buído em par­ceria com a Brasil Pa­ra­lelo. Fun­dada em 2020, a or­ga­ni­zação afirma em sua pá­gina no Lin­kedIn que pre­tende trazer “in­for­ma­ções sobre tra­balho, eco­nomia e po­lí­tica sob a pers­pec­tiva de uma cos­mo­visão cristã”.

Trata-se de uma ini­ci­a­tiva do ru­ra­lista e po­lí­tico An­tonio Ca­brera. Na­tural de São José do Rio Preto, no in­te­rior de São Paulo, ele é pre­si­dente do Grupo Ca­brera, fun­dado há mais de cem anos por seu avô. O grupo em­pre­sa­rial hoje atua es­pe­ci­al­mente na pro­dução de soja, milho, cana e carne, em cerca de dez es­tados bra­si­leiros, além de ex­portar gado vivo e fa­bricar pré-mol­dados. A em­presa de Ca­brera já tra­ba­lhou também na pro­dução de leite e de etanol, em par­ceria com a mul­ti­na­ci­onal ame­ri­cana Ar­cher Da­niels Mi­dland (ADM).

A fa­zenda Bela Vista, que per­tence ao ru­ra­lista, na ci­dade de Li­meira do Oeste (MG), no Tri­ân­gulo Mi­neiro, foi alvo de ope­ração con­junta do Mi­nis­tério do Tra­balho e Em­prego e do Mi­nis­tério Pú­blico do Tra­balho em abril de 2009. Na oca­sião, foram res­ga­tados 184 tra­ba­lha­dores em si­tu­ação aná­loga à es­cra­vidão na fa­zenda, que produz cana-de-açúcar.

Se­gundo re­por­tagem da Re­pórter Brasil, já havia ocor­rido uma outra fis­ca­li­zação na fa­zenda Bela Vista no ano an­te­rior e Ca­brera chegou a as­sinar um termo de com­pro­misso em maio de 2008. Por conta disso, o ru­ra­lista foi in­cluído na Lista Suja do Tra­balho Es­cravo em 2013. Ele foi pro­ces­sado também pelo Sin­di­cato dos Tra­ba­lha­dores Ru­rais As­sa­la­ri­ados e Agri­cul­tores Fa­mi­li­ares de Li­meira do Oeste, tendo sido con­de­nado pelo Tri­bunal Re­gi­onal do Tra­balho da 3ª Re­gião (TRT-3) a pagar adi­ci­o­nais de in­sa­lu­bri­dade, pe­ri­cu­lo­si­dade e pe­no­si­dade, além de di­fe­renças de fé­rias, 13º e FGTS. Em se­gunda ins­tância, a sen­tença foi re­du­zida, sendo re­ti­rado o adi­ci­onal de pe­no­si­dade e de­ter­mi­nado que os tra­ba­lha­dores es­co­lhessem apenas um adi­ci­onal entre in­sa­lu­bri­dade e pe­ri­cu­lo­si­dade. A sen­tença já tran­sitou em jul­gado e está em fase de exe­cução.

Ve­te­ri­nário de for­mação, Ca­brera as­sumiu o Mi­nis­tério da Agri­cul­tura e da Re­forma Agrária de Fer­nando Collor (então no PRN) em 1990, aos 29 anos, tor­nando-se o mais jovem mi­nistro da his­tória do país. Sua gestão en­frentou opo­sição de en­ti­dades de tra­ba­lha­dores ru­rais e, no pri­meiro ano na pasta, ele chegou a di­vulgar uma lista de “falsos sem-terra”, acu­sando o PT e a Cen­tral Única dos Tra­ba­lha­dores (CUT) de co­mandar uma “in­dús­tria de in­va­sões” de pro­pri­e­dades ru­rais no país. Ex-fi­liado da União De­mo­crá­tica Ru­ra­lista (UDR), ele já afirmou que o MST e de­mais mo­vi­mentos so­ciais que rei­vin­dicam a re­forma agrária devem ser tra­tados como “uma questão da Jus­tiça, e não de po­lí­tica”.

Anos após a ex­pe­ri­ência no go­verno Collor, Ca­brera foi se­cre­tário de Agri­cul­tura e Abas­te­ci­mento em São Paulo, no go­verno do tu­cano Mário Covas, e perdeu elei­ções para o Se­nado e para o go­verno do es­tado pelo PFL e pelo PTB. Atu­al­mente, é membro efe­tivo do di­re­tório na­ci­onal do PSC, sendo também ex­pert e ex-pre­si­dente da Fun­dação da Li­ber­dade Econô­mica (FLE) – or­ga­ni­zação li­gada ao seu atual par­tido que de­fende o “li­be­ra­lismo econô­mico e o con­ser­va­do­rismo como forma de gestão”.

Pres­bi­te­riano, Ca­brera tem re­lação com uma série de or­ga­ni­za­ções com viés re­li­gioso: é con­se­lheiro de­li­be­ra­tivo da Tela, or­ga­ni­zação cristã que de­fende “a li­gação entre ne­gó­cios e mis­sões” e pro­move uma “Es­cola de Em­pre­en­de­do­rismo Cristão”, e membro-fun­dador da As­so­ci­ação Bra­si­leira de Cris­tãos na Ci­ência e do Ins­ti­tuto Bra­si­leiro de Di­reito e Re­li­gião, entre ou­tras or­ga­ni­za­ções. Ele é dono de uma das mai­ores co­le­ções pri­vadas de bí­blias do mundo. O em­pre­sário mantém re­la­ções com o go­verno de Jair Bol­so­naro e sua base de apoio.

Ca­brera é pro­ta­go­nista de boa parte dos ví­deos do canal de You­Tube da Fé & Tra­balho. Em um deles, o ru­ra­lista afirma que “a noção de que a agri­cul­tura mo­derna é des­trui­dora da na­tu­reza não é ver­da­deira” e diz que o agri­cultor bra­si­leiro é um “credor am­bi­ental” e o “ver­da­deiro guar­dião da na­tu­reza”.

Em outra pro­dução, nar­rada pelo apre­sen­tador Cid Mo­reira, a or­ga­ni­zação exalta o papel da soja. O vídeo afirma que o grão foi en­viado por Deus “para ajudar a hu­ma­ni­dade através dos mer­cados”, além de dizer que a soja per­mite ali­mentar a po­pu­lação com pro­teína, o que evi­taria “o con­sumo de ani­mais sil­ves­tres”.

Se­gundo a Brasil Pa­ra­lelo, An­tonio Ca­brera pro­curou a pro­du­tora para saber se a em­presa tinha in­te­resse na di­vul­gação do filme que ele tinha pro­du­zido. “Gos­tamos do ma­te­rial e dis­po­ni­bi­li­zamos para a nossa base de as­si­nantes [com mais de 200 mil pes­soas]”, re­latou o di­retor de re­la­ções ins­ti­tu­ci­o­nais, Re­nato Dias.

Di­vul­gado “com ex­clu­si­vi­dade” para as­si­nantes da Brasil Pa­ra­lelo, A es­pe­rança se chama li­ber­dade foi pro­du­zido pela Troia Agência Cri­a­tiva, por en­co­menda da Fé & Tra­balho. A agência de co­mu­ni­cação se­diada em Belo Ho­ri­zonte tem como um dos ob­je­tivos “po­ten­ci­a­lizar ini­ci­a­tivas mis­si­o­ná­rias”. Entre seus só­cios está o mis­si­o­nário Breno Vi­eitas, membro da Igreja Ba­tista Cen­tral de Belo Ho­ri­zonte e também da Tela – Ne­gó­cios e Mis­sões, or­ga­ni­zação de que An­tonio Ca­brera é con­se­lheiro. A agência não res­pondeu às per­guntas feitas pela Pú­blica.

Pro­cu­rado pela re­por­tagem, Ca­brera afirmou que não res­ponde pela Fé & Tra­balho e que seus “ne­gó­cios não têm ne­nhuma re­lação com esse tra­balho”. Ele de­clarou ser “um grande en­tu­si­asta e apoi­ador” da ini­ci­a­tiva. Quanto às de­nún­cias de tra­balho es­cravo em sua pro­pri­e­dade, afirmou que os “di­reitos tra­ba­lhistas sempre foram pagos” e con­si­derou a fis­ca­li­zação “ar­bi­trária e sem ne­nhum cri­tério”. Res­saltou que a mai­oria dos tra­ba­lha­dores con­ti­nuou atu­ando na pro­pri­e­dade. 

Ca­brera tem o re­gistro do site da Fé & Tra­balho em seu nome e é pro­ta­go­nista da mai­oria dos ví­deos do canal da or­ga­ni­zação no You­tube. Cré­ditos: Re­pro­dução/ You­tube.

Em res­posta aos ques­ti­o­na­mentos da Pú­blica sobre pos­sí­veis con­flitos de in­te­resse entre o tema do do­cu­men­tário e a atu­ação agro­pe­cuária de Ca­brera, a Fé & Tra­balho afirmou não ser uma pessoa fí­sica e que “não acre­dita que possa haver ne­nhum con­flito na de­fesa da Li­ber­dade Econô­mica entre os mais dis­tintos seg­mentos da so­ci­e­dade bra­si­leira”. A Fé & Tra­balho não quis co­mentar o caso de tra­balho es­cravo li­gado à pro­pri­e­dade do ru­ra­lista. A ín­tegra das res­postas da or­ga­ni­zação pode ser lida neste link.

Três mi­lhões de es­pec­ta­dores como meta

Já o filme Cor­tina de fu­maça foi in­tei­ra­mente pro­du­zido pela gaúcha Brasil Pa­ra­lelo e mas­si­va­mente di­vul­gado em suas redes so­ciais. Só no Fa­ce­book, a pro­du­tora – que é re­cor­dista em gastos com anún­cios na pla­ta­forma entre pá­ginas de po­lí­tica – in­vestiu mais de R$ 100 mil em 440 anún­cios sobre o filme, di­re­ci­o­nados ma­jo­ri­ta­ri­a­mente para ho­mens de 35 a 45 anos na re­gião Su­deste.

A em­presa tem altas am­bi­ções para a dis­tri­buição do do­cu­men­tário. “Ajude o filme Cor­tina de Fu­maça a chegar em três mi­lhões de es­pec­ta­dores”, pediu em e-mail en­viado à base de ins­critos. Até a pu­bli­cação desta re­por­tagem, a obra al­cançou me­tade do pre­ten­dido: 1,5 mi­lhão de vi­su­a­li­za­ções no You­Tube, mas a pro­du­tora se diz feliz com o re­sul­tado. “Acre­di­tamos que está indo muito bem”, avalia Dias.

O filme se an­cora em re­tó­rica uti­li­zada por grupos que se opõem ao mo­vi­mento am­bi­en­ta­lista desde a dé­cada de 1990 e que foi sin­te­ti­zada no livro Máfia verde: o am­bi­en­ta­lismo a ser­viço do go­verno mun­dial, de acordo com es­pe­ci­a­listas ou­vidos pela Pú­blica. Na obra, lan­çada em 2001, o me­xi­cano Lo­renzo Car­rasco, ra­di­cado no Brasil, atribui a uma rede de ONGs am­bi­en­ta­listas e in­di­ge­nistas, com fi­nan­ci­a­mento de países es­tran­geiros, o ob­je­tivo de “em­perrar o de­sen­vol­vi­mento da Amazônia e in­ter­ferir na so­be­rania bra­si­leira”. É a nar­ra­tiva de­fen­dida por Car­rasco, pre­si­dente do Mo­vi­mento de So­li­da­ri­e­dade Ibero-Ame­ri­cana (MSIa), que per­meia o dis­curso “an­ti­glo­ba­lista” do go­verno fe­deral e o do­cu­men­tário da Brasil Pa­ra­lelo.

O do­cu­men­tário traz ainda ou­tras vozes, como o ex-mi­nistro da Agri­cul­tura Ro­berto Ro­dri­gues, da gestão do pre­si­dente Lula; o re­lator do Có­digo Flo­restal, Aldo Re­belo; e até Alysson Pau­li­nelli, mi­nistro do go­verno Geisel, du­rante a di­ta­dura mi­litar. A re­pre­sen­tação do go­verno Bol­so­naro é ga­ran­tida em tela por Da­mares Alves e Mar­celo Xa­vier, além de Cláudio Al­meida, co­or­de­nador do Pro­grama de Mo­ni­to­ra­mento da Amazônia do Ins­ti­tuto Na­ci­onal de Pes­quisas Es­pa­ciais (INPE); e Edu­ardo Lu­nar­delli No­vaes, se­cre­tário exe­cu­tivo ad­junto do Mi­nis­tério do Meio Am­bi­ente.

A pre­sença de fontes de di­fe­rentes go­vernos e par­tidos é uti­li­zada pelos pro­du­tores como prova de que o do­cu­men­tário une vi­sões e ide­o­lo­gias dis­tintas. De acordo com fontes ou­vidas pela Pú­blica, porém, a nar­ra­tiva é a mesma de bol­so­na­ristas e ru­ra­listas, que “de­claram guerra às terras in­dí­genas há muito tempo”. “A gente vê esse dis­curso sendo vei­cu­lado lar­ga­mente por fi­guras-chave do Exe­cu­tivo e do Le­gis­la­tivo Fe­deral, in­clu­sive o pró­prio Bol­so­naro, o pró­prio Mourão, Ri­cardo Salles, quando era mi­nistro do Meio Am­bi­ente”, disse a an­tro­pó­loga e pes­qui­sa­dora da Uni­ver­si­dade de Bra­sília (UnB) Luísa Mo­lina. “A nar­ra­tiva ne­ga­ci­o­nista pre­e­xis­tente ga­nhou força e foi am­pli­fi­cada no go­verno Bol­so­naro”, con­corda a porta-voz do Gre­en­peace.

Cor­tina de fu­maça co­meça com um res­gate de “in­fan­ti­cídio in­dí­gena” e, por meio de en­tre­vistas com mem­bros da ONG Atini – fun­dada por Da­mares Alves e acu­sada de in­citar ódio a in­dí­genas e tirar cri­ança de mãe –, aborda o tema como uma “prá­tica cul­tural no­civa”. Para a an­tro­pó­loga Ma­ri­anna Ho­landa, pro­fes­sora de Saúde Co­le­tiva e do pro­grama de pós-gra­du­ação em Bi­oé­tica da UnB, a nar­ra­tiva é men­tira e “sen­sa­ci­o­na­lismo”. “Dizer que o in­fan­ti­cídio in­dí­gena existe como uma prá­tica cul­tural no­civa em que mães, país e avós in­dí­genas, sem ne­nhuma re­flexão ética ou cul­tural, matam seus fi­lhos é com­ple­ta­mente ab­surdo. É de um ra­cismo es­tru­tural”. A an­tro­pó­loga pontua que o grupo que cu­nhou a ti­po­logia “in­fan­ti­cídio in­dí­gena” tinha “claros in­te­resses que foram se re­la­ci­o­nando muito ni­ti­da­mente com os in­te­resses de ex­plo­ração de terras in­dí­genas”.

A ex­plo­ração agrí­cola nos ter­ri­tó­rios in­dí­genas, de­fen­dida em Cor­tina de fu­maça e prin­ci­pal­mente em A es­pe­rança se chama li­ber­dade, en­contra re­sis­tência da grande mai­oria de li­de­ranças in­dí­genas. “Através desse dis­curso da li­ber­dade e da au­to­nomia, mas que no fim é di­nheiro, eles querem jus­ta­mente trazer o mo­delo ca­pi­ta­lista para dentro das al­deias, e é a partir daí que uma série de ou­tros pro­blemas so­ciais co­meçam”, ar­gu­menta o ad­vo­gado e as­sessor ju­rí­dico da As­so­ci­ação dos Povos In­dí­genas do Brasil, Mau­rício Te­rena, da etnia Te­rena, no Mato Grosso do Sul.

No Mato Grosso, o líder Félix Xa­vante, afirma que “[os ru­ra­listas sabem que] uti­lizar a terra in­dí­gena não pode, então eles estão usando a po­lí­tica do Xa­vante”, que con­taria com pres­sões e pro­messas de en­ri­que­ci­mento para “di­vidir o povo Xa­vante de San­gra­douro”. “Eles estão fa­zendo pressão em cima da gente pra que a gente acei­tasse. O pen­sa­mento deles é o quê? Ar­rendar a terra in­dí­gena Xa­vante para poder ex­plorar, para acabar a na­tu­reza”, diz.

Uma foto aérea da al­deia Xa­vante de San­gra­douro abre o do­cu­men­tário, que traz três in­dí­genas como en­tre­vis­tados. Os três se po­si­ci­onam fa­vo­ra­vel­mente à ex­plo­ração co­mer­cial por meio da Co­o­pe­ra­tiva In­dí­gena San­gra­douro/Volta Grande, fun­dada pelo Sin­di­cato Rural de Pri­ma­vera do Leste. O pre­si­dente da As­so­ci­ação Xa­vante Warã, Dutsã Dza­dad­zu­tewe Tse­renhi, ar­gu­menta que o grupo que “se alia aos ru­ra­listas” é pe­queno – “mais ou menos 20 pes­soas” da po­pu­lação de cerca de 2,4 mil xa­vantes em San­gra­douro – e não re­pre­senta o povo como um todo.

Além disso, a de­fesa do agro­ne­gócio es­taria pre­sente apenas em um dos nove ter­ri­tó­rios in­dí­genas xa­vantes de­mar­cados, o de San­gra­douro, e so­mente 20% do lucro re­tor­naria aos in­dí­genas, de acordo com o pre­si­dente. Os ou­tros 80% fi­ca­riam com a Co­o­pe­ra­tiva Pri­ma­vera do Leste, que for­neceu o ma­qui­nário para a ex­plo­ração. Ainda assim, o do­cu­men­tário apre­senta a pos­si­bi­li­dade de ex­plo­ração co­mer­cial como so­lução con­sen­sual e sem con­tra­po­si­ções, que so­mente ge­raria be­ne­fí­cios e “es­pe­rança” aos povos.

Para a an­tro­pó­loga Luísa Mo­lina, os ru­ra­listas e de­fen­sores desse tipo de ideia se uti­lizam do “des­co­nhe­ci­mento” da po­pu­lação em geral “para vender essa ideia de que eles estão fa­zendo algo que os in­dí­genas querem”. “O ge­no­cídio vem sempre acom­pa­nhado de uma re­tó­rica bon­dosa, hu­ma­nista”, fi­na­liza.

O Sin­di­cato Rural de Pri­ma­vera do Leste não res­pondeu aos di­versos con­tatos feitos pela re­por­tagem.

Do­cu­men­tá­rios Brasil Pa­ra­lelo: De­manda da Secom

Os fun­da­dores da Brasil Pa­ra­lelo negam ali­nha­mento ao go­verno Bol­so­naro, mas além da pro­xi­mi­dade ide­o­ló­gica do con­teúdo, per­so­na­li­dades bol­so­na­ristas apre­sentam cons­tan­te­mente as pro­du­ções da em­presa como exemplo a ser se­guido — e até en­co­men­dado pelo go­verno.

O inqué­rito que apurou a or­ga­ni­zação de atos an­ti­de­mo­crá­ticos no STF en­con­trou em ano­ta­ções de 2019 do blo­gueiro Allan dos Santos, dono do portal Terça Livre, di­re­trizes e es­tra­té­gias apon­tadas pelo ideó­logo con­ser­vador Olavo de Car­valho, para po­lí­ticos e in­flu­en­ci­a­dores bol­so­na­ristas. Nessas notas, ele listou “do­cu­men­tá­rios da Brasil Pa­ra­lelo” como uma das de­mandas a serem feitas para a Se­cre­taria de Co­mu­ni­cação do Go­verno (Secom), mas as in­ves­ti­ga­ções não avan­çaram sobre as as­so­ci­a­ções da pro­du­tora com o Terça Livre ou o go­verno fe­deral.

Fun­dada no con­texto do im­pe­a­ch­ment da pre­si­dente Dilma Rous­seff, a Brasil Pa­ra­lelo é uma pro­du­tora de cursos, sé­ries e filmes do­cu­men­tais que pro­põem uma “so­lução pa­ra­lela” para a cul­tura e edu­cação no Brasil.

Logo em sua pri­meira pro­dução, Con­gresso Brasil Pa­ra­lelo, que foi ao ar em 2016, a pro­du­tora en­tre­vistou grandes nomes do bol­so­na­rismo, in­clu­sive o pró­prio Jair Bol­so­naro, na época de­pu­tado fe­deral e pré-can­di­dato às elei­ções. O ideó­logo bol­so­na­rista Olavo de Car­valho também já par­ti­cipou de de­zenas de pro­du­ções, como re­velou re­por­tagem da Pú­blica.

A Brasil Pa­ra­lelo – re­pre­sen­tada por um de seus fun­da­dores, Hen­rique Viana – também es­teve pre­sente na posse pre­si­den­cial de Jair Bol­so­naro em ja­neiro de 2019, ao lado de ou­tros in­flu­en­ci­a­dores bol­so­na­ristas e com acesso pri­vi­le­giado às áreas do evento.


Fun­dador da Brasil Pa­ra­lelo, Hen­rique Viana, apa­rece em selfie ti­rada por Allan dos Santos du­rante co­ber­tura da posse pre­si­den­cial em 2019. Cré­ditos: Re­pro­dução.

No final de 2019, a em­presa cedeu os di­reitos de exi­bição da série Brasil: a úl­tima cru­zada para a es­tatal TV Es­cola, o que gerou po­lê­mica, uma vez que os filmes apre­sen­tavam uma visão ro­man­ti­zada e en­vi­e­sada do pe­ríodo co­lo­nial no Brasil.

Mais re­cen­te­mente, lançou uma série de cursos sobre edu­cação, com des­taque para o ho­mes­cho­o­ling, ou en­sino do­mi­ci­liar, ban­deira le­van­tada por in­te­grantes do Mi­nis­tério da Edu­cação e pauta na Co­missão de Ci­da­dania e Jus­tiça da Câ­mara (CCJ), pre­si­dida pela de­pu­tada Bia Kicis (PSL-DF).

A Brasil Pa­ra­lelo foi uma das pri­meiras a es­pa­lhar a falsa nar­ra­tiva de fraude nas urnas elei­to­rais, hoje re­pe­tida por Bol­so­naro ao de­fender o voto im­presso. Ainda em 2018, a pro­du­tora pu­blicou uma en­tre­vista em que um fí­sico dizia que as elei­ções de 2014 – que re­e­le­geram Dilma Rous­seff – te­riam sido frau­dadas a partir de uma su­posta lei ma­te­má­tica. A acu­sação foi des­men­tida por agên­cias de che­cagem na época.

Com menos de cinco anos de atu­ação, a em­presa se gaba de nunca ter re­ce­bido di­nheiro pú­blico, em con­tra­po­sição a pro­du­ções fi­nan­ci­adas pela An­cine e ou­tros ór­gãos de in­cen­tivo. Se­gundo eles, todas as suas pro­du­ções são pagas por as­si­na­turas de con­teúdo que re­cebem. Atu­al­mente, a em­presa possui mais de 180 mil “mem­bros”, mas as­pira a voos mais altos: querem chegar a 1 mi­lhão de as­si­nantes até o final de 2022.

Para tal, está au­men­tando equipe e in­fra­es­tru­tura. A nova sede da Brasil Pa­ra­lelo ocupa dois an­dares de um prédio co­mer­cial na ave­nida Pau­lista – uma das re­giões mais caras da ci­dade. No ano pas­sado, mu­daram-se de Porto Alegre e con­tra­taram de­zenas de pes­soas. Um desses recém-con­tra­tados é Elton Mes­quita, ro­tei­rista do do­cu­men­tário Cor­tina de fu­maça e in­te­grante do canal de ex­trema di­reita Bra­si­lei­ri­nhos no You­Tube.

No mo­mento, a pro­du­tora está com 30 vagas abertas e anuncia em suas redes so­ciais que en­trou em um novo ciclo ge­rado pelo dito su­cesso das pro­du­ções, sem dar mais de­ta­lhes.

Apesar de se di­zerem li­vres de “amarras ide­o­ló­gicas”, um dos re­qui­sitos para en­trar na em­presa é se ali­nhar com os va­lores da equipe. No pro­cesso se­le­tivo, a em­presa testa os po­si­ci­o­na­mentos dos can­di­datos com afir­ma­ções como “ci­en­ti­fi­ca­mente fa­lando, é im­pos­sível nascer ho­mos­se­xual” ou “Jesus é a ver­dade re­ve­lada e sobre isso não há dis­cussão”. O in­te­res­sado deve de­clarar se con­corda, dis­corda ou não tem opi­nião sobre as frases.

De 19, duas delas abor­daram a te­má­tica am­bi­ental: “Não se pode con­fiar nas cor­po­ra­ções para pro­teger vo­lun­ta­ri­a­mente o meio am­bi­ente, elas pre­cisam de re­gu­lação” e “é um ab­surdo que em pleno sé­culo XXI a hu­ma­ni­dade ainda não tenha se unido para salvar o meio am­bi­ente”.

À re­por­tagem, a Brasil Pa­ra­lelo afirmou que “é 100% apar­ti­dária, não pro­move par­tidos, can­di­datos po­lí­ticos e nem re­cebe di­nheiro pú­blico”. A em­presa negou a dis­se­mi­nação de in­for­ma­ções falsas em seus ma­te­riais. “Quando taxam algum vídeo de fake news, a per­gunta que fica é: o que é fake news?”, ques­ti­o­naram, lem­brando pro­cessos ju­di­ciais que ga­nharam contra ou­tros veí­culos de im­prensa. “Con­ti­nu­a­remos pro­ces­sando todos que di­fa­marem a em­presa”. Sobre a ci­tação da em­presa no inqué­rito do STF, dis­seram que “es­tavam apenas uti­li­zando a Brasil Pa­ra­lelo como re­fe­rência de pro­dução au­di­o­vi­sual”. A ín­tegra das res­postas pode ser lida neste link.


A re­por­tagem foi ori­gi­nal­mente pu­bli­cada na Agência Pú­blica em 29 de julho de 2021.
Ethel Rud­nitzki, Laura Sco­field e Ra­fael Oli­veira são jor­na­listas.

 

https://www.correiocidadania.com.br/2-uncategorised/14718-a-boiada-invade-a-tela 




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