A burocratização do ensino
Sou professor e estou cravado em sala de aula. Ou seja: cumpro a minha carga horaria (sem colher, elasticidade, ou facilidade) integralmente lecionando, em uma sala, quase sempre cheia de pessoas. Da minha jornada de 50 horas, cumprida em 4 escolas, 41 horas são lecionando. Portanto, se isto não for capaz de fazer uma pesquisa de amostragem, de interesse sociológico, e um levantamento de dados sobre o futuro, nada mais será.
A burocratização do ensino e a perda de autonomia da sala de aula, além das orientações dogmáticas de burocratas, cravados em salas com indicadores econômicos e que querem tratar o espaço educacional como fábrica de gente, sempre foram os meus desafetos declarados na Rede pública. Sou e sempre serei crítico ao modelo educacional brasileiro, de ideologia Neoliberal, adotado a partir dos anos 1990, aprofundado nos anos 2000 e afundado nos anos 2010. Ele é ótimo para porcas e parafusos e muito ruim para cérebros e corações.
E isto tudo, claro, sem mencionar aquilo que não interessa mais a ninguém: a diluição dos nossos salários e o desmonte dos nossos Planos de Carreira. Um professor 40 horas, por exemplo, lotado nas redes estadual e municipal de Rio Grande, recebe em média 4 mil reais de salário. Alguém dira que sugere ser um bom salário, se comparado aos 32 milhões de brasileiros que vivem de salário mínimo e aos 100 milhões que orbitam da extrema pobreza a renda de 600 reais mensais.
E este é o problema: nós sempre nivelamos tudo por baixo e usamos a miséria e o desemprego como o nosso parâmetro de julgamento. Nós aprendemos, no Brasil, a endeuzar o básico: para nós, trabalhar como um condenado para poder ter comida e cama para dormir, não deve ser objeto de crítica, e sim, de agradecimento. Nós adotamos, portanto, o pensamento reinante da Igreja Católica da Idade Média e da Neopentecostal hoje: dar graças a Deus por estar vivo, para alguém poder nos tirar o couro.
Veja-se que aqui, no caso da nossa exploração laborial, não está incluida a Carga Horária de um professor, que a se saber, vive preenchendo burocracia inutil, com conceitos abstratos e percentuais que em nada, nada, melhoram o aprendizado. Não há (quero que isto seja lido umas três vezes) categoria que trabalhe tanto em casa como o professor (falo isto por mim, que como eu disse, não tenho colher alguma e vivo em sala de aula).
É perda de tempo, e todo mundo sabe, escrever sobre isto em redes sociais: afinal, em todo o estado, e na imensa maioria das cidades do Rio Grande do Sul, a Educação não é prioridade e o povão elege gestores públicos desqualificados. O povo gaúcho, enfim, não se interessa pela pauta da Educação - a não ser durante as eleições, quando elege gente que diz abertamente que "professor é vagabundo" ou que "doutrina ideologicamente". Sabe por que o Bolsonarismo grudou como chiclete aqui no RS? Porque os gaúchos já haviam adotado esta mentalidade obtusa há anos.
Após 2014, e me desculpem a sinceridade, quando José Ivo Sartori (PMDB) se elegeu brincando com a nossa pobreza, e dizendo que "se professor quer Piso, vai no Tumelero", eu perdi a compostura com a gauchada bombachuda conservadora: a imensa maioria (não todos) quer nos ferrar mesmo. E mais: quer ferrar o próprio estado, porque adora votar na Direita e privatizar o Pampa todinho.
Os Estados do Sul, como aqui, e em SC e PR, ( e talvez o Rio de Janeiro se aproxime um pouco de nós), são formados por populações que se sentem atraídas pela escória política que é toda, vocacionada à ignorância, à brutalidade, e ao obscurantismo. Há anos eu digo que isto está na gênese: Integralismo, Fascismo e Nazismo foram abraçados com fervor no Rio Grande do Sul.
No caso do RS, um estado claustrofóbico, o pensamento é ainda pior: ele é todo generalizado pela mentalidades advindas das Estâncias de charque. O gaúcho típico, eleitor do PMDB e da Extrema Direita de Heinze-Lorenzoni-Lasier-Bolsonaro pensa "O patrão é bom porque nos dá um local para passar a noite, e professor é ruim porque fala coisas que ninguém entende". Simples assim. Desesperador assim. Triste assim.
E sabe por que estou escrevendo isto? Porque esta mentalidade já está impregnada nas nossas crianças e adolescentes. O Rio Grande do Sul é um Laboratório do Projeto Neoliberal mais tosco e agressivo, implantado desde os anos 1990 sob alcunha de Fernando Henrique Cardoso. E o que é Neoliberalismo? Estado Mínimo, ausência de Políticas públicas e gestão do Capital Privado sobre os assuntos da coletividade. É quando o espaço público, e os interesses do Bem comum, passam a ser invadidos pelos interesses do Grande Capital e do Mercado.
O primeiro governador a impor esta visão mais agressiva de Capital foi Antônio Britto (PMDB). Desde lá, as novas gerações já estão sendo formatadas com o pensamento do entreguismo econômico e com a falta de perspectiva com o país e consigo mesmo. O Brasil é apenas um detalhe no meio das telas de celulares, aplicativos de jogos e telas de computadores.
O problema, portanto, não é que a imensa maioria dos nossos jovens professem a defesa do Neoliberalismo: o problema é que eles, sob o Neoliberalismo, não defendem nada, não sabem nada e não se interessam por nada. Eles não sabem do outro. E pela ótica Neoliberal, era isto mesmo que deveria estar acontecendo.
A imensa maioria dos nossos jovens (e imagino que isto não seja um problema do Sul), orientados pela mídia e por gestores públicos negligentes, assiste lições de empreendedorismo dando risada, enquanto fecha a cara e vai dormir se você passar a falar do Genocídio indígena e de como, e porque, nossos povos originários foram primeiramente presos em reservas, e em seguida, jogados nas ruas e nos logradouros.
Como pode ser normal alguém tornar outro alguém tão desumano?
Somos acusados, por qualquer ignorante, desqualificado, de sermos "doutrinadores", mas quem impos disciplinas de "Empreendedorismo" nas escolas para falar de abrir empresas, minimizar custos e investir o Capital?
Quando se fala em "minimizar custos" em uma sala de aula, meu amigo, estamos falando em ensinar o Pedrinho a olhar para o Joãozinho como uma Massa de carne viva, inumana, sem sentimentos. Estamos falando do Pedrinho tornar Joãozinho o seu empregado, e ir arrochando o seu salário até que o Joãozinho seja demitido e venha a Mariazinha, e com ela aconteça o mesmo. Entendeu?
Há esperança? Sim, sempre há. Tenho diversos educandos gentis, educados e humanos e alguns deles, que discordam veementemente de mim - o que é positivo. Mas a esperança precisa ser cultivada, porque se não, ela se perde. O papel dos governos neoliberais, estaduais e municipais, tem sido o de destroçar a saúde dos professores e não permitir que eles se tornem educadores - para no fim, desqualificar a esperança e impor o medo a conta gotas.
No Capitalismo, enfim, o medo é o sentimento mais comum a todos: há medo de passar fome, há medo de passar frio, há medo de ficar sozinho. Esta é, portanto, aprimeira lição no Capitalismo: aprender a ter medo. Ter medo para obedecer e garantir a ração para comer e o feno para dormir.
Há esperança? Há. Mas ela é rarefeita e está como o oxigênio a 2 mil metros de altura. Se por mais 10 anos, a apatia reinar na sociedade, e o medo for o sentimento comum imposto aos professores, e portanto, aos nossos jovens em efeito dominó, o futuro do país estará completamente comprometido. O ato de mudar era para ontém. Hoje já estamos muito atrasados.
Fabiano da Costa.