A conta da Lava Jato

A conta da Lava Jato

Quem paga a conta da Lava Jato? 

Por Anelise Manganelli / Publicado em 9 de abril de 2021

Em relação aos investimentos foi identificado que nos segmentos da Construção Civil e de Petróleo e Gás, em torno de 172 bilhões de reais deixaram de ser investidos, o que representa mais de 30 vezes o valor em que a operação alega ter devolvido aos cofres públicos

Em relação aos investimentos foi identificado que nos segmentos da Construção Civil e de Petróleo e Gás, em torno de 172 bilhões de reais deixaram de ser investidos, o que representa mais de 30 vezes o valor em que a operação alega ter devolvido aos cofres públicos. A Petrobrás foi o principal alvo.  Foto: MPF/Divulgação/Reprodução

A operação Lava Jato, no Paraná, deflagrada em 2014, em fevereiro deste ano “deixou de existir”, conforme anunciado pelo Ministério Público Federal. No início de março, todas as condenações impostas pela Justiça Federal do Paraná ao ex-presidente Lula, no âmbito da Operação, foram anuladas. A Vaza Jato cumpriu um importante papel, o de escancarar a justiça do espetáculo, no país que tem um dos sistemas judiciários mais caros do mundo. Qual foi o saldo da operação para o povo brasileiro?

Estudo recente realizado pelo Departamento Intersindical de Economia e Estatística (Dieese) levantou alguns dos impactos da Lava Jato na economia brasileira. Em relação aos investimentos foi identificado que nos segmentos da Construção Civil e de Petróleo e Gás, em torno de R$ 172 bilhões deixaram de ser investidos, o que representa mais de 30 vezes o valor em que a operação alega ter devolvido aos cofres públicos.

Petrobras na mira

A Petrobrás foi o principal alvo.  Aqui vale destacar o quanto representava no PIB o setor de Óleo e Gás: 2% no ano 2000 e em 2015 já estava em 13%. Em 2014 a Petrobrás ultrapassou a norte-americana Exxon Mobbil como a maior produtora de petróleo do mundo, entre as companhias petrolíferas de capital aberto. Isso representava 9% da formação bruta de capital fixo no Brasil – que caiu pela metade (4,5%) em 2017. Era um tempo em que se valorizava regras de estímulo do conteúdo local – que significa privilegiar a compra de equipamentos, sistemas, mão de obra, serviços e outros insumos necessários, de empresas nacionais, o que fazia com que construção civil, indústria de transformação, indústria naval (que renasceu), gerasse capacidade produtiva.

A Petrobrás também inovava em produtos, como por exemplo a produção de fertilizantes, agregando valor a companhia e para isso precisava de investimentos voltados às novas tecnologias, afinal, a demanda desses produtos no mercado brasileiro era maior que a produção nacional, portanto, positivo para a balança comercial brasileira. Por conta da descoberta do Pré-sal (2006) precisou ampliar mais ainda os investimentos diante da necessidade de reorganização da extração e execução da prospecção, pois sem isso ficaria inviável o desenvolvimento energético, tecnológico e das cadeias produtivas, investimentos esses que em 2014 já estavam em fase de maturação.

A Petrobrás não é apenas uma empresa de petróleo, é uma empresa que organiza nosso “modelo” energético de nação, seus investimentos são fundamentais, pois estamos falando de um setor estratégico. Sem seus investimentos, ou com investimento estrangeiro especulativo, a empresa deixa de ser indutora de desenvolvimento nacional, penalizando o povo brasileiro com aumento constante dos preços de gás, gasolina e diesel. E os desdobramentos da operação que não preservou o funcionamento da empresa, vai destruindo a jato a expectativa de soberania nacional.

Estudo do Dieese

Com auxílio de técnicas econométricas o estudo do Dieese aponta que entre 2015 e 2017, se houvesse uma normalidade, a empresa teria investido em torno de 104 bilhões a mais do que foi investido nesse período.  O método de apuração considerou não apenas o período histórico da Petrobrás, mas também o cenário de  taxa “normal” de investimentos de empresas com porte equivalente e do mesmo segmento, ou seja, a modelagem avaliou não apenas o futuro, mas também o passado, permitindo checar se o “modelo” adotado poderia mesmo descrever a realidade simulada, além de minimizar dúvidas sobre a consistência dos resultados do estudo, em especial, no que diz respeito ao impacto dos preços internacionais do Petróleo, que vigorou para todas as empresas do segmento.

O mesmo levantamento foi realizado para o segmento da Construção Civil. A partir de informações constantes em relatórios dos Tribunais de Contas e do Ministério Público foi possível identificar obras paralisadas de grandes empreiteiras, com justificativa explícita do motivo da paralisação: “em função da Lava-jato”. A partir disso, foi mapeada as quantidades de recursos que deveriam ter sido aportados para a continuidade dessas obras, e, nesse caso, o montante chega a 68 bilhões. Um verdadeiro desperdício de recursos públicos.

Considerando apenas essas duas cadeias produtivas chega-se ao valor de R$ 172 bilhões em investimentos não realizados. Uma catástrofe para toda a cadeia econômica.

4,4 milhões de empregos a menos

Olhando para os empregos a Lava-jato consumiu 4,4 milhões de vagas e deixou de gerar riqueza de aproximadamente 3,6% do PIB, com impacto direto no Estado, que deixou de arrecadar R$ 47,4 bilhões em impostos, mais R$ 20,3 bilhões em contribuições sobre a folha, reduziu a massa salarial do país em R$ 85,8 bilhões, ou seja – dinheiro que deveria ter circulado na economia, com impacto direto na previdência e na assistência dos brasileiros, afetando o sustento dos trabalhadores e suas famílias. Só na Construção, verificou-se que 1 milhão de empregos deixaram de ser gerados, no Comércio 800 mil, na educação privada 106 mil e tantos outros. A partir do ano de 2014 com a queda na produção nacional, o desemprego mais que dobrou, passando de 5% em 2014 para mais de 12% em 2016. E foi nesse cenário que foi aprovada e sancionada (sem vetos) a reforma trabalhista em julho de 2017, entrando em vigor em novembro de 2017.

O valor adicionado – que é aquele valor adicional que adquirem os bens e serviços ao serem transformados durante o processo produtivo, – no caso da Construção Civil chegou a R$ 36 bilhões que deixou de ser gerado, no Comércio e no segmento de Petróleo e Gás, cada um deles, em torno de R$ 30 bilhões, na alimentação R$ 4,5 bilhões, na educação privada R$ 3,5 bilhões, e assim por diante. O total foi de R$ 244 bilhões.

Impacto no PIB

A partir desse conjunto de evidências foi possível construir cenários de evolução do PIB brasileiro com e sem Lava-jato. Em 2017, o PIB cresceu apenas 1,3%, quando poderia ter crescido 2,4%. Em 2016 caiu 3,3% quando a queda poderia ter sido atenuada para -2,1%. Em relatório do FMI de 2017, onde foram analisados 192 países nos anos de 2015 e 2016, constatou-se que o Brasil teve crescimento real do PIB inferior a 90% desses. Vale ressaltar que o Brasil tem uma relevância econômica entre as mais importantes do mundo, porém no ranking ficou entre os 10%, que conta com países como a Líbia e Guiné Equatorial.

O Procurador da República que coordenou a operação, Deltan Dallagnol, no último dia 23 postou em sua rede social que “os 5 bi devolvidos por criminosos confessos aos cofres públicos não cresceram em árvores”. Aqueles que cometem crimes devem ser punidos, isso ninguém discorda, mas, e os R$ 85,8 bilhões de salários que deixaram de ser pagos, como fica sr. Procurador? Não seria possível prender criminosos e manter as empresas em pleno funcionamento? Exemplos existem, em países como Alemanha, Estados Unidos, Japão e Coréia do Sul, mas a Lava-jato optou por ignorá-los. Pois bem, eu, o Procurador e milhares de pessoas sabem que a economia compõe a ordem constitucional brasileira. O art. 218 da Constituição Federal prevê que o mercado interno integra o patrimônio nacional, e, portanto, deveria ser respeitado por todas as autoridades, incluindo o Ministério Público.

*Anelise Manganelli é economista e Técnica do Dieese. Escreve mensalmente para o Extra Classe

 

https://www.extraclasse.org.br/opiniao/colunistas/2021/04/quem-paga-a-conta-da-lava-jato/?utm_source=News%2019%20de%20abril%20de%202021&utm_medium=Newsletter%20Sinpro/RS%20e%20Extra%20Classe&utm_campaign=News%2019%20de%20abril%20de%202021&utm_term=ind%C3%ADgenas,%20marcos%20rolim&utm_content=ind%C3%ADgenas,%20opini%C3%A3o,%20entrevista




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