A demonização dos professores
O projeto dos militares e a demonização dos professores,
por Roberto Bitencourt da Silva
O tal projeto verde-oliva pode ser classificado de diferentes maneiras, mas, sem dúvida, projeto de Nação é o que ele definitivamente não é.
O projeto dos militares e a demonização dos professores
por Roberto Bitencourt da Silva
Um pretenso projeto nacional, intitulado “Projeto de nação – o Brasil em 2035”, foi lançado ao público faz poucos dias. Alinhavado em conjunto pelos Institutos Sagres, General Villas Boas e Federalistas, organizações vinculadas a militares de alta patente, o documento propõe oferecer uma visão de futuro sobre o Brasil da próxima década, a partir da mobilização de variáveis políticas e econômicas em curso, bem como visão assentada em expectativas de ações reacionárias realizadas por governos da estirpe de Bolsonaro.
O tal projeto verde-oliva pode ser classificado de diferentes maneiras, mas, sem dúvida, projeto de Nação é o que ele definitivamente não é. Trata-se de um apanhado de ideias conservadoras e liberais, desavergonhadamente vende pátria, economicamente ultraliberal e hiperprivatista, socialmente excludente. Além de propor cobranças de mensalidades nas universidades públicas e pagamentos do usuário por serviços no SUS, ele dá uma enorme ênfase ao agronegócio, concebido como pretenso esteio do “desenvolvimento” nacional.
Para utilizar a feliz fórmula dada há bastante tempo pelo sociólogo André Gunder Frank, o pseudoprojeto preconiza o “desenvolvimento do subdesenvolvimento”, visando nos chumbar ainda mais em uma economia primário-exportadora. Isso em que pese uma tímida menção a políticas industriais. Diga-se, pretensa industrialização defendida por intermédio da adoção de pífios instrumentos como a “redução da burocracia”, o incentivo à “abertura comercial” e a “entrada de capital estrangeiro”. Toda uma sebosa verborragia liberal que, até hoje, somente gestou condições de promover uma industrialização tacanha, sob domínio de tecnologia, gestão e capital forâneo, particularmente na periferia do capitalismo.
De maneira vil, acintosa e profundamente desrespeitosa, reiteradamente, em diferentes páginas desse malfadado documento, as mazelas da educação básica e superior do país são atribuídas praticamente de modo exclusivo aos professores. A escassez de investimentos públicos nas escolas e universidades nem de longe passa pelo leque de problemas “diagnosticados” no ensino brasileiro.
É ventilado em tom acusatório, demonizante, uma veia “radical e corporativa” dos professores e seus sindicatos, que pretensamente precisaria ser “contida”. A anulação dos direitos de expressão, liberdade de cátedra e pensamento, bem como do direito de organização e manifestação sindical, é despudoradamente preconizada. Um autoritarismo gritante!
Talvez o pior de tudo é a alegação de que a “deficiência moral, profissional e cívica” dos professores consistiria em um “óbice para a educação de qualidade”! Renitentemente, o documento verde-oliva trata os docentes brasileiros como inimigos da nação. Como professor, confesso que é indescritível a indignação com passagens tão abomináveis, que nos satanizam abertamente! Os professores como algozes do “desenvolvimento” da nação, refratários à garantia da moralidade requerida pela sociedade. Era só o que faltava. Um verdadeiro acinte!
Isso tudo é afirmado pelo aludido projeto reacionário em um país cujo empresariado paga um dos piores salários mínimos do mundo – sendo menos do que a metade da média mundial, de acordo com dados da Organização Internacional do Trabalho (média global de cerca de 490 dólares por mês e no Brasil em torno de 210 dólares/mês). Um salário de fome, que traduz a intensa superexploração do trabalho no país, cuja classe trabalhadora, em sua maioria, mal é percebida como potencial mercado consumidor. Uma das burguesias mais lesivas ao próprio país, imorais e desumanas do planeta! Obviamente, a relação é estreita entre os autores do documento e os interesses estratégicos dessa lumpemburguesia.
Igualmente, trata-se de uma torpe avaliação sobre os professores, que a duras penas levam o seu ganha-pão para casa que, enfrentando uma miríade de limites, esforçam-se por estimular o aprendizado das crianças e jovens, submetidos ainda a um grande desprestígio profissional.
Ademais, corresponde a uma canalha demonização feita em um país cujas frações das polícias militares, da Justiça, das Forças Armadas e das oligarquias políticas, entre outras camadas da sociedade civil e do Estado, são, de forma contumaz, personagens do noticiário cotidiano a respeito de inúmeras práticas criminosas, antiéticas e corruptas, tais como: violação dos direitos humanos, exercício de abusos de autoridade, desvio de dinheiro público para fins privados abjetos, definição de gastos públicos perdulários e ostentatórios em suas repartições de trabalho, tráfico negocista com o interesse coletivo, cobertura oferecida a bandidos do colarinho branco e outros, atuação em organizações criminosas como as milícias etc. Alguma nota crítica no documento? Necas de pitibiriba. Por motivos óbvios. São todos segmentos das sociedades política e civil que integram o atual bloco de poder.
Esse rascunho de quinta categoria preparado por militares, um projeto absolutamente antinacional e lesivo aos interesses populares, na verdade, pretende submeter o orçamento público exclusivamente aos ganhos do grande capital doméstico e internacional, às aspirações da banca financeira, assim como aos projetos e anseios de uma milicada que enxerga no Povo Brasileiro somente um objeto de exploração e financiamento da máquina pública, sem direito a nada. O Povo visto como burro de carga para satisfazer as aspirações militares por poder. Um Estado tirânico e militarizado do capital.
Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político.