A dívida pública, fakes e juros
“A DÍVIDA PÚBLICA, FAKE NEWS E OS JUROS ALTOS NO BRASIL”, POR JOSÉ MENEZES GOMES
27 de julho, 2023
José Menezes Gomes
Estamos vivendo, como falei, um momento extremamente complexo. Para falar da conjuntura, eu preciso também falar da estrutura que deriva das formas de reprodução desse capital. Neste momento, estamos passando por uma nova etapa da crise capitalista. Essa crise se manifestou na periferia em 95 com a crise mexicana, em 97 com a crise asiática, em 98 com a crise russa, 2001 com a crise argentina e em 2008 com a grande crise capitalista. Então, tudo que ocorre deriva exatamente dessa incerteza sobre a reprodução do capital e toda vez que uma crise se aprofunda, ela vem para atacar os direitos sociais e restabelecer a lucratividade do capital.
Nessa apresentação vou procurar usar charges e imagens, porque acredito que um artista tem a capacidade de fazer uma charge, explicando um fenômeno que eu demoro cinco minutos. O artista tem essa vantagem. A primeira coisa a ser ressaltada é que a realidade pode ser distorcida pelos interesses daqueles que detém a informação, muito cuidado ao formar uma opinião baseada na imagem que a média mostra. No primeiro momento podemos ver nesta imagem o mal, que é uma parte, o bom, que é a segunda. Quando vimos a totalidade podemos ver o fenômeno na sua plenitude. O nosso grande desafio é ver a totalidade, entender todas as dimensões, por estarem cobertas pela dimensão da aparência. Nesta direção os nossos problemas hoje são muito mais graves do que eram antes. Antes falávamos da globo, do sbt, da Record. Atualmente temos algo muito mais perigoso vindo das redes sociais.
Eu passei por essa experiência ano passado, quando me colocaram num grupo da família em MT. Neste grupo eu consegui passar 14 dias, devido ao grande volume de Fake news que ali circulava, mesmo que na minha família seis tenham morrido de covid 19 porque todos acreditavam na mesma coisa. O que acontece na minha família é o retrato das demais famílias, já que temos aproximadamente 40 milhões de pessoas que estão nessas redes comandadas por fascistas, por fundamentalistas religiosos comandados pela extrema direita. Então este é o problema adicional, já que está nas redes sociais se construiu um mundo paralelo.
Quando nós falamos “o Brasil que temos, Brasil que queremos”, precisamos voltar a compreender o modelo de desenvolvimento em vigor e a nossa posição dentro da história do capitalismo mundial. Temos uma história de colonização, que nos estabeleceu um modelo de desenvolvimento, que resulta de um divisão internacional do trabalho entre países exportadores de bens agrícolas e importadores de bens industriais. Isto fica mais evidente quando olhamos para o tamanho do Brasil e dos seus recursos naturais e do volume de riqueza gerada. Olha só, a Alemanha é a quarta economia do mundo, e é do tamanho do Mato Grosso do Sul; Reino Unido é do tamanho de São Paulo, e foi a oficina do mundo e uma grande potência, dominando a economia mundial. A Espanha é do tamanho de minas. A França é do tamanho da Bahia. A Itália é do tamanho do Maranhão. Por que territórios que não tem os recursos naturais que nós temos, que tem praticamente a mesma área, conseguem ter um nível de atividade econômica e de certa forma indicadores sociais diferentes?
Isso não é qualquer coisa. Portanto, territórios como essas características com capacidade de recursos naturais altíssimas e de uma maior possibilidade de gerar riquezas, acaba fruto do modelo de desenvolvimento gerando pouca riqueza. Ao contrário, pequenos países acabam dominando os demais países por imporem uma política imperialista. Nós somos uma grande fazenda, onde se produz soja para o mundo e que a população tem que pagar R$ 10 por um litro óleo. Da mesma forma somos um grande produtor de carne e temos fila do osso em Cuiabá.
Isso fica mais evidente quando analisamos a relação entre o tamanho das regiões e sua participação no Produto Interno Bruto. A Região Norte, com vasto território e ligado ao agro-negócio participa com 5,3% do PIB. A região Centro Oeste, com a mesma característica participa em 9,4%. O nordeste participa com 13, 9%. A região Sul, também ligado ao agro-negócio participa em 16,4%. Enquanto isso a região sudeste com território menor mas com forte atuação industrial representa 54,9% do PIB. Aqui é importante vermos o papel da atividade econômica no financiamento do Estado, já que as regiões ligadas ao agro-negócio além de terem pouca contribuição para a riqueza do país pouco contribuem para a receita do Estado devido a Lei Kandir, que elimina o pagamento de imposto sobre as exportações.
Outro grande problema gerado por esse modelo de desenvolvimento agro exportador resulta da concentração fundiária que acaba por impulsionar o êxodo rural e os conflitos sociais nas cidades. Esse acirramento dos conflitos no campo resulta em grande parte dos latifúndios e da monocultura, ocorridos nas regiões: centro oeste 75% dos latifúndios, Sudeste 33%, nordeste 41%, Sul 33%, norte 25%.
Portante, parte dos problemas sociais que temos hoje deriva exatamente do modelo de desenvolvimento e pela existência dos latifúndios e da monocultura. Alagoas ilustra muito bem esse processo. Isso mostra exatamente que a estrutura fundiária que temos, é uma estrutura que torna aquelas regiões impróprias para grande parte da população. Além disso o processo de produção dessas regiões, que usa agro-tóxico como forma de elevar a produtividade, acaba gerando um problema ambiental com repercussão sobre toda a população. Um grande amigo meu Wanderlei Pignati, médico e professor da UFMT, fez uma pesquisa sobre o impacto do agro tóxico na cidade de Lucas do rio verde, com 62 mulheres que estavam amamentando e constatou a presença de vários tipos de agro-tóxicos no leite materno. Esse modelo de desenvolvimento tem uma coisa ainda mais trágica, porque ele vai adoecer grande parte da população e essa população depois vai pro SUS. Ou seja, esse setor não paga impostos que financia o SUS e acaba gerando doenças que sobrecarregam o SUS. Além dos danos já tratados por esse setor, que destrói a natureza, temos também um dano político, pois acabam por impulsionar um agrupamento político que amplifica a escalada de ódio que vivemos hoje.
Trata-se da Bancada parlamentar BBBB, que significa Bala, Boi, Bíblia e Banco. Esses 4 B tem a representação de alguém da política alagoana no comando, alguém que está fazendo o embate contra a redução da taxa de juros e que apoia todas as contra reformas que retira nossos direitos. Esse é o grupo político que define tudo, foi ele responsável pela reforma trabalhista, pela reforma da previdência, etc. Enquanto isso observamos alguns alunos preocupados com o empreendedorismo e educação financeira quando temos um crescimento do pauperismo motivado por essas reformas, que aprofundaram o desemprego e a informalidade. Nesse sentido a teologia da prosperidade tem um grande papel em criar ilusões e evitar que os mais explorados lutem, enquanto impulsionam a extrema direita. Quando vamos conseguir mudar a conjuntura se a compreensão da realidade ainda é inviabilizada?
Quando observamos o ranking dos países através do PIB constatamos que o Brasil, que já foi o sexto colocado, agora está em 12. Em outras palavras, estamos vivendo um processo de regressão progressiva. Todavia, essa regressão é apenas para a classe trabalhadora, porque do outro lado está se formando bilionários, ao mesmo tempo em que o empobrecimento social se aprofunda com esse modelo, o que temos do outro lado é um processo de concentração de riqueza. Recentemente, acabamos de sair do modelo de “passar a boiada”: garimpo ilegal, desmatamento, queimadas, devastação ambiental. Da mesma forma passaram a boiada nos direitos sociais. Isso é resultado da ação política da bancada BBBB que continua defendendo a pauta conservadora no congresso. Quando analisamos a economia brasileira num período mais longo podemos observar que estamos passando por uma regressão durante a última década ou da nova década perdida.
A constitucionalização dos interesses dos rentistas ficou muito mais avançada com a aprovação da independência do Banco Central, tendo em vista que a eleição de um presidente não te confere liberdade de alterar a política econômica, já que quem define a taxa de juros é que não foi eleito. Ou seja, você elege um presidente, mas quem manda efetivamente e que determina toda a estrutura do que fazer com a economia é o banco central, que não foi eleito e que representa justamente os setores mais atrasados. Dentro disso a bancada dos 4 B, tem o seu “presidente não eleito”, que conseguiu manter uma taxa de juros de 13,75%, quando a inflação é de 5%. Todavia o que determina a inflação é o somatório dos preços dos combustíveis e preço dos alimentos. O governo anterior mantendo o reajuste dos combustíveis baseado o valor do dólar e do barril de petróleo, acabou recorrendo a redução do ICMS sobre os combustíveis e por sua vez reduziu a arrecadação de impostos que bancam parte do financiamento do SUS.
Quando observamos a participação da renda do trabalho no volume de riqueza vimos que praticamente 1% da população brasileira ganha de 13 a 33 mil. Enquanto isso, 46% da população possui de renda familiar 1.355. Isso é assustador, pois sabemos que o nível de emprego e renda determina as condições de vida e contribuem para a saúde desses. Esses dados revelam exatamente o que Marx chamou de Lei geral da acumulação capitalista, que estabelece que o capitalismo gera de um lado a riqueza e do outro a pobreza e o pauperismo. Não precisamos mais do que os dados do IBGE para provar essa Lei. A extrema direita usa o seu braço religioso da teologia da prosperidade, e de teorias da conspiração e dos fake news, baseado numa pauta moral para expandir seu pode dentro do Estado.
Essa imagem mostra o orçamento federal executado de 2022. Nela podemos ver que o principal destino dos impostos que pagamos vai para o pagamento do serviço da divida pública com 46,30%. O resto do orçamento vai para o resto onde inclui as políticas sociais, onde a saúde pública fica com 3,37% e educação com 2,70%. Aqui fica bem claro que é o sistema financeiro é o principal destino dos nossos impostos, já que são eles que compram os títulos da dívida pública.
O Estado de Alagoas passou muitos anos destinando 13% de sua Receita Corrente Líquida para pagar sua dívida pública, que em grande parte foi gerada pelos usineiros, quando tomaram dinheiro emprestado do PRODUBAN e não pagaram. Em outras palavras, os impostos de Alagoas foram destinados a divida pública gerada pelas oligarquias regionais e não para ampliar os investimentos na saúde. A auditoria cidadã tem exatamente o papel revelar o caráter de classe do estado quando investigamos os documentos originais liberados pelo Estado e passamos para os movimentos sociais tomarem conhecimento, servindo para mobilizar nossas lutas. Ou seja, o dinheiro público vai para os bancos e para a população fica o teto de gastos, via emenda constitucional 95, que congelou os gastos em 20 anos. Será que a população brasileira sabe como é usado o dinheiro publico? Para muita gente isso que eu estou falando é considerado fake news.
Quando vimos a trajetória do lucro dos bancos podemos confirmar que são os bancos que ganham com o aumento da taxa de juros bem como ofertando saúde privada, educação privada e previdência privada. Ou seja, eles ganham com as privatizações dos serviços públicos. Quando olhamos o gráfico da distribuição de renda do Brasil em 2010, constatamos que 41% dos trabalhadores ganham até um salário mínimo, e a constituição diz que o salário mínimo deve ser suficiente para que um casal e dois filhos possam adquirir nove itens. Para respeitar o que consta na constituição, o salário mínimo deveria ser de R$ 6.500,00. O salário mínimo atual permite comprar no máximo três ou quatro itens. Os comandantes da banca dos 4 B questionam a bolsa família, mas não questionam a bolsa banqueiro. Quando olhamos para essa imagem vemos de um lado a favela e do outro um edifício de luxo com piscina em cada andar e grande área de lazer. Essa figura ilustra a Lei geral que falamos anteriormente.
No polos opostos temos os que ganharam como o modelo agro exportador e do outro os que foram expulsos da terra e que ficaram ausentes de políticas públicas quando chegaram nas cidades. Todavia, através da teologia da prosperidade e das teorias da conspiração temos o cruzamento entre os dois lados opostos quando o lado pobre vota na bancada BBBB em nome de uma pauta moral e acabam perdendo seus direitos e legitimando a destruição das políticas sociais, que tanto precisam. Além disso oferecem sua força de trabalho em trabalhos precários que tanto ajudam o lado rico. O problema nosso é que a escravidão ainda está na cabeça de muito gente, muito mais do que se imagina. Por esse motivo torna-se fundamental a discussão sobre uma política de reparação aos negros escravizados. No gráfico que trata da evolução da economia brasileira desde 1900 podemos observar que em 1900, a taxa média de crescimento foi de 4,2%. De 1921 a 1930 o crescimento foi de 4.4%. Com isso fica claro que a taxa de crescimento tem sido cada vez reduzida, enquanto o pais se desindustrializa e reprimariza.
Quanto mais se aprofundou o processo de concentração de riqueza e o empobrecimento social, maior foi a regressão econômica. O nosso grande problema é que a classe trabalhadora não consegue perceber que os agentes privados sempre estão na gestão do Estado direta ou indiretamente. Sendo assim, esses sempre estarão gerindo o Estado para seus interesses e por sua vez o orçamento público é por onde se legaliza essa transferência dos impostos para a classe dominante. Por esse motivo temos que estar atendo no momento da sua elaboração bem como no processo de execução deste orçamento.
Em linhas gerais, os agentes privados que estão na gestão do Estado sempre desejam privatizar. Eles desejam fazer uma reforma administrativa para implantar uma OS para comandar um hospital, para colocar lá quem desejam, porque a partir da existência do concurso público eles perderam parte do controle sobre o espaço público. Sabemos que com a introdução de uma OS fica estabelecido o fim do processo de licitação que abre caminho para a corrupção. O que eles querem na verdade é tomar conta daquilo que já são gestores indiretos.
A Braskem produziu uma das maiores tragédias, atingindo quase seis bairros e desalojou muitos trabalhadores. A trajetória desta empresa revela o parasitismo do capital privado e o uso do capital estatal para o enriquecimento privado. A Braskem era a salgema no passado, quando ela surgiu era um capital nacional associado com capital estrangeiro, que não foi para frente, ai depois chegou o BNDE e transformou ela em estatal, fizeram investimentos, e quando ela começou a gerar receita foi privatizada. Essa é a ilustração da burguesia brasileira. Ela não assume riscos, mas na hora que estiver rentável, quer se apropriar. Na história brasileira as estatais são fundamentais. Sem a Petrobrás não teríamos petróleo, sem a Eletrobrás não teríamos energia, sem empresa estatais não teríamos nada, porque a atividade privada sempre foi parasitaria, sempre esteve ausente das atividades de risco, e continua exatamente igual.
A política de juros altos colocada em pratica pelo Banco Central, permite que Brasil pague a maior taxa de juros do mundo. Este fato faz com que toda vez que se eleva os juros em 1%, a dívida pública cresce R$ 50 bilhões, valor que é quase metade orçamento da saúde federal. Tal fato compromete a saúde dos trabalhadores mas permite um aumento da saúde financeira dos bancos. Nossa grande tarefa neste momento é formar formadores para que possamos dar um inicio ao processo de formação política que permita aos movimentos sociais irem além da política de conciliação de classes baseados na independência de classes.
José Menezes Gomes é professor de economia em Santana do Ipanema e do Programa de pós-graduação em Serviço social da UFAL, coordenador do núcleo alagoano da Auditoria Cidadã da Dívida e membro da RICDP
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