A Educação do “e daí?”

A Educação do “e daí?”

A Educação do “e daí?”

Tatiana Lebedeff

No Vegas meu codinome é MAE5056. Fico imaginando se tem 5.055 mães lutando por lá (o número foi dado pelo sistema). Tenho mais ou menos 1.90 cm e minha dúvida hoje era se optava por mais munição ou mira laser. Fiquei com mais munição, sou ruim de mira, melhor atirar a esmo.... Ainda luto para conseguir coordenar a visão com o movimento, nada fácil... duas vezes snipers me atingiram pela minha falta de habilidade. No Escapists hoje fui o Parker, apertei botões errados e fiquei de cuecas na prisão, saí do refeitório com uma colher (o que é proibido) e fui para a solitária duas vezes. No Naruto me saio melhor, de todas as partidas jogadas consegui vencer 2!

Não, não estou me divertindo nem um pouquinho. Tenho horror desses jogos de lutas e perseguições. Gosto de estourar bolinhas, como Zuma e similares. Temos a alternativa do pimbal em duplas, mas, Gabriel não gosta, então tenho que pegar em armas... Quero fazer artesanato com ele, proponho jogar algo em tabuleiro, mas, ele prefere videogame. Jogo muito na onda do discurso do “padecimento paradisíaco”, jogo porque sei que meu filho precisa muito que eu jogue com ele.

Crianças querem brincar, interagir, jogar. Crianças estão presas em casas, às vezes só com adultos. Uma amiga disse que as filhas pequenas não querem mais “eventos” de videochamada porque elas não conseguem falar, não dá tempo de falar, muitos falam ao mesmo tempo e, nessa confusão que são as vídeochamadas, elas se sentem surrupiadas no seu tempo de auto-narrativa. Elas não conseguem interagir com os outros como gostariam. Na bolha do meu filho as crianças maiores estão interagindo por videochamada utilizando jogos online, whatsapp, Messenger, Skype. Mas, não basta. Ele se sente só, ontem me chamou de “parça”. Doeu... eu não sou o “parça”, eu sou um substituto/simulacro/arremedo de “parça”.

Mas, ele ainda tem outros recursos para passar o tempo, seja comigo ou sozinho: as revistas em quadrinhos que encomendo por whatsapp, os materiais de pintura que compro pela internet e por aí vai. Tem TV a cabo, Netflix, Internet, computador, celular. Mas, e os que estão fora da bolha?

Participei de uma reunião que me fez pensar se não era de, no início do isolamento, o Ministro da Educação ter dito: - Parem tudo! Ninguém mais vai se preocupar com conteúdo, ninguém será avaliado: as escolas serão responsáveis pelo apoio a crianças e famílias. Temos que minimizar o sofrimento do tempo de isolamento!

Nós fomos privilegiados porque tínhamos, em primeira mão, os exemplos do que havia acontecido na China, Na Espanha, na Itália... usamos muito mal essas informações.

Corremos para dar conta dos conteúdos e esquecemos um dos principais fatores para o desenvolvimento infantil: a interação com os pares. As crianças não estão interagindo, não estão brincando, estão sendo cobradas por um desempenho escolar, na maioria das vezes, irrealizável. Não seria mais producente criar condições de apoio e acolhimento (mesmo que remoto) para as crianças e famílias?

Algumas ações, com esses objetivos, estão sendo desenvolvidas, mas, são ações isoladas, organizadas por grupos que estão, de certa maneira, exercendo desobediência civil. Esses grupos (escolas, grupos de professores, ONGs,...) resolveram repensar o papel da escola em tempos de pandemia e estão propondo atividades tais como: famílias e crianças brincam em casa, com os objetos que tem em casa; ações sociais e afetivas de apoio; propostas de contação de histórias em vez de extensas listas de exercícios; ações de aproximação entre escola, crianças e família, entre outros. Por outro lado, as escolas sofrem a cobrança externa porque os 200 dias letivos foram flexibilizados, as 800 horas não. As avaliações de larga escala não foram canceladas. Faz-se o quê?

Para problematizar mais a situação, vou tentar resumir a reunião que participei em alguns diálogos fictícios:

- Mas governador, as famílias terão que acordar às 5:30 para os estudantes assistirem teleaula às 6:00! E a reprise, à tarde, é só para a região metropolitana, no interior eles não terão acesso!

- E daí?

- Prefeito, estamos fornecendo cesta básica porque as crianças não tem o que comer, como poderão acessar internet para a aula remota?

- E daí?

- Mas Governador, nossas crianças são de periferia, só tem um celular pré-pago na casa, como vão acessar as aulas?

- E daí?

- Mas Ministro, o Amazonas já totalizou 8.109 casos confirmados de covid e o número de mortes já está em 649, como os adolescentes vão estudar para o ENEM?

- E daí?

- Contribuição do

Alexandre Machado

: E daí que as crianças na periferia por morarem numa pequena casa são obrigados a brincar na rua. E daí que que essas crianças por não terem acesso à internet preferem brincar. E daí que seus pais terem que ir de forma humilhante buscar os 200 reais, opa, 600 reais. E daí que as famílias nas periferias tem uma relação diferente com a morte. Mesmo assim sempre buscam formas de sobreviver sem a necessidade do Estado. Enfim, são essas as contradições entre as bolhas de cada um.

- Contribuição da

Aline Kloh Dos Santos

: E daí que eu tenho um filho com DISLEXIA, que está no 2° ano do Ensino Fundamental, que não está alfabetizado, mas que é cobrado pela professora para acompanhar as atividades enviadas via WhatsApp...

- Contribuição da

Silvia Lopes

: E daí

Que as crianças de periferia que são especiais estão sem nenhum apoio...

- Contribuição da

Susana Felix

: E daí que em uma casa a mãe tem 4 filhos, um deles tem autismo, ela tem apenas um celular e não tem estudo suficiente para atender os 4 nos estudos, além de ter que cuidar casa e atender as outras necessidades deles?

- Manda teu "e daí" para colocar aqui:.....

Estamos com carência de “parças” para as crianças e adolescentes do Brasil...

Abraços virtuais,

Tatiana Lebedeff

 

https://www.facebook.com/tatiana.lebedeff




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