A escola com escolha
A escola com escolha: entenda as mudanças no ensino médio
Na volta às aulas, alunos do ensino médio encontrarão um modelo flexível voltado para o futuro; entenda as mudanças
- Publicado em 30 jan 2022
O ingresso no ensino médio é um delicado rito de passagem na vida escolar, um salto para um mundo em que o cardápio de matérias se abre e a caminhada para a universidade exige empenho máximo. Quando aportou no Brasil nos longínquos anos de 1950, o Prêmio Nobel de Física Richard Feynman já registrava o seu espanto com a quantidade colossal de conteúdo que era apresentada aos alunos nestas praias: poucas vezes havia visto algo parecido. Por outro lado, observou o Nobel, os estudantes eram afeitos à decoreba e muitos boiavam em conceitos básicos. Pois a situação só se agravou, à medida que volumosos tópicos foram sendo somados à cartilha, fenômeno alimentado por uma tradição enciclopédica que já não pertence a estes tempos digitais. Armazenar tanto conhecimento na cabeça, afinal, perdeu o valor diante da possibilidade de obter a um clique um infinito leque de informações. Hoje, o que conta mesmo é saber juntar as peças, afiar o raciocínio lógico e desenvolver o ímpeto inovador. Escolas mundo afora vêm há décadas se adaptando a tais demandas, lição que o Brasil começa agora a absorver.
A mudança, que vinha sendo debatida fazia duas décadas, será aplicada gradativamente ao longo dos próximos três anos e já dá a partida nesta volta às aulas, valendo para os estudantes do 1º ano do ensino médio. Vai atingir de saída 2,5 milhões de adolescentes, que estão, naturalmente, cheios de dúvidas e aflições, assim como seus pais. Mas é boa notícia. O novo ensino médio, como ocorre na maioria dos países da OCDE (organização que reúne os mais ricos), entre eles os Estados Unidos e a tão elogiada Finlândia, será mais flexível, dando ao jovem o poder de escolha sobre parte de sua jornada acadêmica. A ideia essencial é que cada um tem talentos e interesses distintos, portanto pode mergulhar nas áreas que lhe despertam a curiosidade e que pretende abraçar no futuro. “A realidade do século XXI exige que os jovens estejam preparados para a quarta revolução industrial, tendo elevado pensamento crítico, daí a necessidade de uma escola menos engessada”, enfatiza Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV-RJ.
Nessa escola modificada, as únicas disciplinas que seguirão iguais para todos durante o ensino médio inteiro são matemática e português. De resto, os estudantes pinçarão, entre cinco áreas de conhecimento, uma que queira trilhar com mais profundidade, seja no universo das ciências da natureza, seja se direcionando para uma formação técnica
Para pais que podem estar se perguntando neste momento se o filho que tem predileção pelo campo das humanas não aprenderá mais física, por exemplo, a resposta é: a disciplina, bem como todas as previstas na Base Nacional Comum Curricular do Ministério da Educação, continua na grade — o que varia é a intensidade com que serão ensinadas a cada jovem. Na prática, 40% da carga horária, ampliada de uma média de quatro para cinco horas diárias, será reservada a um mundo inesgotável de disciplinas eletivas, que dão uma chacoalhada na vida escolar como a conhecemos.
As escolas, públicas e particulares, passaram os últimos três anos se dedicando à reforma, que faz entrar em cena matérias como empreendedorismo, matemática financeira, oratória, contação de histórias, fotografia, mídia, culinária, e por aí vai. “Não se trata de exigir que o aluno faça uma escolha profissional precoce, mas sim de lhe oferecer opções que dialoguem com seus reais interesses”, pontua Wilton Ormundo, diretor do colégio Móbile, em São Paulo, que preparou um menu com mais de vinte dessas eletivas. Prestes a estrear no ensino médio, Bruno Pozzobon, 15 anos, nutre saudáveis dúvidas sobre qual carreira seguir, mas na hora de marcar o xis em uma das cinco áreas, não pestanejou — cravou matemática. “Sempre gostei dos números e estou aliviado de não precisar estudar tanto as matérias com as quais tenho menos afinidade”, diz o adolescente, que mira as eletivas “investigações em física” e “programação de computadores”.
Para facilitar a transição e suavizar as angústias diante da novidade, as escolas estão implantando a disciplina “projeto de vida”, em que os alunos são instados a pensar sobre seus objetivos mais adiante com a ajuda de um orientador. Não foi fácil para Gabriela Pedrozo, 15 anos, assinalar sua opção. Ela passou noites insones pensando, até que se decidiu por ciências da natureza. “Fiquei nervosa com a ideia de não gostar das matérias e passar o ano arrependida.” Aí conversou com a família. “Disse a ela o básico: ‘Não tem certo ou errado, o importante é fazer bem, e de preferência com alegria, o que escolher’”, conta a mãe, a médica Tatiana Pedrozo, 46 anos. Se mudar de ideia no meio da jornada, ela e os outros têm a chance de trocar e lançar-se em nova trilha.
Uma transformação dessa envergadura exige treinamento dos professores e não ocorre sem tropeços. Quem se adiantou e já renovou o ensino médio avalia que a reviravolta compensa sob vários prismas. “É natural que haja um receio inicial, mas a nossa experiência mostra uma aprovação maciça do novo sistema”, diz Marcos Raggazzi, diretor-executivo do colégio Bernoulli, com unidades em Salvador e Belo Horizonte, que implantou o modelo há três anos. headtopics.com
Os colégios ainda convivem com um ponto de interrogação dos mais decisivos que paira no ar: como o Enem, hoje uma extensa prova que cobra uma vastíssima gama de matérias, se adaptará aos novos ventos? O que se sabe é que a versão reformada da prova entra em vigor em 2024, já foi desenhada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e aguarda a homologação de um grupo de trabalho sob a coordenação do MEC. Pela proposta encaminhada, o exame terá uma primeira etapa de múltipla escolha, dedicada à parte do currículo igual para todos, mais a redação, e uma segunda com questões dissertativas divididas por quatro áreas que espelham a lógica dos cursos superiores — cada aluno fará apenas a que se encaixar em sua escolha. “Queremos que o novo Enem seja menos conteudista e sinalize para as competências do século XXI”, explica Maria Helena Castro, presidente do CNE. Ao aderir ao conceito moderno de que educação não é penas estocar conhecimento, mas saber o que fazer com ele, o Brasil vira uma página mais do que necessária rumo ao futuro.
https://headtopics.com/br/a-escola-com-escolha-entenda-as-mudancas-no-ensino-medio-23760504
Ensino Médio SP: escolas mostram vantagens do ensino direcionado
Planejamento acadêmico ajuda estudantes na descoberta de habilidades e no momento de escolha da carreira profissional
Alex Gonçalves, do R7* 29/01/2022
DANIEL GUIMARÃES/EDUCAÇÃOSP/DIVULGAÇÃO
O Novo Ensino Médio SP entra em vigor nas escolas públicas e privadas do estado de forma gradual neste semestre letivo. O novo currículo e formação técnica são algumas das mudanças com que os estudantes passam a se deparar durante o ensino, conforme as diretrizes estabelecidas pela BNCC (Base Nacional Comum Curricular).
Entretanto, algumas instituições privadas já adotam essa modalidade de ensino há algum tempo. Confira a entrevista feita pelo R7 com alguns profissionais da educação, estudantes e pais sobre o impacto e as vantagens do ensino direcionado, que deve ajudar os jovens no momento de escolha para uma carreira profissional.
Célia Zarzur é mãe de Lívia Ascania Zarzur, 16 anos, aluna do 3º ano do ensino médio do Colégio Mater Dei, localizado na capital paulista. Para a mãe, faz toda a diferença o olhar humanizado e personalizado feito na escola com os estudantes. "Vejo minha filha mais participativa e engajada nas atividades propostas. São aptidões e preferências novas que minha filha desenvolve e aprimora", esclarece.
A famosa "Mão na Massa", nome dado às atividades do colégio, não é apenas uma exclusividade, mas sim uma experiência única e promissora que complementa os estudos das salas de aula com excursões e atividades colaborativas. Segundo a estudante Lívia, foi com a ajuda dos professores por meio da metodologia de ensino que ela pôde exercitar o autoconhecimento. "Foi justamente neste processo que conseguimos ter ideias claras de quais caminhos trilhar, seja nas áreas de exatas ou humanas", conta. "E isso é motivador, porque saímos do modelo tradicional de ensino das aulas teóricas. É uma fase de liberdade, tenho mais autonomia e segurança nas tomadas de decisões sobre o estudo", finaliza a jovem, que sonha estudar design de moda no Brasil.
Sueli Cain, diretora do Colégio Mater Dei, explica que a instituição já realizava projetos de ensino parecidos com os itinerários formativos. "Quando tive a oportunidade de conhecer instituições de ensino no exterior e estudar a matriz curricular de cada uma delas, pude trazer este conhecimento e aplicar no Mater Dei, adequando à nossa realidade brasileira", explica.
Desde 2018 o colégio oferece o Counselling Educacional, que conta com o apoio profissional do psicólogo Tiago Tamborini. Os estudantes a partir do 9º ano contam com encontros semanais e dinâmicas para que possam ter mais clareza na escolha das áreas e afinidades. "Este processo auxilia os alunos a identificar qual caminho desejam seguir por meio de atividades que possam desenvolver a liderança, o trabalho em grupo, a resolução de problemas e até mesmo a empatia", explica.
Beatriz Micalli, 15 anos
DIVULGAÇÃO/ARQUIVO PESSOAL
Já Andrea Pengo é mãe de Beatriz Micalli, 15 anos, aluna do 2º ano do ensino médio no Colégio Internacional Emece, também em São Paulo. Ela explica que o ensino direcionado traz mais autonomia aos estudantes. "É poder identificar o que eles querem e gostam de fazer, no modo livre, sem que se sintam pressionados", diz. Para a filha, não existe aquela monotonia de um ensino tradicional. "Não é uma rotina acadêmica baseada apenas em estudar, provas e se preparar para os vestibulares”, conta. "É como se tivéssemos um respiro com um pensamento maior sobre as coisas e identificar outras possibilidades que vão além dos famosos cursos de medicina e direito", explica a jovem.
A coordenadora pedagógica Angélica Larcher, do Emece, cita duas questões importantes sobre os itinerários formativos no processo de desenvolvimento dos alunos: autonomia e conhecimento. "O estudante pode criar a corresponsabilidade, ou seja, ele também é responsável pelo seu aprendizado", comenta. "Hoje os jovens são a geração do streaming, eles escolhem ao que assistem, e não dependem do outro para isso. E é justamente o formato do Novo Ensino Médio, a possibilidade de o estudante realizar escolhas e estar envolvido com o processo de aprendizagem naturalmente", explica.
Itinerário formativo da rede pública estadual
O Ensino Médio de São Paulo começou a ser implementado em 2021 para todos os 460 mil estudantes da 1ª série da rede de ensino pública estadual. A proposta curricular aproxima o estudante das transformações da sociedade, da universidade e do mercado de trabalho, permitindo adquirir todos os conhecimentos básicos e ainda escolher as áreas de mais interesse para aprofundar e ampliar os estudos, sem precisar ficar mais tempo na escola.
Em julho do ano passado, mais de 376 mil estudantes da 1ª série do ensino médio da rede pública estadual (89% do público-alvo) apontaram, via Secretaria Escolar Digital, os itinerários formativos mais atrativos, conforme interesse individual. Quatro deles nas áreas de conhecimento e seis opções integradas entre elas.
Para Gustavo Mendonça, gestor do Ensino Médio de São Paulo na Seduc-SP (Secretaria da Educação do Estado de São Paulo), o resultado dialoga com a necessidade de oferecer uma proposta curricular que aproxime os estudantes das transformações da sociedade e do mundo do trabalho. “Por meio dos itinerários formativos, permitimos um aprendizado alinhado entre todos os conhecimentos básicos e as áreas de mais interesse que façam sentido ao projeto de vida individual”, analisa.
Ainda segundo Mendonça, investimentos financeiros foram realizados nas escolas do estados para que materiais pedagógicos pudessem ser adquiridos e estar adequados ao novo formato de ensino.
Apoio internacional
Desde o anúncio com as novas diretrizes de ensino no Brasil, a universidade americana Full Sail vem realizando ações com as escolas dos estados do Distrito Federal, São Paulo, Mato Grosso, Santa Catarina, Pernambuco, Goiás, Paraná, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro para ajudar no processo de adaptação e implantação da nova modalidade de ensino, por meio do Programa Carreira Criativas, disponibilizado gratuitamente.
O curso é desenvolvido para os estudantes do ensino médio que estão no momento de escolha da carreira profissional e descoberta de novas habilidades. O Colégio Renascença, em São Paulo, é um dos que aderiram ao programa disponibilizado pela universidade americana, que permitiu ao corpo docente escolar planejar, adaptar e até mesmo personalizar alguns métodos de ensino-aprendizagem.
O curso possui dez módulos com 40 horas de conteúdo, disponíveis em português ou inglês, de acordo com a necessidade de cada instituição de ensino que aderir ao programa gratuitamente. As aulas também podem ser customizadas para cada escola, conforme a visão da instituição para os Itinerários Formativos.
De acordo com o MEC (Ministério da Educação), além das disciplinas obrigatórias previstas na BNCC (Base Nacional Comum Curricular), os alunos terão 1.200 horas para os itinerários formativos, aumentando a carga horária total de 2.400 para 3.000 horas durante os três anos de estudos.
*Estagiário do R7, sob supervisão de Ingrid Alfaya