A escola fala
A sociedade cala, a escola fala
Minha família foi chamada no conselho tutelar pela primeira vez por insistência da diretora da escola municipal onde estudei. A diretora era muito carinhosa e minha professora da segunda série também, as duas muito boazinhas.
Eu apanhava dia e noite por nada, meus pais viciados, alcoólatras, promíscuos, me agrediam de muitas formas. Eu escondia na minha mente, mas as marcas não davam pra esconder. A professora viu, chamou a diretora que levou uma carta para o conselho tutelar. Fui ouvida junto com a minha mãe, que me beliscava debaixo da mesa da assistente social, sem ninguém perceber.
Voltei no dia seguinte pra escola e minha mãe chegou pra me buscar (nunca fez isso antes) e ali me bateu muito, muito a ponto da diretora ter que se meter. A diretora foi agredida com um soco no rosto, eu me senti super culpada por ter feito aquilo acontecer.
Na primeira vez fui recolhida pelo conselho tutelar e devolvida para meus pais em 15 dias. Ao todo fui recolhida 16 vezes pelo conselho. Passei inúmeras vezes por casa de passagem, mas o conselho sempre me mandavam novamente pra casa. Foram as professoras que cuidaram de mim quando retornei de um abrigo, cheia de piolhos e doenças. Foram as professoras que cuidaram de mim, me abraçaram, me levavam para médico até escondido em horário de aula. Meu primeiro óculos com exame e tudo veio do bolso de uma professora.
Eu tenho dislexia e a quinta serie foi difícil e veio pela professora de matemática meu primeiro presente de aniversario: um kit com material escolar inteiro, kit de pintura... Minha roupa de natal uma vez veio por uma professora do meu irmão... Eu queria olhar para cada uma delas hoje e dizer que eu venci, que eu consegui, que estou viva e me tornei professora!
Não posso dizer a elas pessoalmente, mas estou dizendo agora a cada um de vocês educadores: Não desistam da sua missão. A salvação de uma vida pode vir pelas suas mãos! Talvez o seu colo, carinho, abraço, cuidado e palavras de incentivo sejam a única demonstração de afeto que recebam na vida!
Eu fico emocionada de me lembrar disso tudo, pois eu tenho hoje 27 anos e devo minha vida a essas mulheres. A sociedade não sabe o que é ser professor(a) em um pais subdesenvolvido.
Obrigada por terem criado essa forma de desabafar, de colocar pra fora o que só poderíamos falar em terapia .
*Nomes e desenhos fictícios. Caso real. #aescolafala
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