A escola não se restringe ao desempenho

A escola não se restringe ao desempenho

Corredor De Escola Vazio

 

Lembrar da escola não se restringe ao desempenho, são relações…

Daniel Machado da Conceição

 

Estou nesse texto expressando os meus sentimentos sobre um dos espaços de socialização de grande importância para sociedade, no caso, desejo falar sobre a escola que aparece e favorece na transição entre a vida familiar (privada) e o mundo (público). Na escola criamos relações que se orientam a partir de encantos, espantos, experiências e encontros, seja com colegas, professores, ou famílias e, obviamente, com o conhecimento. Ao refletir sobre as minhas memórias na escola fiquei pensando sobre esse espaço único e que não podemos apenas reduzir aos saberes transmitidos dentro dos seus muros. Pensar a escola é refletir sobre os significados que cada indivíduo atribui a esse espaço de socialização, mesmo quando as avaliações de desempenho passam a representar seu único propósito.

Saudosismo ou não, ao pensar na escola, mais precisamente, no meu Ensino Fundamental, lembrei que além das matérias e dos conteúdos, estar no espaço escolar também envolveu sentimentos e emoções que se materializavam em conquistas que não estavam reduzidas à aprovação no final do ano. A escola permite criar um mundo cheio de códigos estudantis e regras de sociabilidade próprias, que podem ser observadas na sala de aula, pátio e corredores.

Como desejo expressar, quero refletir sobre as conquistas que passavam despercebidas e que para os estudantes são significativas. Situações que parecem banais, mas falam do tempo, do espaço e do desempenho pessoal, que podemos confundir com o mérito. Minha lembrança sobre a escola destaca a ansiedade em acelerar a etapa entre a escrita com lápis e a escrita com caneta esferográfica. De maneira semelhante, deixar de usar cadernos brochura para ostentar cadernos com espiral. Estudei na Escola Estadual de 1º e 2º Grau Cassiano do Nascimento em Pelotas/RS, um prédio muito grande para o olhar de uma criança. A sua estrutura, então imponente, possuía dois níveis, o térreo voltado para salas designadas aos Anos Iniciais (os pequenos) e o primeiro piso também dividido: o lado direito para as turmas dos “pequenos” e o lado esquerdo como território dos “grandes”. O desejo de criança era antecipar o desenvolvimento físico: esperava crescer rápido para deixar de ser considerado “pequeno” e adentrar o espaço dos “grandes”. Estar na escola envolvia não só desempenho, nós idealizávamos uma outra lógica de relações com ações que ‘realmente’ importavam. Essa postura permitia projetar sonhos e metas simples, como não ver a hora de frequentar as salas das turmas dos Anos Finais. O momento do recreio era um projeto infantil de semelhante intenção, pois idealizava a conquista de espaço, precisávamos crescer para deixar de participar do intervalo dos “pequenos” e para ficar com os “grandes”. Era assim que pensávamos sobre ter uma professora única até a Terceira Série (Ano) e a partir da Quarta uma professora por disciplina. Aguardávamos ansiosamente esse momento, pois seria diferente e significava crescer. O entendimento sobre crescer não era uma coisa apenas da idade contada em anos, mas em Ano (Série) de estudo.

Os objetivos de uma criança nem sempre são captados por pais e professores, porém, são metas simples que fomentam emoções ao criar um desejo de conquista que se torna infindável, pois sempre esperamos que a próxima fase da vida, a próxima sala, a próxima aula ou que o próximo ano seja melhor, com mais liberdade e autonomia. Palavras que para uma criança não significam conceitos, apenas parecem dar sentido a futuras conquistas, mesmo que elas se realizem na simples troca da sala de aula ou do horário de recreio.

Lugar de encontrar a si em plena construção de uma identidade própria, já que essa se faz em relação ao outro, que espetacular é o ambiente escolar! Na minha memória também recordo que a escola foi o local do primeiro amor, secreto, não correspondido, bem como do segundo, do terceiro etc. O espaço escolar reconhecido como um veículo ideológico que apresenta os saberes, os códigos e valores da sociedade, não se restringe a essa função, pois os seus estudantes também criam regras de sociabilidade ao circular por ele. Quantas regras de convivência que se transformam junto com a estatura da criança, isto é, o olhar de espanto no primeiro dia de aula voltado para o tamanho do mobiliário e das portas passa por uma mudança paulatina à medida que a infância dá espaço à adolescência. Os lugares antes gigantescos, capazes de permitir à criança brincar de “pique esconde” com esconderijos impensáveis. Nos Anos Finais a invisibilidade não é mais possível, mesmo ocupando os mesmos espaços, pois nada escapa do olhar atento de algum professor ou outro funcionário.

Aprendizado é o lema da escola e aprender a sonhar a partir dela é extraordinário quando refletimos a respeito das relações que criamos no seu espaço. Hoje, ao inverter os papéis, antes de estudante e agora de professor, continuo andando dentro dos muros de outras escolas. É surpreendente escutar falas diversas cheias de alegrias, chateações, penúrias e euforias. Posso dizer que observo risadas, choros e movimentos, esse é o barulho da vida que se propaga pela vizinhança da escola. Uma poética explícita em ciclos marcados pela sirene (sinal) que ainda escuto alto e agudo como no passado, indicando não só os horários no tempo da escola, mas que hoje percebo como um alerta, um aviso, de que aquele(s) momento(s) não volta(m) mais, embora, continue a observá-los tão de perto.


Imagem de destaque: kyo azuma / Unsplash

 

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