A escola que vigia
A escola que vigia — e a que a gente sonha
João Gabriel Toledo Medeiros (*)
Há um vereador, desses que acordam inspirados em soluções fáceis para problemas complexos, dizendo por aí que aprovou a presença de câmeras dentro das salas de aula. “É para segurança”, ele afirma, com a convicção de quem acha que basta instalar um olho eletrônico para consertar o mundo. E eu, que trabalho numa escola onde as câmeras já piscam nas paredes como sentinelas silenciosas, fico pensando no quanto essa lógica da vigilância vai se infiltrando devagar, como quem entra sem bater.
É curioso: quando o assunto é educação, alguns políticos enxergam presídios onde deveriam ver projetos de humanidade. Confundem sala de aula com corredor de penitenciária, confundem estudante com detento em potencial. Esquecem que escola é lugar de troca, voz, afeto, dúvida, erro, bagunça criativa — e não um espaço onde cada gesto precisa ser capturado, arquivado e vigiado como se estivéssemos prestes a infringir uma lei que ninguém sabe muito bem qual é.
Há quem acredite que câmera traz segurança. Mas segurança para quem? Para o professor que será filmado enquanto tenta mediar conflitos, explicar equações, acolher choros, improvisar porque o giz quebrou? Para o aluno que, sabendo-se gravado, talvez fale menos, questione menos, arrisque menos — afinal, toda espontaneidade vira evidência? Segurança para quem quer um clima escolar dócil, higienizado, obediente? Talvez. Mas escola obediente demais dá sempre um pouco de medo.
Na verdade, o que essas câmeras fazem é reforçar uma pedagogia do controle: cada rosto catalogado, cada movimento registrado, cada respiração monitorada. A sensação é de que, aos poucos, vamos trocando a confiança pela vigilância, a conversa pela desconfiança, o encontro pela suspeita. Uma escola assim vira um laboratório do medo — e medo, todos sabemos, não aprende.
A pergunta que fica é simples, quase infantil: que escola queremos? Uma escola que vigia ou uma escola que educa? Uma escola que desconfia ou uma escola que acolhe? Uma escola que controla corpos ou que liberta pensamentos?
Eu, que sigo entrando em sala com câmera apontada para mim, escolho acreditar que ainda dá para construir a escola que sonhamos: a que não precisa filmar para compreender, a que não reduz alunos a dados, a que não trata professor como potencial réu. Uma escola que entende que segurança de verdade não se faz com lente, mas com vínculo; não nasce do controle, mas da relação.
E, pensando bem, talvez esse seja o nosso maior trunfo: cada vez que um professor ensina com paixão, cada vez que um aluno pergunta com brilho no olho, cada vez que alguém ousa imaginar um futuro diferente, a câmera registra — mas não entende. Porque máquina nenhuma captura o que faz a escola pulsar.
E é justamente isso que me dá esperança: por mais que tentem transformar a sala de aula em cela, a educação sempre encontra uma fresta para escapar. Sempre.
(*) Enfermeiro e Historiador – Seduc RS e Professor Convidado PPG Enfermagem UFCSPA
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