A especialidade de Moro é armar

A especialidade de Moro é armar

A especialidade de Moro é armar. Por que seria diferente agora?

Santa coincidência: O projeto de Batgirl Gabriela Hardt assume o caso por vias tortas e recoloca Moro no centro do palco

A tranquilidade com que Lula falou nesta quinta-feira sobre a possibilidade de Moro ter armado a história de que foi alvo do PCC faz supor que o presidente tenha informação que ainda não pode tornar pública.

Mas, a rigor, nem é preciso ter dado adicional ou relatório de inteligência para desconfiar da versão que tem a assinatura digital da juíza lavajatista Gabriela Hardt, de Curitiba, um projeto de Batgirl, num tempo em que Moro era chamado de Batman.

A começar pelo retrospecto de Sergio Moro. Mas não só. Primeiro, o retrospecto: Moro seria capaz de uma armação desse tipo. Dois episódios demonstram a falta de escrúpulo do ex-juiz. 

Em 2006, grampo judicial detectou conversa entre o advogado Adolfo Gois e Roberto Brasiliano, assessor do então deputado José Janene Roberto Brasiliano.

Os dois falavam sobre supostas operações de lavagem de dinheiro por parte de Alberto Youssef, em benefício de Janene. Moro, embora não tivesse sido o juiz que autorizou a quebra do sigilo, recebeu a transcrição.

Como envolvia um deputado federal, o caso deveria ter sido remetido para o STF. No máximo, Moro poderia ter usado o diálogo como ponto de partida para anular o acordo de delação de Youssef, e o colocado de volta na cadeia.

Mas Moro decidiu ficar com o caso, sem devolver Youssef ao sistema prisional. Determinou com letras miúdas que a Polícia Federal realizasse inquérito sob sua jurisdição. E esse inquérito levou oito anos até que as primeiras prisões e ações de busca e apreensão fossem decretadas. 

Só em janeiro de 2014, ano de eleição para presidente, é que a Polícia Federal fez os primeiros pedidos de prisão, entre eles a de Alberto Youssef. 

O procurador José Soares Frisch, que atuava na 13a. Vara Federal de Curitiba, a de Moro, foi contra. Para ele, Moro não tinha competência jurisdicional para tomar decisões nesse caso, já que os fatos investigados revelavam indícios de crime em São Paulo e Brasília.

Mas, depois disso, Soares Frisch não durou no cargo. Um mês depois, Deltan Dallagnol assumiu o lugar dele e foi autorizado a formar uma força-tarefa, para a qual chamou amigos e antigos subordinados. 

"Foi uma decisão pessoal, e eu prefiro não declinar os motivos pelos quais eu fiz uma troca de posto com Deltan Dallagnol", disse Soares Frisch, quando o entrevistei, em março de 2021.

O parecer de Soares que abatia a Lava Jato no ninho ficou perdido em algum arquivo digital da 13a. Vara até que o jornalista Marcelo Auler o encontrasse, e fizesse o primeiro texto sobre o caso.

O ex-procurador-geral da república Rodrigo Janot já tinha contado uma parte da história em seu livro, “Nada Menos que Tudo — Bastidores da Operação que Colocou o Sistema Político em Xeque”.

“O procurador do caso, Pedro Soares, seria substituído por outro, Deltan Dallagnol. Até hoje não entendi por que Soares saiu do caso, mas, se era vontade dele, tudo bem."

Janot errou o nome, mas isso é o de menos.

No caso do PCC, a ação também tomou um caminho estranho até parar na mesa de Gabriela Hardt, a juíza que condenou Lula a 12 anos e um mês, com uma sentença que tinha trechos copiados de outra decisão de Moro.

Quem deveria analisar os pedidos de prisão e buscas no inquérito sobre o PCC era a juíza substituta da 9ª Vara Federal do Paraná, Sandra Regina, mas ela saiu de férias em 16 de março, antes de tomar qualquer decisão.

O inquérito foi redistribuído, e quem ficou com a ação foi Gabriela Hardt. Ela poderia ter tomado qualquer decisão sexta-feira, 17 de março, ou segunda-feira, 20. Ou ainda dia 23 ou 24 ou qualquer outra data.

Mas a ação começou a se movimentar no e-proc, sistema da Justiça Federal do Paraná, às 11h49 do dia 22, terça-feira, minutos depois que perfis na rede social começaram a divulgar trechos descontextualizados da entrevista de Lula à TV 247, em que ele revelou ter dito a seus algozes na cadeia que só ficaria bem quando se vingasse de Moro.

Não foi nada muito diferente do que ele disse nas várias entrevistas que deu na cadeia, quando afirmava ter como propósito de vida provar que Moro mentiu no processo contra ele. 

Às 12h47, os mandados de prisão e de busca assinados por ela digitalmente já estavam no e-proc, mas não eram de conhecimento público, já que a ação estava sob sigilo. 

Às 14h33, Moro deu entrevista à CNN para responder a Lula e demonstrou que talvez soubesse que a operação seria deflagrada, ao dizer que a fala de Lula colocava a vida dele em risco, e também a de sua família.

Como uma fala de teor político de Lula colocaria a vida de qualquer pessoa em risco? 

No dia seguinte, a operação Sequaz é deflagrada, e as primeiras informações dão conta de que o PCC planejava sequestrar Moro, e citava também a esposa do ex-juiz, Rosângela, como um possível alvo.

Na tarde desta quinta-feira, Gabriela Hardt retirou o sigilo das prisões, e com isso espera-se que algo consistente justifique o barulho em torno da versão de que Moro poderia ter sido, efetivamente, alvo do PCC.

Por enquanto, as explicações são vagas. 

O promotor Lincoln Gakiya, outro possível alvo - este, justificadamente, em razão de ter sido o autor do pedido que, em 2019, transferiu o líder do PCC Marcola de São Paulo para Brasília -, diz que a inclusão de Moro se deve ao relato de uma pessoa que tem o nome preservado por estar em programa de proteção à testemunha.

"No curso das investigações, se viu aí indícios de que o ex-ministro Moro fosse uma das autoridades que poderiam ser atacadas ou mesmo sequestradas. E nós, inclusive, reunimos mais elementos de prova, nós tivemos inclusive testemunha protegida, no programa de proteção a testemunha, que teria feito esta missão".

Quais são esses outros "elementos de prova"? Ele não diz. O que diz uma testemunha sob proteção deve sempre ser recebido com reserva. O que conta são as provas que apresenta.

"A gente, então, passou esse caso para a Polícia Federal. Isso foi no início de fevereiro agora de 2023. Mas nós atuamos, temos atuado com o Ministério Público, inclusive eu, pessoalmente, em conjunto com a Polícia Federal. Eu mesmo prometi ao ministro Moro e ao procurador-geral que, em três meses, nós iríamos esclarecer esse caso junto com a Polícia Federal, e a gente conseguiu em 45 dias resolver essa situação", acrescenta.

"Eu apenas ressalto, até para tirar qualquer caráter político da ação ou da operação em si, que o plano já estava em andamento há mais de cinco meses. A gente tem recibos lá de que esses criminosos, no caso do Moro e outros estados também, já haviam empenhado dinheiro, por exemplo alugando chácaras, alugando imóveis, veículos blindados. E aí não só Curitiba, no caso do Moro, mas em outras capitais do país também. Então, é uma questão que foi descoberta em janeiro, mas ela já havia esse andamento, esse planejamento desde agosto do ano passado", finaliza.

Se havia outros alvos, em outros estados, por que a operação foi centralizada em Curitiba?

Por enquanto, não há resposta.

Outro ponto que merece destaque é que Moro, quando era corregedor do presídio federal de Catanduvas - construído no segundo mandato de Lula –, não foi propriamente um combatente do crime organizado.

O repórter José Maschio revelou em 2007 que reinava o caos no presídio. A reportagem cita relatório sobre a situação no presídio. "Beira-Mar, diz o relatório, já assumiu a condição de chefe dos demais detentos. (...) O traficante carioca tem ajudado presos mais pobres com a contratação de advogados e já alugou dois apartamentos em Catanduvas 'para que sirvam de albergue para familiares de presos"', cita o documento.

Quando entrevistei Maschio para o documentário "A Grande Farsa - Como Moro enganou o Brasil e ficou rico", ele disse que, em razão da reportagem, o então juiz-corregedor cortou as relações com ele. 

Em sua autobiografia, Moro fala de Fernandinho Beira-Mar, como autor de uma carta dirigida a ele, mas não toca no assunto do relatório que motivou a reportagem de Maschio, que acabou vencedora do Prêmio Folha de Jornalismo.

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PS: O procurador da república Soares Frisch atua na Operação Sequaz e, ao contrário do que fez na Lava Jato, não se opôs aos pedidos de investigação da Polícia Federal.

 

Joaquim de CarvalhoColunista do 247, foi subeditor de Veja e repórter do Jornal Nacional, entre outros veículos. Ganhou os prêmios Esso (equipe, 1992), Vladimir Herzog e Jornalismo Social (revista Imprensa). E-mail: joaquim@brasil247.com.br

 

 

 

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