A eugenia do novo ensino médio

A eugenia do novo ensino médio

Ainda sobre a eugenia do novo ensino médio

Marta Bellini -  15/03/2023

bncc - Diário Escola

 

O caso de fraude nas Lojas Ame­ri­canas re­abre nossas pre­o­cu­pa­ções com a edu­cação pú­blica no Brasil. Por quê?

Porque Le­mann, um dos em­pre­sá­rios en­vol­vidos na má gestão dessas lojas e, pro­va­vel­mente, da Ambev, foi o prin­cipal en­vol­vido no pro­jeto de pri­va­ti­zação da do en­sino médio com a Base Na­ci­onal Comum Cur­ri­cular, a BNCC.

A conta é sim­ples. O en­sino médio so­freu uma mu­dança cur­ri­cular. Uma parte dos co­nhe­ci­mentos uni­ver­sais saiu, como fi­lo­sofia, his­tória, cul­tura, e en­trou a edu­cação fi­nan­ceira, ide­o­logia do em­pre­en­de­do­rismo de si mesmo.

O es­tu­dante perde as dis­ci­plinas que o formam para exercer sua ci­da­dania e “ganha” dis­ci­plinas sem lastro so­cial e da cul­tura hu­mana. São dis­ci­plinas de coach que pro­metem a ri­queza se você “pensar” como o pa­trão. O Pa­raná fez isso com as dis­ci­plinas Edu­cação Fi­nan­ceira. Os as­ses­sores de en­sino do go­ver­nador co­pi­aram o livro de Sem ética e sem moral, os apre­ci­a­dores de re­formas de ex­trema di­reita como essa que veio dos EUA, da dé­cada de 1980, era Re­agan, pro­pagam que o es­tu­dante pode ser o pa­trão dele mesmo, em­pre­gado dele mesmo, tendo a pro­dução e a venda por ele mesmo. Isso é pos­sível? Não. Se fosse pos­sível Le­mann não seria apenas pa­trão e não ame­a­çaria qua­renta mil em­pre­gados em poucas horas por erro seu.

A re­forma da BNCC veio da cópia da re­forma de 1983 quando em­pre­sá­rios in­ven­taram a crise da edu­cação e pu­seram os pro­fes­sores e pro­fes­soras como ini­migos da edu­cação. O Ins­ti­tuto Le­mann e seus ali­ados e em­presas bra­si­leiras como o Itaú, Na­tura e ou­tras usaram o re­la­tório “Uma nação em risco”, re­di­gido pela Co­missão Na­ci­onal de Ex­ce­lência em Edu­cação, con­forme Bastos, em 2017.

Está nesse re­la­tório a re­dução do cur­rí­culo às dis­ci­plinas sem os co­nhe­ci­mentos uni­ver­sais; ten­taram pri­va­tizar a edu­cação. Como? Ven­dendo-as pelas es­colas pri­vadas. As dis­ci­plinas que fal­tarão aos alunos as es­colas pri­vadas re­ce­berão um vou­cher dado aos pais para pa­garem os pa­trões.

Essa re­forma BNCC, apro­vada em 2020, foi pri­va­tizar o en­sino por dentro do Mi­nis­tério da Edu­cação. Os donos de es­colas ob­terão lucro do di­nheiro pú­blico. O MEC é um dos mi­nis­té­rios com os mai­ores re­cursos fi­nan­ceiros.

A re­forma do en­sino médio matou todas as lutas dos edu­ca­dores. Do Ma­ni­festo dos Pi­o­neiros, em 1930, e sua exi­gência de um en­sino de ci­ên­cias real na es­co­la­ri­zação das cri­anças e jo­vens, a 2020, com a vo­tação do Banco Na­ci­onal Comum Cur­ri­cular (BNCC), o Brasil passou por dé­cadas de luta para ter as ci­ên­cias e ou­tros campos dis­ci­pli­nares no mesmo pa­tamar que ou­tros países.

Ao longo das dé­cadas de 1930, 1970 e da dé­cada de 1990 com a Lei de Di­re­trizes e Bases e com os Pa­râ­me­tros Cur­ri­cu­lares Na­ci­o­nais, a BNCC, tão es­pe­rada pelos edu­ca­dores bra­si­leiros, nada mais é do que um do­cu­mento ela­bo­rado e vo­tado por em­pre­sá­rios da edu­cação em ali­ança com o ca­pital fi­nan­ceiro para ani­quilar todas as con­quistas de um en­sino na for­mação de jo­vens do país.

São mais de 60 anos de his­tória e de ba­ta­lhas para or­ga­nizar um cur­rí­culo pen­sado co­nhe­cendo a in­te­li­gência da cri­ança e do jovem, as cul­turas dos apren­dizes, seus in­te­resses, sig­ni­fi­ca­ções, e re­pre­sen­ta­ções, es­tu­dando as di­fe­rentes re­a­li­dades cir­cun­dantes, a am­bi­ental, a so­ci­o­ló­gica, a fi­lo­só­fica, a das ci­dades e suas po­pu­la­ções, a do país entre ou­tras vi­ven­ci­adas por do­centes e alunos.

Ainda há, no en­sino médio, a pos­si­bi­li­dade de a carga ho­rária ficar entre 800 a 1000 horas quando o es­ta­be­le­cido, por lei, é de 1800 horas. Qual ou quais dis­ci­plinas fi­carão fora do cur­rí­culo? Os es­tu­dantes devem es­co­lher cinco dis­ci­plinas ou áreas. Mas as es­colas terão essas op­ções? Te­remos todas as op­ções em es­colas dis­tantes de grandes cen­tros? Lem­bremos também o di­reito de os jo­vens terem do­mí­nios de co­nhe­ci­mento não apenas para a pro­fissão, como pres­creve a BNCC, mas para ou­tros campos da vida.

Os em­pre­sá­rios bra­si­leiros im­pu­seram duas es­tra­té­gias nesse ne­gócio na edu­cação. A pri­meira é o eli­mi­na­ci­o­nismo edu­ca­ci­onal, em seg­mentos da po­pu­lação que serão mo­ral­mente ir­re­le­vantes para o ca­pital, de acordo com Bastos. A isso chamo de eu­genia. A ex­clusão dos co­nhe­ci­mentos e a ex­clusão so­cial di­mi­nuem, pro­po­si­tal­mente, o lado exis­ten­cial da parte em­po­bre­cida da po­pu­lação bra­si­leira.

A se­gunda es­tra­tégia é o cer­ca­mento fi­nan­cei­ri­zado, pri­mei­ra­mente im­posto pelas cor­po­ra­ções mun­diais e aceito pelos go­vernos pelos países co­a­gidos pelo Banco Mun­dial e Fundo Mo­ne­tário In­ter­na­ci­onal. Nesse per­curso, o Ins­ti­tuto Le­mann, me­di­ante sua in­fluência no go­verno e no Con­selho Fe­deral de Edu­cação, in­fligiu a re­dução das es­colas pú­blicas e o não con­curso de do­centes desde 2016 com o teto de gastos de 20 anos no Brasil.

O mesmo em­pre­sário das Ame­ri­canas que fez um rombo de “apenas” R$40 bi­lhões tem as mãos a BNCC. Quanto di­nheiro e re­cursos ma­te­riais va­zarão do MEC para a edu­cação pri­vada no Brasil? Como es­ta­remos daqui a dez anos? Como as Lojas Ame­ri­canas? Mi­lhares de es­tu­dantes sem for­mação no en­sino médio porque correm para serem em­pre­en­de­dores e a es­cola não im­porta mais?

Úl­tima per­gunta, mas não a menos im­por­tante: por que o atual mi­nistro da Edu­cação não corta esse eu­ge­nismo so­cial que per­ma­nece em seu mi­nis­tério?

RE­FE­RÊN­CIAS

BASTOS, Remo Mo­reira Brito. NO PROFIT LEFT BEHIND: os efeitos da eco­nomia po­lí­tica global sobre a Edu­cação Bá­sica Pú­blica. 326 f. Tese (Dou­to­rado em Edu­cação). Pro­grama de Pós-Gra­du­ação em Edu­cação. Uni­ver­si­dade Fe­deral do Ceará. For­ta­leza, 2017. Na­tu­rais. BRASIL. Mi­nis­tério da Edu­cação. Pa­râ­me­tros Cur­ri­cu­lares Na­ci­o­nais – Ci­ên­cias Bra­sília: MEC, 1997. Dis­po­nível em: http://​portal.​mec.​gov.​br/​seb/​arq​uivo​s/​pdf/​livro04.​pdf . Acesso em: 08 julho, 2020.

BEL­LINI, Marta. O des­manche da edu­cação pú­blica nos go­vernos Temer e Bol­so­naro: o caso da Base Na­ci­onal Comum Cur­ri­cular e En­sino de Ci­ên­cias. Re­vista Koan. Dis­po­nível em: http://​www.​crc.​uem.​br/​dep​arta​ment​o-​de-​ped​agog​ia-​dpd/​koan-​revista-​de-​edu​caca​o-​e-​com​plex​idad​e/​edicao-​n-​8-​dez-​2020-​1 

Blog CARA, Da­niel. O ím­peto do go­verno Temer em in­vi­a­bi­lizar o di­reito à edu­cação. do Da­niel Cara, 19/03/2018. Dis­po­nível em: https://​dan​ielc​ara.​blo​gosf​era.​uol.​com.​br/​2018/​03/​19/​o-​impeto-​do-​gov​erno​teme​r-​em-​inv​iabi​liza​r-​o-​direito-​a-​edu​caca​o/?​mobile  . Acesso em: 06 dez. 2020.

GRA­BOWSKI, Ga­briel. Quais são os in­te­resses das Fun­da­ções e Ins­ti­tutos em­pre­sa­riais com a BNCC e o novo en­sino médio. Blog do Ga­briel Gra­bowski, 02/03/2019. Dis­po­nível https://​www.​ext​racl​asse.​org.​br/​opiniao/​col​unis​tas/​2019/​09/​quais-​sao-​osi​nter​esse​s-​das-​fun​daco​es-​e-​ins​titu​tos-​emp​resa​riai​s-​com-​a-​bncc-​e-​o-​nov​oens​ino-​medio  . Acesso em: 06 dez. 2020.

https://correiocidadania.com.br/2-uncategorised/15402-o-ensino-medio-no-brasil-e-eugenista 




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