A imagem da escola
Muros, paredes, salas de aula: qual é a imagem que sua escola transmite?
Por Lourdes Atié
Quando o assunto é escola, há muitas diferenças entre as instituições – proposta pedagógica, resultados das avaliações, trajetória. Mas nenhum fator traduz de forma tão transparente quanto o prédio escolar e seus espaços físicos. É ele que materializa a proposta pedagógica de verdade.
Se o discurso não é compatível com a organização espacial da escola, tudo se perde naquilo que realmente mostra a identidade de cada escola.
Muitas vezes, viajando pelo Brasil, visito escolas onde o discurso é um, e o espaço é outro. Por isso, considero que precisamos conversar sobre isso.
Muros da escola
Em muitas escolas, os muros são tão altos que passam uma mensagem maior do que a preocupação com a segurança.
Muros altos indicam para a vizinhança que ela não é de confiança, perigosa e que por isso, a escola precisa se proteger. Dialogar com a vizinhança é uma das diretrizes da Associação Internacional das Cidades Educadoras. A escola não pode ser como um “bunker”, lugar de segurança máxima. Se é explicitada a necessidade de segurança, estamos também dizendo que pela educação não somos capazes de dialogar com o entorno e vencer os possíveis riscos.
Este é um desafio da contemporaneidade, afinal a educação não acontece somente na escola. A cidade ou a comunidade é também um espaço educador e, por isso, precisa estar articulado com a escola.
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O que se aprende hoje na escola e que se deve ir além dela. Logo, podemos concluir que a escola do século 21 é sem muros, sem fronteiras, completamente integrada com o espaço exterior, dialogando com as suas subjetividades e fortalecendo os laços de vizinhança.
A palavra que traduz o nosso século é conexão. Não apenas digital, mas acima de tudo, conexão presencial.
A escola é um espaço coletivo, mesmo sendo uma instituição privada, está inserida num contexto. Sua localização tem uma história. Ela não aterrizou lá como numa nave espacial. Ela foi construída, reconstruída e adaptada às suas necessidades e a sua relação com o lugar onde se localiza. Então devemos questionar se a “imagem” que a escola vai tomando ao longo do tempo considera somente suas demandas internas, ou se busca se relacionar com a comunidade em que está inserida.
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O que contam as paredes da escola
A escola é um lugar de aprender, de conviver, mas também de saber comunicar aquilo que está sendo aprendido. E um dos recursos utilizados para isso são os cartazes que habitam os corredores e as salas de aula.
Quando percorro os espaços das escolas que visito, também percebo que eles são reveladores da forma como elas trabalham o conhecimento e ainda a participação dos seus alunos. Muitas escolas enchem suas paredes com fotos dos seus alunos que por ali passaram ou daqueles que receberam alguma premiação.
O que isso me revela? Que a escola valoriza seus resultados e não o processo de aprender ao longo de um período que eles passam naquele importante espaço educativo. Isso é um valor explicitado nas suas paredes.
Sobre como a escola comunica aquilo que seus alunos estão aprendendo, me revela como cada escola trabalha os conhecimentos ali produzidos. Vivemos em uma sociedade midiática em que a publicidade faz parte das nossas vidas sem mesmo pensarmos a respeito.
Ao “didatizar” o portador do texto publicitário, por meio de seus cartazes, a escola tem dificuldade de utilizá-lo na potência que o gênero oferece. De um modo geral, os cartazes são produzidos e expostos como se os autores falassem para si mesmos, sem levar em conta o que e como comunicar aquilo que pretende para um leitor que está passando no mesmo espaço.
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Tornar público aquilo que está sendo ensinado na escola é obrigação de todos os educadores e papel da escola. Não como peça de marketing, mas como responsabilidade educativa sobre a função da escola, pois de nada adianta aprender sem saber comunicar aquilo que foi aprendido. É metacognição necessária para efetivar todo o processo de aprendizagem.
Por outro lado, os cartazes são sempre provisórios. Nada é permanente num espaço que trabalha com o conhecimento. Do contrário, se transforma em objeto de decoração, deixando de ser um objeto de conhecimento, que é provisório e substituível, pois reflete a dinâmica da escola que é sempre viva e mutante.
Outra questão relevante diz respeito aos materiais utilizados pelas escolas para a produção dos seus cartazes. Ainda predomina nas escolas do Brasil o uso da borracha E.V.A. (Etil Vinil Acetato), uma resina derivada do petróleo, portanto poluidor do meio ambiente. E como pode a escola que tem como valores e princípios o compromisso com a sustentabilidade e com a educação ambiental, poluir o meio ambiente usando tal recurso?
Este material, além de poluidor, é utilizado pelas professoras para a “decoração” dos espaços escolares e eu pergunto: precisa mesmo utilizá-lo? Acho que está na hora de abandonar o E.V.A. em nome da coerência com o compromisso educativo que toda escola precisa ter com o espaço em que vive, ou seja, é preciso ter uma consciência planetária.
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E outro aspecto que abrange a temática é a participação dos alunos na execução desses cartazes. O que observo é o predomínio da estética do professor, ser humano adulto. Os alunos se engajam nas propostas que os professores criaram. Tudo muito “arrumadinho”.
Cadê a estética das crianças ou dos jovens? Isso me revela que são escolas feitas para os alunos e não com os alunos.
Se os alunos não exercitam o direito de comunicar do seu jeito aquilo que aprende, que espécie de cidadão a escola está ajudando a construir? São consumidores ou produtores de conhecimento?
Enfim, as paredes podem revelar muito mais coisas do que imaginamos. É lá que fica o registro visual dos seres pensantes e autônomos de todas as idades, aprendizes de um tempo provisório e em constante mutação. Lugar de seres criativos e inventivos.
O que os prédios revelam e podem revelar
As crianças e jovens no Brasil passam cada vez mais tempo nas escolas por múltiplas razões. Entre elas a segurança, a falta de tempo das famílias, a realização de múltiplas atividades para além daquelas do currículo escolar.
Esta permanência, no entanto, está muito mais vinculada às demandas das famílias do que às necessidades dos estudantes.
Além de permanecerem diariamente na escola, quando chegam as férias o estudante permanece na mesma escola – só que desfrutando de outras atividades. Que pena! Nem dá para sentir saudade da escola.
Como pensar o espaço escolar para isso? O primeiro aspecto que constato é que, embora a escola seja um espaço da coletividade, as crianças de faixas etárias diferentes não se misturam porque os espaços são separados. São prédios específicos para cada segmento. Os estudantes não se misturam nem na hora do recreio. Como eles vão aprender a conviver? Como vão aprender a se relacionar com pessoas de idade diferentes? A rua é tudo misturado. Como podemos aprender com o outro se a escola usurpa tal possibilidade?
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Outro aspecto é que a arquitetura é pensada em espaços para o fazer. Não há espaço para deleite, para ficar à toa. Tudo é pensado para uma função atrelada ao ativismo, além de um espaço de consumo alimentar apenas. Os livros são aprisionados na biblioteca. Não podem estar disponíveis pela escola em espaços diversificados. Tem pouca natureza e muito ladrilho para dar a ideia de limpeza. Mas cadê a convivência prazerosa, livre e natural?
A escola do século 21 é aberta, simples e rica de sentido. Não se prende a modismos, nem tem um cardápio de ofertas “a la carte” atendendo a todos os desejos dos pais.
Escola com sentido é aquela que sabe o valor do seu trabalho educativo e pedagógico, e tem princípios inegociáveis que a faz ser uma instituição insubstituível.
É preciso que a escola seja de todos e que ultrapasse seus muros e ganhe as ruas. Seus espaços internos precisam ser abertos, coletivos e interativos, como a vida: tudo misturado. É assim que aprendemos.
As “gavetinhas” cumpriram seu papel quando a escola pertencia à era industrial. Hoje já não faz mais sentido. Que tal pensarmos sobre isso e libertar os espaços e as paredes escolares?
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